O Preço de uma Estrela (Capítulos 78, 79 e 80)

CAPÍTULO 78: SE DANDO BEM

- Então Marcos, você é um ator, né?

Comíamos na sala sentados no sofá, eu do lado do Marcos em uma ponta, e meu irmão, praticamente de frente para nós, em outra ponta. Ao ouvir a pergunta do Rubens, Marcos sorriu um pouco sarcástico até perceber que meu irmão falava sério, pois ele e eu não ríamos.

- Eu achei que você estava brincando.

- Meu irmão não acompanha nada do....Como eu posso dizer? Ah, do nosso mundo. Rsrsrs.

- É, rsrsrs. Sou leigo nestes assuntos.

Agora Marcos ficava sério.

- Então, faz quanto tempo que você está nisso.

- Quatro anos.

- Bastante tempo.

- É. E você faz o quê?

- Pelo visto minha maninha não falou muito de mim.

- Não. Nós ainda estamos nos conhecendo, né querida?

- É. Ainda estamos num lance mais...físico. Rsrsrs.

Todos sorrimos. Ouvi essa frase em um filme, ainda bem que deu certo aqui também. Rsrsrs.

- Bom, eu sou supervisor da área de construção de sistemas computacionais de uma empresa em São Paulo.

- Isso parece ser interessante.

- Para quem gosta e entende, é super interessante.

- Eu gosto e meu pai entendia, então sei algumas coisas. Pensei até em fazer engenharia de computação, mas como precisava me dedicar em tempo integral, eu precisei escolher o que queria para minha vida. Ser ator falou mais alto.

O pai dele entendia? Ele não era militar? E como assim o Marcos pensou em fazer engenharia da computação?

- Legal. Pelo visto minha irmã não é a única atriz inteligente que existe.

Rubens sorriu alegremente, pensando ter feito uma piada. Sorri desdenhosamente. Marcos ficou sério. Meu irmão percebeu o erro.

- Desculpa, eu não quis ofender a profissão de vocês.

- Tudo bem, já me acostumei com o preconceito ainda existente para com os atores. Mas não somos vagabundos ou pessoas avoadas. Pelo contrário, ralamos muito, precisamos ler muitas coisas, pesquisar, estudar, se atualizar, enfim, é uma profissão como qualquer outra e pessoas preguiçosas não têm chance nisso aqui.

Olhei para o Marcos e sorri com satisfação. Ele está certo. Não é brincadeira nosso ramo, a coisa é séria e só quem vive isso consegue entender.

- É. Eu fui infeliz na piada. Compreendo o preconceito e raiva que vocês sentem com isso, afinal eu também passo por isso as vezes, já que algumas pessoas ainda pensam que fazer engenharia de computação é ficar navegando na internet o dia todo, ou inventar jogos.

- Para você ver, existem coisas que mui....

E assim ficamos por um tempão conversando. Marcos e meu irmão se deram super bem e a conversa fluía como se fossem amigos há anos. Futebol, luta, computação, atuação, política, até desenhos e brincadeiras surgiram na conversa. Eu fiquei super feliz e não pensei em nenhum momento, durante o bate-papo, que aquilo era falso.

Após o jantar, arrumar a cozinha, com a ajuda dos homens, e a conversa, percebemos que estava chovendo e que já era duas da manhã.

- Nossa, tudo isso! E ainda está chovendo forte.

- Ficamos conversando e nem vimos o tempo passar. Que loucura! Só espero que não alague nada.

- Falando nisso, acho melhor você ir, né Marcos?

- É. Vou precisar pegar um táxi. Empresta o seu celular, o meu acabou a bateria ontem e até agora não coloquei para carregar.

Isto explica porque só deu caixa postal quando eu liguei mais cedo.

- Por que você não está com seu carro?

- Porque o porsche está sem gasolina e eu não quis vir com a hilux.

- Não querendo me intrometer, mas já intrometendo. Por que você não dorme aqui Marcos?

- Porque não tem lugar, Rubens. Só tem um sofá e você vai dormir nele.

Rubens sorriu para mim.

- Ah, maninha. Já somos grandinhos, né? Eu não vou me importar dele dormindo com você no seu quarto. Não se preocupe!

O QUÊ?

CAPÍTULO 79: FAZER O QUE, NÉ?

Olhei para o Marcos e ele para mim. O sorriso bobo de sempre deslizou pela sua boca e eu chacoalhei a cabeça negativamente, toda séria.

- Não.

- Está tarde e chovendo, Lia.

Olhei para o meu irmão, esqueci dele ali.

- Eu sei que está tarde Rubens, e chovendo, mas o Marcos conhece bem o bairro. Além do mais ele mora à algumas ruas daqui, não terá problema nenhum em ir embora.

Uma raio forte soou lá fora.

- Nossa, a chuva está bem forte e es...

- Você não vai dormir comigo, Marcos!

Marcos coçou a garganta e olhou para o meu irmão.

- Ela é tímida, você sabe.

- É e me parece bem brava?!

Marcos continuava sorrindo e Rubens me olhava sem entender a situação.

- Como se seu irmão não soubesse que já dormimos juntos antes, né querida?

Respirei fundo e sorri para o meu irmão. Se eu for relutante e não deixar o Marcos dormir aqui, meu irmão pode estranhar. Será? Ah, por outro lado, dormir com o Marcos na mesma cama. Ai que droga!

- Eu vou ao banheiro, enquanto isso, querida.

