Nas profundezas de uma vida (nada) normal - Capítulo 2

Nas profundezas de uma vida (nada) normal

Capítulo 2 - Personagens da vida

- Já vai lá, Mar? - minha tia é a única nesse mundo, tirando meus pais, que me chamavam assim, talvez para deixar minha verdadeira essência. Eu sei que meu elemento sempre foi a água. A água salgada.

- Sim. Quero descansar a cabeça um pouco.

- Tudo bem, então. Mas volte logo, antes que a maré suba.

Pessoas normais saem para "tomar um ar". Eu dou um mergulho no oceano. Como eu disse, o elemento mais póximo de mim é a água...

Já era noite. Assim que entrei na água doce depois de quase um ano fugindo dela, senti-me estranha. As palavras da minha mãe me assustaram. Que tipo de "pessoas indesejadas" a minha melodia podia trazer? Bom... O que importa é que nada aconteceu de diferente. Pelo menos a tranformação não me entregou.

Novamente com meu biquini, entrei no mar gelado. Eu tremi só no primeiro segundo porque logo depois me acostumei. Já sabia que aquela sensação ia voltar. Meus braços novamente se debateram. Minhas pernas ficaram dormentes que eu nem as sentia direito. Minha respiração estava complicada com tanta água entrando pelo nariz, até que meu pescoço martelou de dor. E assim me transformei. Livre do mundo lá em cima, apenas com o brilho da lua para me guiar.

Lá em baixo tudo estava vazio. Não tão escuro quanto eu imaginava. Ao contrário do que muitas pessoas acreditam existe uma espécie de cidade submarina, sim. Protegida por uma bolha enorme de oxigênio capaz de sustentar todos por ali. E é lá que seres como eu vivem. Em Thamisian. Não. Não é Atlântida. A Atlântida fica longe e ao que parece, é como uma cidade fantasma hoje em dia, totalmente afundada.

Nadei até o coral mais próximo. Eu o reconhecia. Ele era um dos pontos iniciais que se estendem antes da minha cidade para guiar os habitantes perdidos, mas somente para aqueles que sabem aonde querem chegar. Minha amiga Isa, por exemplo, jamais saberia. Porque ela é uma humana normal. Não é como eu, nem como ninguém daqui é. Os que são como ela, a esse nível não suportariam tanto tempo, por isso nossa amizade fica restrita apenas lá em cima.

Nesse coral vermelho geralmente moravam peixes que eu já conhecia. Pequenos e indefesos. Peixes-palhaços. São bem parecidos com aqules do filme "Procurando Nemo" mesmo, exeto que eles não falam. Mas enfim... Eu vivi esperando pelo o que estava acontecendo. Entendi do motivo do coral estar mais fechado e os peixes estarem bem mais escondidos do que de costume. Novos ovos. Uma nova geração chegando. Do nada me veio a vontade de conhecer aqueles filhotes, mas ainda teria que esperar um pouco mais para isso.

Nadei um pouco mais para longe, em outro coral, dessa vez verde, que estava, ou pelo menos parecia, inabitado. Sentei ao seu lado e fiquei observando suas "folhas" se mexerem. Aquilo me acalmava. E também me fazia pensar.

- Será possível que sempre vai ter que ser assim, Verde? - eu disse bem alto mais para mim mesma do que para a planta, claro. - Será que eu tenho que ficar mentindo quem eu realmente sou? Tenho que ficar criando personagens o tempo todo? Uma hora sou humana normal e em outra sou eu mesma aqui embaixo?

Não esperei resposta alguma. Talvez nunca teria. Minhas perguntas pareciam um tanto sem sentido. Mas um sem sentido que fazia sentido pra mim. Não queria ter que fingir ser quem não sou. Só faço isso porque era desejo dos meus pais, que queriam que eu fosse completamente humana. Se meus pais ainda estivessem comigo...

- Queria que meus pais ainda estivessem aqui, Verde... Eles saberiam me dizer pra onde eu deveria seguir...

- O que exatamente aconteceu com seus pais? Você nunca me disse...

