[Original] We Are Young - Capítulo 2 - Parte 1

Capítulo 2 - Cheiro combina ou não combina. É. É. - Parte 1

Quarta-feira, quase 1h00 da manhã e eu serei obrigado a ir até casa da nona por mais uma burrice de Emerson, claro. Quem seria tão animal a ponto de confundir voz de guria com de guri? Eu sabia que deixar as coisas aos cuidados dele daria em merda.

Peguei minha blusa de frio em meu quarto e desci até a sala, onde encontrei meu irmão jogando video-game.

- Vou à casa da nona.

- Agora??

- É, Emerson fez uma cagada master. Quando eu voltar, te conto.

Ele assentiu e eu saí disparado para pegar minha bicicleta e ir ate a casa da nona.

20 minutos depois eu estava entrando com minha magrela na casa de ensaio.

- Não fecha não! – Olhei pra trás e Demétri estava chegando também, parecia tão irritado quanto eu. – Pô, fiquei tenso com a sms do Emerson.

- Eu também. Como alguém confunde voz de guri com guria?

Demétri arregalou os olhos verdes.

- Como é?

- Tu não sabia? – Paramos. Eu franzi o cenho. – Bah...

Finalmente entramos e a cena que eu vi na sala, preferia não ter visto.

Emerson estava dançando Claudinho e Buchecha, quando nos viu, parou abruptamente.

- Porra, que susto! – Revirei os olhos para ele.

- Cadê a guria? – Perguntei.

Ele apontou com a cabeça pra cozinha. Eu respirei fundo, não sei bem como é que se expulsa alguém de um lugar. E como se tivesse ouvido a minha pergunta, a guria apareceu na sala.

- Opa... – Ela murmurou surpresa com as visitas que tinham chegado. – Oi.

Eu não conseguia responder e me senti ridículo por isso. Era óbvio que eu nunca a vi na vida, mas eu parecia conhecê-la de algum lugar. Foi uma sensação bastante incomum. Ela mexeu nos longos cabelos negros visivelmente nervosa.

- Prazer, Demétri. – Ele passou por mim e cumprimentou a guria com um beijo. Ah, eu aposto 20 conto que ele já está afim dela.

- Isabel.

Bah. Nome de mulher metida à heroína.

A primeira impressão que tive dela fora um pouco ruim, há algo nela de errado, como se atrás dessa falsa segurança existisse uma mentira. Não sei... Ninguém em sã consciência viria pro RS mentindo ser homem, mas em contraposto, sua beleza chamara minha atenção. E me deixou realmente desconcertado.

Ela era de uma beleza selvagem, encantadora, mesmo que seu rosto de menina contradissesse tudo. Os olhos eram castanhos, os lábios carnudos e rosados. A roupa (mesmo que inadequada para alguém que veio pra um dos lugares mais frios do Brasil) valorizava as curvas de seu corpo. Ela era mesmo muito bonita.

Ela ficou me olhando, provável que estivesse esperando que eu fizesse o mesmo que meu amigo. Mas eu não iria. É melhor cortar o mal pela raiz.

Com muito esforço, desviei o olhar para Emerson.

- Ela não pode ficar.

- Porra Leite, dá uma chance!! – Emerson pediu. Claro que ele já estava se afeiçoando a ela.

Notei que Isabel estava me encarando, respondi com um olhar bem sério. E querendo ler em seus olhos como alguém consegue mentir, sair de seu estado, vir para outro que não vai se acostumar e ainda ter a frustração de ter que voltar sem nem ter tentado.

- Não. E vocês sabem o por que.

- Acho que vamos ter que superar isso alguma hora. – Demétri disse, e eu senti um leve tom de defesa por Isabel em sua voz.

Bom saber que meus amigos estão contra mim.

- Eu não confio em mulher.

Isabel riu de modo espontâneo. Nós três a olhamos.

- Ele não confia em mulher por quê? É gay? – Ela não perguntou olhando para mim, e sim para Emerson, que fez um sinal desesperado para a guria se calar.

Eu ri, não pelo maravilhoso senso de humor dela, mas sim pela situação, que já estava muito ridícula e tendia a piorar.

- Não, eu não sou gay, mas se eu fosse tu ainda não faria o teste. – Murmurei, friamente. Sorri de canto para ela, que suspirou, parecendo estar se irritando.

- Isso é preconceito cara!!