Marcos saiu e eu tentei arrumar uma desculpa para o meu irmão.

- Eu não quero te desrespeitar, Rubens.

- Com o que? Rsrs. Eu não vou me sentir desrespeitado se você fi...

- Eu não quis dizer isso. Nada vai ocorrer, tudo bem? Ai, como você é bobo. Não sabia que você era destas brincadeiras idiotas.

- Não sou eu, é você quem está dizendo bobeira com este negócio de desrespeito. Não vejo problema dele dormir aqui. Eu não pensei em nada de errado.

Eu não olhava para meu irmão. Mirava o teto, o chão, a parede. Tudo bem que ele pode ter uma certa razão. Na verdade ele tem, talvez eu esteja levando isto muito a sério e sendo demasiadamente idiota.

- Sabe, do jeito que você está agindo até parece que não quer que ele durma aqui com você.

- E você ainda não percebeu que eu realmente não quero?

- Por quê?

Porque isso tudo é uma MENTIRA!!!

- Por sua causa.

- Para de me colocar como desculpa. Fala logo, por quê?

- Não é desculpa!

- É o que parece. Nem parece que você gosta dele. Se eu entrasse agora aqui e pegasse você falando desse jeito, sem que todo esse jantar e a conversa tivesse acontecido, eu diria que você não é namorada dele. Que você o detesta!

Mais uma vez: Droga! Respirei fundo.

- Não. Eu gosto dele e já que você não se importa, ele dorme aqui e eu ficarei super feliz. Está chovendo e é ruim para ele voltar para casa esta hora.

Marcos entrou na sala e sentou ao meu lado no sofá. Meu irmão bocejou e eu percebi que era a hora de me recolher com meu amado namorado, ironicamente falando.

Fui ao quarto, peguei um cobertor e travesseiro para meu irmão. Entreguei a ele na sala. Voltei para o quarto e vi o Marcos arrumando umas cobertas no chão, ao lado da cama.

CAPÍTULO 80: INTERROMPENDO

Depois de ver o Marcos fazendo aquilo, eu fechei a porta do quarto, preocupada do Rubens aparecer, apesar de já ter-lhe dito boa noite.

- O que você está fazendo?

Apesar de falar meio brava, eu sussurrei.

- O que você acha? Pensou que eu iria dormir com você na cama?

Na verdade pensei, mas não respondi. Voltei com voz ao normal, mas baixo e respondi em tom de satisfação.

- Que bom que você está fazendo isso. Não suportaria sentir a tua presença do meu lado.

Marcos sorriu.

- Eu compreendo. Afinal você não gosta de mim, né? Ah, não, espera, não foi isso que eu ouvi você dizendo para o seu irmão, você até falou que estava super feliz por eu dormir aqui.

Devia ter percebido que ele escutara.

- Eu fui irônica! Eu disse aquilo para ele não perceber o nosso fingimento. Babaca!

- Tudo bem. Acho que isso aqui está bom, pelo menos está confortável.

Olhei para os dois cobertores jogados no chão, um travesseiro arrumado em uma das pontas e um edredom na outra. Dei risada.

- Você vai dormir nisso? Pena eu não ter uma máquina em mãos. Como eu gostaria de registrar este momento épico. Marcos Sandret dormindo no chão, num amontoado de cobertores.

- E quem disse que é para mim?

Olhei incrédula! Ele vai me fazer dormir no chão mesmo? Mas ele sorriu e percebi que era mais um de seus momentos idiotas.

- HÁ! Muito engraçado você.

- Precisava ver a sua cara.

- Estou me arrependendo de deixar você dormir aqui. Aliás, por que você veio para cá?

- Como assim?

- Quando você chegou de viagem?

- Hoje a tarde.

- Então o que você está fazendo aqui? Por que não foi ver o Leandro?

- Porque ele está resfriado.

- Hã?

- Eu não gosto de pessoas resfriadas. Acho nojento. Além do mais, ficar resfriado não é para mim. Se eu fosse vê-lo, poderia ficar também, e se isso acontecesse seria horrível para trabalhar.

Eu não sabia o que eu fazer com aquele cara: socava ou simplesmente.....o socava. É, esta era a minha única vontade. Que idiota! O ignorei. Deitei na cama e me cobri. Ele apagou a luz e deitou no colchão improvisado.

- Seu irmão é legal, isso deve ser...

- Ele não é homossexual.

- E depois você diz que eu sou babaca e que não é preconceituosa.

- Eu não sou preconceituosa. E você é um babaca sim, ouviu o que acabou de dizer sobre resfriado e sobre o Leandro?

- Isso é coisa minha. E é preconceituosa sim.

- Por quê?

- Não é somente porque eu acho seu irmão legal que eu quero ficar com ele. Um homossexual não pode achar um cara legal simplesmente por achar?

- Sendo você, que pelo que eu saiba já traiu o Leandro duas vezes, não, não pode achar sem que haja algo por trás.

- Você é uma idiota as vezes, sabia?

- Olha, pensamos igual, pois eu penso o mesmo de você.

- Acontece que se você tivesse deixado eu terminar, não iria ficar dizendo coisas sem nexo e iria entender o que realmente eu quis falar.

Respirei fundo.

- Boa noite!

Silêncio por um, dois minutos, então ele falou.

- Eu ia dizer que deve ser de família. Boa noite!

Mais um silêncio, agora definitivo. Somente pensei no sorriso bobo dele, em uma satisfação e felicidade por ouvir suas últimas palavras, antes de dormir.