Pulei (se é que da para pular debaixo d'água) de susto quando ouvi uma voz atrás de mim. Plantas não falam certo?

- Ah.. É você Erik. - eu disse assim que encontrei meu amigo de infância, que era quase um irmão de famílas diferentes, uns anos mais velho, que me apoiava desde sempre. Mesmo depois de eu passar mais tempo em terra firme do que aqui. - Você sabe da história...

- Mas você nunca me contou. Eu quero saber de você que sabe da verdade. Verdade mesmo.

- Ah... Bem meu pai morreu numa querra contra ouriços gigantes e minha mae ficou doente depois disso. E foi como se a missão dela tivesse sido me ver completar quinze anos. No dia seguinte ela morreu de uma doença que adiquiriu por causa da depressão. Enfim... Ela estava na terra com minha tia. Lá em cima, os humanos não sabem como cuidar direito das pessoas. As coisas que temos aqui tem mais chance de salvar uma vida do que lá em cima... - eu disse com uma dor querendo partir meu coração.

- Hum... E como é "lá em cima"? Depois que ficou morando lá, você deixou todo mundo daqui pra trás. Eu também queria, um dia, poder ir com você pra conhecer lá...

- Outro dia, então, pode ser? Hoje eu tô meio cansada...

- O que aconteceu? - ele não me olhava nos olhos mas continuava ao meu lado para me confortar.

- Água Doce.

- Nãaaaao... - ele não parecia acreditar. Assim como eu.

- Sim.

- Impossível.

- Verdade.

- E o que aconteceu? Quem apareceu pra você? Que música você cantou? Você morreu e eu to falando com o seu fantasma? - ele tocou no meu braço de brincadeira.

Eu ri.

- Exageraaado - eu prolonguei bem o "a".

- Mas você sabe o que acontece quando sereias salgadas tocam na água doce não é? Dizem que a lua rouba a alma delas pra sempre...

- Sei lá se isso aí é verdade, Erik. Tudo o que eu sei é que era de manhã. E eu não fui por conta própria! Minha amiga me empurrou!

- Ah... Isso lá é amizade? Ela podia ter te matado! Se você tivesse morrido eu ia até lá sem nem fazer tranformação pra...

- Acontece que ela não sabe quem sou eu. E as amizades lá em cima são bem "piores" do que você pode imaginar. Ninguém lá é tão unido quanto aqui em baixo. Lá em cima não se dá pra confiar em ninguém... Por exemplo essa minha amiga, um dia o irmão dela roubou o dinheiro da bolsa dela e até hoje ela não sabe disso.

- E se você sabe, por que não contou pra ela, ora?

- As coisas não são tão fáceis quanto parece, Erik. Eu acho melhor eu não me meter com eles. Depois eles iam brigar e tudo ia ser culpa minha...

- Bom... Você sabe que eu nunca ia roubar seu "dinheiro"...

- É eu sei... E olha que não somos irmãos de sangue! Agora eu devo ter estragado a sua imagem bonita de lá em cima né? - eu ri de leve.

- Ah não... - ele me empurrou para o lado, um pouco forte demais, mas consegui me segurar - Mas mesmo assim, eu ainda quero ver como é. Mas... Por que sua amiga não pode saber quem você é?

- Sabe o que aconteceu com Atlanta? A cidade foi afundada, lembra? Isso não pode acontecer com Thamisian.

- Eu jamais me perdoria se isso acontecesse. Quer dizer... Se eu estivesse vivo... É por isso então que ela te forçou a entrar na água doce, mesmo você dizendo que não podia? Porque ela não sabia que era arriscado?

- Sim. Tenho medo. Eu comecei a cantar sem parar, todas as pessoas entraram na piscina e eu saí correndo antes que qualquer coisa acontecesse.

- E a transformação?

- Não aconteceu. Ainda bem. Porque de um jeito ou de outro eu poderia estar morta...

Bec
Enviado por Bec em 10/01/2013
Reeditado em 18/01/2013
Código do texto: T4077561
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