- Oh, tu acha mesmo? – Perguntei num alto tom de deboche. – Poxa, sinto muito.

- Só uma chance!

- Não.

Ela se aproximou de mim lentamente e sem perder o contato visual. Aquilo começava a mexer comigo.

- Por favor!!! – Estávamos a uma distância que era possível eu sentir o cheiro dela. E eu gostaria mesmo que ela não tivesse feito isso.

- Leite, vamos tentar pelo menos...

Olhei para Emerson e Demétri, o primeiro, estava afeiçoado a guria que conhecera há algumas horas e o segundo deve ta querendo tirar uma casquinha dela. É, não terei apoio. E quando não pode contra, junte-se a eles.

- Cadê a sua guitarra? – Perguntei de repente. Ela engoliu seco antes de responder.

- Eu usava uma guitarra emprestada, a minha quebrou. – Não senti firmeza em suas palavras. Isabel tinha ficado nervosa demais com a minha pergunta.

Não quero ser paranoico, mas estou cada vez mais certo de que ela mente em algo.

- Vamos conversar. – Eu disse a ela e apontei para o escritório montado por mim e pelos moleques. – Vocês não, capaz que passem a mão na cabeça dela e a agradeçam por ter mentido.

Os dois ficaram na sala e nós seguimos para os fundos onde ficava o escritório.

- Você tem quantos anos? – Ela perguntou ao entrarmos.

- 20 e você?

- Ah... 19.

Apontei para a cadeira e ela sentou.

- Eu não devia deixar tu ficar. – Eu disse logo de cara. Isabel baixou o olhar, triste. Ela é meio chantagista, só acho. – Mas, como essa banda não é só minha e as decisões nós tomamos em conjunto, eu te darei a chance de tentar.

- Sério?– Ela estava se segurando para não comemorar.

- É. – Respondi, amargurado. - eu acho que vou me arrepender disso, mas tudo bem.

- Eu prometo que não. – Disse, sorrindo meigamente.

- Não prometa o que talvez não possa cumprir. – Estudei seu olhar, ela sabia ocultar suas reações. Seus olhos brilharam e eu senti um desejo repentino de tocá-la.

- Se eu cheguei aqui, cheguei pra ficar. – Declarou firme e determinada.

Determinação. É, eu admiro isso nas pessoas.

Isabel Longhi

Ele tinha que ser mais bonito que os outros dois? Logo esse aí que não fora com a minha cara?? E não era apenas a beleza que havia me atraído. O jeito misterioso e até meio frio haviam acendido em mim um desejo de conhecê-lo melhor.

E claro, eu tinha que ter feito piada sobre ele, claro que eu tinha que estragar tudo.

Quando voltamos pra sala, Emerson e Demétri (se um dia me dissessem que eu viria pro RS e conheceria três gaúchos lindos eu ia rir e falar que estavam me zoando) me esperavam, ansiosos.

- E aí??? – Perguntou Demétri. Ele lembrava demais ao Erik Marmo na novela 7 pecados, os mesmos cabelos cheio de cachinhos, pele branca, sorriso lindo, só que de olhos verdes. Os três tem a mesma idade, 20 anos.

- Ela vai fazer o teste. – Respondeu Lennon, indiferente. Ele não gosta de mim e isso me incomoda. – Podem comemorar.

E não é que os dois me abraçaram pra comemorar mesmo?

Vi Lennon soltar um sorriso e estranhei. Ele esta sorrindo de mim ou dos meninos?

- Tu tens onde ficar? – Perguntou Emerson.

Ah, claro. Nem me lembrei disso.

- Hã... – Eu não sabia o que responder, e Lennon me observando atento (claro que ele desconfia de mim e tem motivo) demais, não estavam ajudando.

- Ela pode ficar lá em casa! – Quase abracei Demétri por me ajudar, mas o metido a certinho tinha que quebrar as minhas pernas.

- Como tu vai explicar a sua mãe sobre ela? – Os dois se olharam. – Bom, eu acho que a dona Cíntia não vai aceitar isso.

Não é por nada não, mas eu to me sentindo um objeto de leilão.

- Eu chamaria tu pra morar lá em casa, Bel... – Emerson veio até mim e pôs a mão em meu ombro. – Mas eu namoro e minha namorada é um tanto ciumenta.

- Porque não posso ficar aqui?

