EPICURISMO e outras versões e comentário da ode de Horácio: O tempo preciso foge! Horácio diz a Leuconoé: Carpe diem..."
Carpe diem
quam minimum
credula postero" (latim clássico em HORÁCIOS NA ODE 1.11 “A LEUCONOE”)
Vê: tua ansia é vã.
Goza o dia de hoje,
que bem incerto
é o dia de amanhã.
Para Ortega y Gasset, se sou, em parte, as minhas circunstância, de outro lado, para Horácio o tempo fluível e corrosívo inevitável é a nossa contigência inalienável. O homem, segundo Kant, é um ser contido em sua temporalidade e espacialidade.
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Não indagues, Leucónoe, ímpio é saber,
a duração da vida
que os deuses decidiram conceder-nos,
nem consultes os astros babilônios:
melhor é suportar
tudo o que acontecer.
Quer Júpiter te dê muitos invernos,
quer seja o derradeiro
este que vem fazendo o mar Tirreno
cansar-se contra as rochas,
mostra-te sábia, clarifica os vinhos,
corta a longa esperança,
que é breve nosso prazo de existência.
Enquanto conversamos,
foge o tempo invejoso.
Desfruta o dia de hoje, acreditando
o mínimo possível no amanhã.
trad. Péricles Eugênio da Silva Ramos
FONTE: http://jeffersonbessa2.blogspot.com.br/2010/03/nao-indagues-poema-de-horacio.html
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OUTRAS TANTAS VERSOS DO TEXTO DE HORÁCIO:
1.11
Tu ne quaesieris, scire nefas, quem mihi, quem tibi
finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios
temptaris numeros. ut melius, quidquid erit, pati.
seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam,
quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare
Tyrrhenum: sapias, vina liques et spatio brevi
spem longam reseces. dum loquimur, fugerit invida
aetas: carpe diem quam minimum credula postero.
(quintus horatius flaccus)
* * *
Tu não trates (que é mau) saber, Leucônoe,
Que fim darão a mim, a ti os Deuses;
Nem inquiras as cifras Babilônias,
Por que melhor (qual for) sofrê-los apures.
Ou já te outorgue Jove invernos largos,
Ou seja o derradeiro o que espedaça
Agora o mar Tirreno nos fronteiros
Carcomidos penhascos. Vinhos coa:
Encurta em tracto breve ampla ‘sperança.
Foge, enquanto falamos, a invejosa
Idade. O dia de hoje colhe, e a mínima
No dia de amanhã confiança escores.
(filinto elísio)
* * *
Saber não cures (é vedado) os deuses
A ti qual termo, qual a mim marcaram,
Nem consultes, Leucônoe, os babilônios
Cálculos, por que assim melhor já sofras
Tudo quanto vier, ou te dê Jove
Muitos invernos, ou só este, que ora
O mar tirreno nas opostas rochas
Quebra. Tem siso, o vinho coa, e corta
Em vida breve as longas esperanças.
Ínvida idade foge: colhe o dia,
Do de amanhã mui pouco confiando.
(elpino duriense)
* * *
A Leucônidis
Ah! Não procures indagar que termo
Tenha prescrito o Fado a nossos dias;
Vedado é saber tanto:
Os vaticínios babilônios deixa,
Para aprender a suportar constante
Os assentes da Sorte.
Ou Jove te destine mais invernos
À curta idade, ou seja o derradeiro,
Este, que ao Mar Tirreno
As fúrias quebra nas opostas rochas,
E nele a Parca inexorável feche
O círculo da vida.
Se és prudente, se és cauta, arrasa as taças
De doce vinho, apouca as esperanças
Em duração tão breve.
Enquanto assim discorro, a idade foge:
Aproveita o presente, e não confies
Crédula no futuro.
(josé agostinho de macedo)
* * *
A Leucótoe
Não queiras saber quando
Terão fim, ó Leucótoe, nossas vidas,
Por números contando
As babilônias sortes proibidas,
Quais hão-de ser, se curtas, se compridas;
Se o escuro lago Averno
Havemos de ir passar, se tarde ou cedo,
Se neste hórrido inverno
Que quebra o mar no duro e alto rochedo,
E seu rigor nos põe espanto e medo.
Será melhor aviso
O são vinho gastar e a vã esperança
Da vida em festa e riso:
E pois que a idade e o tempo faz mudança,
Logra o presente e no porvir não cansa.
(andré falcão de resende)
* * *
Não indagues, Leucônoe, ímpio é saber
a duração da vida
que os deuses decidiram conceder-nos,
nem consultes os astros babilônios:
melhor é suportar
tudo o que acontecer.