- É uma casa de ensaio, só dormíamos aqui quando precisávamos varar a noite ensaiando. É tipo uma regra, pra não virar bagunça. – Explicou Demétri, gentilmente.

Só resta o...

- Tu pode ficar lá em casa, moro com meu irmão de 15 anos, a casa é espaçosa e tem um quarto bacana. – Lennon não parecia feliz em ter que me oferecer um lar, mas sentiu o peso do olhar dos amigos sob ele. E eu não sabia se daria certo nós dois vivendo debaixo do mesmo teto.

- Tem certeza? – Eu perguntei, ele deu de ombros.

- Acho que você não tem mais ninguém aqui no Sul, certo? Porque se tiver, pra mim tanto faz. – Disse e apesar de sua grosseria, eu o aceitei.

- Eu vou pra sua casa.

É, eu nasci virada pra lua ou a sorte esta a meu favor.

Combinei com os três que ficaria na casa da Nona pra ensaiar para o teste de amanhã. Eu não precisava ler a mente de Lennon pra saber que ele facilitaria comigo por eu ser mulher e ter a defesa de seus dois amigos e companheiros de banda.

Demétri se ofereceu pra me ajudar e eu aceitei, ignorando o sorrisinho cheio de maldade do Emerson.

- Amanhã nós viremos pra cá antes de irmos pra loja do Zete. – Avisou Lennon. Demétri assentiu. – Daí... Dependendo do resultado, Lucas levará a guria lá pra casa.

Meu Deus, to pra ver sotaque mais estranho e sexy do que o desses meninos.

- Beleza.

- Tchau, Belzinha!! – Emerson me deu um abraço bem apertado. – Boa sorte!

- Obrigada, Emerson. – Sorri, agradecida por ele ter gostado de mim, acho que se não fosse o seu bom coração, nem nessa casa eu teria conseguido entrar.

- Até amanhã, Isabel. – Lennon disse, já perto da porta. Ele evitava qualquer tipo de contato físico comigo.

Ele consegue me frustrar.

(...)

Demétri além de lindo, era inteligente, engraçado e o tipo de pessoa com que você poderia passar horas e horas conversando sem se cansar. Assim como Emerson, acabei me afeiçoando rapidamente a ele. E acho que é reciproco.

Nós começamos a ensaiar às 1h30, eu ralei um pouco no começo, mas depois de três unhas quebradas, finalmente consegui tocar a guitarra com louvor e meu expectador estava me aprovando, o que era muito benéfico a mim no momento.

Ele assoviou e bateu palmas.

– Daí sim!!!!

- To nervosa. – Assumi, tirando a guitarra e a encostando na parede. A sala de ensaio era ainda mais maneira que a casa inteira.

- Bah, Lennon te pôs um terror? Relaxa, ele é tipo cão que ladra, mas nem morde.

- Porque ele não confia em mulher?

A expressão de Demétri ficou um tanto vazia com a minha pergunta, o corpo endureceu, o olhar ficou distante.

- É uma longa história... – Respondeu simplesmente.

- E pelo jeito não foi superada, não é?

- Sim, isso mesmo.

Eu resolvi não insistir com esse assunto.

Conversamos sobre diversas coisas, Demétri fez lanche, depois eu fiz brigadeiro, ele elogiou meu modo de tocar e eu pedi para conhecer alguns lugares legais do Sul. É claro que ele ficou empolgadíssimo com isso.

- Vai ser uma honra!

- Ah, pare disso, fico constrangida.

- Não fique. – Disse todo fofo. Nós estávamos sentados no chão com algumas almofadas de apoio. Ele tocou meu rosto com carinho. – Simpatizei contigo.

- Eu também simpatizei com você. – E claro que entre nós estava rolando aquele climão, e por segurança eu já tinha olhado o dedo dele procurando aliança, e nada. Ótimo. – Costuma ser assim galante com todas as paulistas que já conheceu? – Perguntei, meio que cortando o clima e o provocando. É sempre bom provocar.

- Bah. Sou gentil com pessoas de todo estado, beleza?? – Eu revirei os olhos, desdenhando. – Mas tenho um carinho especial por paulistas, aliás, PELAS paulistas.

Eu ri.

- Já namorou alguma paulista? – Eu perguntei e me arrependi, parecia que eu estava me oferecendo pra ele.