Quer Júpiter te dê muitos invernos,
quer seja o derradeiro
este que vem fazendo o mar Tirreno
cansar-se contra as rochas,
mostra-te sábia, clarifica os vinhos,
corta a longa esperança,
que é breve o nosso prazo de existência.
Enquanto conversamos
foge o tempo invejoso.
Desfruta o dia de hoje, acreditando
o mínimo possível no amanhã.
(péricles eugênio da silva ramos)
* * *
Ask not ungainly askings of the end
Gods send us, me and thee, Leucothoe;
Nor juggle with the risks of Babylon,
Better to take whatever,
Several, or last, Jove sends us. Winter is winter,
Gnawing the Tyrrhene cliffs with the sea’s tooth.
Take note of flavors, and clarity’s in the wine’s manifest.
Cut loose long hope for a time.
We talk. Time runs in envy of us,
Holding our day more firm in unbelief.
(ezra pound)
Deixa as questões canhestras de que fins
Mandam deuses, Leucôtoe, a ti e a mim,
Nem jogues com riscos da Babilônia,
Mas pega o que vier
Vários ou derradeiros, à mando de Jove. Inverno é inverno,
Rói o Tirreno no dente do mar.
Anota os sabores, e a clareza é no vinho manifesta.
Corta fora a longa esperança por ora.
Conversamos. Corre o tempo com inveja,
Firmando o nosso dia na descrença.
(ezra pound via adriano scandolara)
* * *
não me perguntes
- é vedado saber -
o fim
que a mim
e a ti
darão os deuses
Leucônoe
nem babilônios
números consultes antes
o que for recebe
quer te atribua Júpiter muitos invernos
quer o último
que o mar tirreno debilita com abruptas
r
o
c
h
a
s
bebe o vinho sabe a vida e corta
a longa esperança
enquanto falamos
foge
invejoso
o tempo:
curte o dia
desamando amanhãs
(augusto de campos)
* * *
não me perguntes
saber não presta
Leuconoe
que fim os deuses nos preparam
nem arrisque
números de Babel
como se fosse o máximo – o que vier: fature
se o Pai te concedeu vários invernos
ou o último
agora o mar tyrrheno cepilha pedras de naufragar
filtre o vinho
sorva os coos
prazo breve
corta
a espera
a era já era
antes do tempo de dizer
estamos conversados
pega este dia
crer no próximo
não vale um nihil
(paulo leminski)
* * *
ODES I, 11
Não me perguntes, pois é proibido,
que fim darão, Leocono, a ti e a mim
os deuses; nem em adivinhações
ao modo babilônico confies.
Enfrenta o que cruzar o teu caminho.
Quer tenhas pela frente ainda muitos
invernos, quer fustigue já a costa
do mar Tirreno o último que Júpiter
há de te dar, sê sábio, bebe vinho,
e espera pouco. Neste mesmo instante
em que falamos, o invejoso tempo
de nós já foge. – Aproveita o dia,
confia no amanhã somente o mínimo.
Horácio no Baixo
(Odes I, 11)
Tentar prever o que o futuro te reserva
não leva a nada. Mãe de santo, mapa astral
e livro de autoajuda é tudo a mesma merda.
O melhor é aceitar o que de bom ou mau
acontecer. O verão que agora inicia
pode ser só mais um, ou pode ser o último -
vá saber. Toma o teu chope, aproveita o dia,
e quanto ao amanhã, o que vier é lucro.
(paulo henriques britto)
* * *
I, 11
Não perguntes – saber é nefasto – qual fim nos foi dado
pelos deuses, Leuconoe, nem jogues c’os números
babilônicos. Como é melhor que se sofra o que for!
Quer conceda a nós Júpiter muitos invernos quer o último,
que, nas pedras opostas, agora enfraquece o Tirreno mar,
sejas cauta: depures o vinho e, num breve momento,
abandones a longa esperança. Enquanto falamos, o tempo
invejoso passou. No porvir não te fies: carpe diem.
(leandro cardoso)
* * *
1.11
Não perguntes (saber nefasto) o fim que a mim e a ti
os deuses concederam, ó Leucônoe; Babilônios
números não procures. Vai, aceita o que vier,
mesmo que Jove envie mais invernos, ou só este,
que agora contra as rochas debilita o mar Tirreno:
vai, sabe, saboreia, coa o vinho e em curto espaço
poda a tua esperança. Se falamos, foge o tempo
de inveja: colhe o dia, mas não creias no amanhã.
(guilherme gontijo flores)
* * *
Para os obcecados que chegaram até aqui & não se saciaram, um link com um punhado de versões para o inglês
guilherme gontijo flores
FONTE: http://escamandro.wordpress.com/2012/06/08/horacios-na-ode-1-11-a-leuconoe/
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Dicionário de Termos Literários
Por Massaud Moisés
http://books.google.com.br/books?id=0Pn4qAZ-QyoC&pg=PA70&lpg=PA70&dq=O+tempo+preciso+foge!+Afirma%C3%A7%C3%A3o+de+Leucono%C3%A9&source=bl&ots=3qYSzxXJUs&sig=GQL-P3Q-6eeFAWsReKHN0VnXKgc&hl=pt-BR&sa=X&ei=WmDUUNqwBYbM9QScnoGYDA&ved=0CDwQ6AEwAg#v=onepage&q&f=false
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SEXTA-FEIRA, 8 DE JUNHO DE 2007
30 anos com e sem Bandeira
Paulo Martins
(Texto publicado originariamente no extinto Caderno de Sábado do Jornal da Tarde em 17/10/98)
"....se a poesia refere-se ao eterno com letras e vozes do hic et nunc (aqui e agora), qual será a consistência da prática poética no mundo do sono eterno? Drummond questiona:
“(...) Hoje me sobe o desejo
de saber o que fazes, como,
onde:
em que verbo te exprimes, se há verbo?
em que forma de poesia, se há poesia,
versejas?
em que amor te agasalhas, se há amor?
Em que deus te instalas, se há deus?
Que lado, poeta, é o lado de lá,
Não me dirás, em confiança?(...)”
Drummond quer nos enganar, ao questionar sobre o outro lado da vida, a morte, sobre como os mortos se comunicam, como escrevem poesia e como se amam. Ele sabe que a voz do amigo lá não é diferente de sua voz cá na terra. Bandeira já prenunciara ao propor em “O último poema” que:
“Assim eu quereria o meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como o soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.”
A forma ideal de poesia é um universal que serve a qualquer mundo, ao dos vivos e dos mortos. A forma ideal é simples, é ardente, é bela, é chama, é paixão. E, nesse sentido, ecoa em seu versos modernos um platonismo camoniano, plasmado em seus versos livres.
Mais do que isso, Bandeira é capaz de atingir a perfeição da poesia, operando materiais diversos que percorrem o absolutamente mundano, cotidiano e vulgar até o inacessível sublime. Desde a simplicidade de um “Café com pão // Café com pão // Café com pão // Virge Maria que foi isso maquinista?(...)” até a sublime delicadeza complexa de um “Quando a morte cerrar meus olhos duros //- Duros de tantos vãos padecimentos, // Que pensarão teus peitos imaturos // Da minha dor de todos os momentos?(...)”.
Acerca deste ideal que permeia a obra de Bandeira, Gilda e Antônio Cândido de Mello e Souza já haviam pensado na introdução ao volume Estrela da Vida Inteira de 1966: “A mão que traça o caminho dos pequenos carvoeiros na poeira da tarde, ou registra as mudanças do pobre Misael pelos bairros do Rio, é a mesma que descreve as piruetas do cavalo branco de Mozart entrando no céu, ou evapora a carne das mulheres em flores e estrelas de um ambiente mágico, embora saturado das paixões da terra. É entre estes dois modos poéticos, ou dois pólos da criação , corre como unificador um Eu que se revela incessantemente quando mostra vida e o mundo, fundindo os opostos como manifestações da sua integridade fundamental.”
Por outro lado, é certo que o modernista Bandeira prima pela capacidade de se expressar sob a égide de qualquer matiz estético, dessa forma o ideal corporifica-se em qualquer meio de expressão. Vale dizer, contudo, que não foi Bandeira que encontrou o modernismo, mas, ao contrário, foram os modernistas (e Mário tem responsabilidade nisto) que , o encontraram. Seu ecletismo formal e temático os tocou. Aqueles que buscavam ruptura, encontraram nele a síntese renovadora e avassaladora necessária à fratura estética.
Assim, ao observamo-lo filiado a certo simbolismo, cuja musicalidade exacerbada salta aos olhos de leitores mais atentos; a um romantismo, que tão bem soube comentar e traduzir; a um radicalismo poético na conformidade de certo modernismo mais visceral; aos experimentos formais característicos da poesia concreta, tão distante de sua formação poética e a uma sexualidade psicanalítica, que o remete a uma impossibilidade da vida real e sensível, podemos dizer que o mundo ideal preconizado concretizara-se em forma e conteúdo.