- Namorei não, mas já fiquei com algumas turistas... Sabe como é né? “Ah, deixa que eu te apresento as belezas do RS”, as paulistas piram.

- Uma das belezas que elas piram, por exemplo, é a sua. – Não foi uma cantada decente, mas ele sorrira, então me dei bem.

- Nunca fui trovado por uma guria. – Demétri estava sem graça.

- Trovado?

- É gíria daqui, o mesmo que dar em cima, paquerar. – Eu balancei a cabeça assentindo e adicionando essa gíria ao meu dicionário. - Mas tu pirou na minha beleza?

Balancei a cabeça sinalizando um sim. A mão dele veio na direção do meu pescoço e ele me puxou gentilmente.

- É o que me importa no momento. – Sussurrou, com os lábios bem próximos dos meus. Fechei os olhos e mordi o lábio inferior de leve, eu estava ansiosa.

Um trimmmmmm fora de hora nos tirou daquele momento que tinha tudo pra ser maravilhoso.

- Acho que é o seu celular. – Disse ele, chateado.

Tirei o celular do bolso da calça bem rapidinho e vi que tinha uma mensagem de Rafaela no visor.

Demétri me deu um beijo demorado na testa e saiu da sala de ensaio.

Respirei fundo e respondi a mensagem dela.

“Amiga!

Sua mãe esta tipo louca da vida, ligou aqui em casa, ligou na casa de Iasmin perguntando onde você estava, Max ainda estava tentando acalma-la, o que eu achei bem estranho. Ta tudo bem ai Bel?”

“Oi Rafa,

Aé?? KKKKKKKKKKKKKKKKKKKK por favor né, to pouco me lixando, deixei a carta lá pra ela, se um dia eu me sentir com vontade, ligarei em casa. Ah sim amiga, Max me deu dinheiro pra eu vir pro Sul, por isso que ele deve ta tentando fazer com que Renata se esqueça disso. Você me pergunta se esta tudo bem??? Gata!! Eu to ótima, consegui um teste pra uma banda, e se vc ver os ‘guris’ ce vai pirar viu minha filha??? Tenho que te contar mais coisa, só que por telefone, vamos combinar de eu ligar na Iasmin ta? Teeeeeeeeeee amo s2”

Apertei pra enviar a mensagem e depois apaguei todas da caixa, é melhor ninguém saber que eu inventei algumas mentirinhas e omitir outras coisinhas para conseguir viajar.

Estava quase amanhecendo quando Demétri e eu dormimos no sofá, eu deitada por cima dele e meus cabelos cobrindo seu rosto. O cheiro dele era meio de neném com de homem. Dava vontade de ficar o dia inteiro abraçada com ele.

Eu sei, não era certo nós estarmos assim, mas tudo aconteceu de maneira repentina, arrisco-me a dizer, fácil.

- Merda. – O ouvi xingar baixinho, mas não consegui abrir os olhos pra olha-lo.

- O que foi? – Perguntei a voz grog de quem acabara de acordar.

- Preciso ir trabalhar.

- Não...

- Por quê?

- Porque aqui tem carinho, um sofá gostoso pra dormir e comida.

Demétri riu e sentou-se, comigo ainda em seu colo.

- Oferta tentadora.

Me joguei pro lado e deitei um pouco mais. Prefiro nem me levantar agora, quando eu for olhar no espelho vou estar tipo, um caco.

- Acho que os guris vão vir pra cá daqui a pouco. – De pé, Demétri se espreguiçou.

- Vocês entram no serviço que horas?

- Eu e o Emerson entramos às 8h00, Leite entra 12h00.

Um friozinho passou pela minha barriga ao ouvir aquele apelido.

- Tá cedo, deve ter amanhecido agora Demétri.

- É, tá cedo, mas tu precisa tomar banho, comer e se preparar para o teste.

Gemi baixinho e me afundei no sofá.

De repente o celular de Demétri tocou e ele atendeu prontamente, era o Lennon, pra aumentar meu pânico interior.

Com muito esforço eu saí do sofá e procurei meio as cegas o banheiro para enfrentar o terror que é olhar o espelho quando eu acordo.

- Puta merda. – Meu cabelo estava todo bagunçado, minha cara completamente amassada. – Preciso tomar banho.

Voltei pra sala, procurei minha mochila e depois voltei para o banheiro.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 21/11/2012
Reeditado em 30/08/2014
Código do texto: T3997605
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