A esta diversidade de Bandeira, que certamente induz à universalidade ideal, Drummond, belamente, sintetiza:
“(...)Manuel canção de câmara, Manuel
canção de quarto e beco,
ritmo de cama e boca
de homem e mulher colados no arrepio
do eterno transitório: traduziste
para nós a tristeza de possuir e de lembrar,
a de não possuir e de lembrar,
a de passar,
mescla do que foi, do que seria,
simultaneamente projetados
na mesma tela branca de episódios
- em nós, vaga, soprada a cinza,
em ti, o sopro intenso de poesia.(...)”
A “mescla do que foi, do que seria , // simultaneamente projetados// na mesma tela branca de episódios” que Drummond fala é justamente a fusão dos dois pólos da criação de Candido e aquilo a que nos referimos acerca do ideal universal para o qual convergem concepções estéticas diversas e para o qual a diversidade mundana e supra real, consiliadas, reagem sob forma de poesia, que intensamente lírica, atinge a todos, ora pela simplicidade humilde do discurso (a que propala David Arrigucci Jr.) ora pela complexidade ontológica.
Destarte, o simbolismo de Bandeira, facilmente observável em Cinza das Horas (seu livro inaugural - 1917), nasce de uma poesia sujeita a uma técnica extremamente acurada que não visa ao efeito exterior, não se dirige tanto ao sentimento, ao coração, como a regiões menos exploradas da alma, como já alertara Sérgio Buarque. É assim que afirma em “Versos escritos nágua”:
“Os poucos versos que aí vão,
Em lugar de outros é que os ponho.
Tu que me lês, deixo ao teu sonho
Imaginar como serão.”
Indelevelmente ligado a esta tradição, Bandeira afirma em Itinerário de Pasárgada: “compreendi, ainda antes de conhecer Mallarmé, que em literatura a poesia está nas palavras, se faz com palavras e não com idéias e sentimentos, muito embora, bem entendido, seja pela força do sentimento ou pela tensão do espírito que acodem ao poeta as combinações de palavras onde há carga de poesia.”
Da mesma forma, a poesia romântica alemã é tópica em sua poesia. Sua estadia na Europa antes da Primeira Grande Guerra possibilita contato mais direto com o alemão, e assim, pôde conhecer toda a força de Göethe, Hoelderlin, Schiller e tantos outros.
Contudo, a sua afinidade com a poesia moderna, realmente, é seu ponto mais alto. Constrói para si uma poética que deglute, absorve, alimenta-se da tradição e do cânone, conhecidos e trabalhados, para produzir um efeito reorganizador de sua poesia e conseqüentemente de outros que virão, ou melhor da poética moderna. Seu contato prévio com formas alheias de expressão poética lhe possibilitam uma crítica severa às mesmas. Mário de Andrade assim fala de Libertinagem, no qual sua maturidade moderna nos atinge avassaladoramente: “Libertinagem é um livro de cristalização. Não da poesia de Manuel Bandeira, pois que este livro confirma a grandeza dum dos nossos maiores poetas, mas da psicologia dele. É o livro mais indivíduo Manuel Bandeira de quantos o poeta já publicou. Aliás também nunca ele atingiu com tanta nitidez os seus ideais estáticos, como na confissão de agora”.
Mário refer-se-ia ao poema. “Poética”, talvez um dos maiores instrumentos estéticos compostos pelo modernismo brasileiro, antológico em cada um de seus versos. Este poema reflete os ideais de toda uma geração de poetas. Seu último verso é uma bela hipérbole que restringe e, ao mesmo tempo, universaliza a produção poética moderna: “- Não quero mais saber do lirismo que não seja libertação.” Ao mesmo tempo que determina uma redução, ao negar o lirismo, propõe uma sua universalização ideal que é a libertação.
Tal movimento dialético proposto pode ser observado, por exemplo, no dístico “Poema do Beco” de 1933:
“Que importa a paisagem, a glória, a baía, a linha do horizonte?
- O que eu vejo é o beco.”
Ou em “Última Canção do Beco”:
“Beco que cantei num dístico
Cheio de elipses mentais,
Beco das minhas tristezas,
Das minhas perplexidades(...)
Beco que nasceste à sombra
De paredes conventuais, (...)
Adeus para nunca mais!”
O beco tão presente em sua obra corresponde a um universo limitado físico que se contrapõe a universalidade do mundo. Entretanto, esta limitação física é trabalhada de forma a ser transposta e reavaliada universalmente dentro do mundo lírico, eclodindo em libertação. Assim temos que o universo ideal em Bandeira que parece estar restrito por uma simplicidade aparente, por uma pequenez do mundo cogitado, transforma-se no mote aglutinador das expectativas universais.São justamente estas expectativas universais, aparentemente simples de seus poemas que convertem-no, Bandeira, em um poeta da imortalidade e imortal.
FONTE: http://letrasartes.blogspot.com.br/2007_06_08_archive.html