Telshine - Parte 10

–Liza?! O que aconteceu? – Karina perguntou quando se ajoelhou junto da garota.

Ela tem cabelos negros e olhos castanhos, usa óculos e tem aparência frágil. Ela estava visivelmente abalada e lágrimas molhavam sua face rosada.

–Nã-não pode ser… é su-surreal – ela soluçava de nervosismo.

–Por favor, Liza, fica calma e me conta o que aconteceu – Karina insistiu.

–Um… um ho-homenzinho… e-eu tinha acabado de subir as escadas… e ele a-apareceu do nada – ela tentava se fazer entender ente os soluços.

–O que ele fez? – Karina não conseguia entender a amiga. Alex e Albert se olhavam sem saber o que acontecia. Agora outros alunos estavam chegando para ver o que havia ocorrido.

–E-ele olhou pra mim e… – Liza olhou para Karina – eu s-senti como se me empurrassem e… e quando vi, eu estava sendo… sendo jogada contra a parede… eu não sei… é como se… como se ele tivesse feito aquilo, mas… mas é impossível…

–Deus do céu, mas você está bem? Você se machucou? – Karina parou – Você viu mais alguma coisa? Como ele era ou pra onde ele foi?

–Ele… ele desceu as escadas – Liza suspirou – e ele estava carregando um caderno ou livro.

Os três amigos se olharam, Karina fez sinal para os dois e eles começaram a correr escada abaixo, enquanto ela abraçou Liza.

–Podem continuar o que estavam fazendo – ela fez sinal para os outros alunos – ela só virou o pé.

Eles deram mais uma olhada na garota e voltaram para seus quartos, alguns resmungando, outros nem tanto.

–Você consegue se levantar? – ela se virou agora para Liza e essa fez que sim com a cabeça – Tudo bem, pode se acalmar agora, eu vou te levar pra enfermaria.

Enquanto isso Alex e Albert desciam as escadas correndo, sem saber direito quem procuravam. Foi apenas quando chegaram ao pé da escada no térreo que conseguiram ver seu fugitivo. Ele virou no corredor principal no instante em que os dois desciam os degraus, mas eles conseguiram ver o que parecia ser um homem de proporções normais, mas que dava na altura dos joelhos.

Eles se olharam espantados e correram. Quando viraram o corredor principal, enfim conseguiram ver quem eles perseguiam nitidamente.

Há uns cem metros deles, já quase no corredor que dá na saída, estava agora parado olhando para eles, um homem de no máximo 60 cm de altura. Sua aparência lembrava a de um velho pescador, a não ser por suas orelhas, pontudas como as de um lince. Estava vestido com uma calça e camisa de um verde escuro e desbotado e um colete escarlate no mesmo estado. Sua cabeça tinha apenas um pouco de cabelo ruivo no topo e um pequeno tufo que saía de cada orelha. Sua pele era enrugada e um pouco machada, como a de um velho. Seus olhos eram cinzentos e seu rosto tinha uma expressão de malícia. Embaixo do braço ele segurava, com um pouco de dificuldade, um diário, que dava metade do seu tamanho, com a capa escura e as iniciais J.M.T. nela.

Eles se encararam por alguns segundos e, de repente, com uma velocidade incrível para seu tamanho, o homenzinho correu na direção da saída. No mesmo instante Albert e Alex o seguiram, agora mais motivados do que antes.

–Era só essa que faltava – Alex reclamou sério, quando entravam no corredor da saída.

Os dois correram e saíram do prédio e, depois de procurarem rapidamente, viram o homenzinho correndo pela esquerda, com a clara intenção de dar a volta no edifício da universidade.

–Droga – Albert falou ao amigo, um pouco ofegante, enquanto corriam – Ele vai pra floresta! Se ele chegar lá, nós não vamos conseguir pegar ele.

Alex concordou e eles apertaram o passo. Aos poucos eles começaram a ganhar proximidade. O homenzinho virou para a esquerda quando o prédio acabou. Logo eles também o fizeram e puderam ver o destino do fugitivo, a floresta.

Logo atrás do campus, entre esse e a montanha, há uma faixa de, pelo menos, 500 metros de uma floresta que já cobriu toda a Telshine. As árvores são muito próximas umas das outras e ,se o homenzinho a alcançasse, teria muitos lugares para se esconder por entre os troncos e galhos sombrios daquela noite sem lua.

O homenzinho corria rápido, mas olhou para trás e começou a ficar nervoso. Alex e Albert ganharam vantagem, mas a floresta estava muito perto. 40 metros. 30 metros. 20 metros. A floresta estava realmente perto, mas o peso a mais impedia o homenzinho de correr mais.

10 metros. 5 metros. O pequeno ser conseguiu chegar ao limite da floresta, mas algo o impediu de continuar. Alex o segurou pelo colete. Ele olhou para trás e encarou seus perseguidores, frustrado. Ele largou o diário no chão e Alex o ergueu pelo colete, o que o irritou.

–Pode começar a falar – Alex começou a interrogá-lo – Quem ou o que é você? E por que quer o diário? É bom ir falando, porque eu não vou te soltar até você abrir o bico.

O homenzinho o encarou com seus olhos cinzentos e sorriu, então deu uma gargalhada alta e estridente e, como num sopro de vento, desapareceu no ar.

–Me diz que você também viu isso – Alex disse, baixando a mão agora vazia.

–Sim, eu vi – Albert apanhou o diário do chão – Não sei o que foi isso, mas eu vi. Vamos voltar.

***

–Um leprechaun – disse Karina, enquanto os amigos arrumavam o quarto.

–Um lebre-o-que? – Alex se virou para ela.

–Um leprechaun! – ela reforçou – Um duende irlandês.

–Você quer que eu acredite em duendes agora? – ele continuou a arrumar as gavetas.

–Ei! Foi você que disse que ele desapareceu na tua mão – ela o lembrou – se tem alguém que tem o direito de ser cética aqui, sou eu.

Alex olhou pra ela e balançou a cabeça, voltando sua atenção à organização. Albert, que até ali só estava ouvindo, resolveu falar:

–Mas, como tem tanta certeza que é mesmo um leprechaun?

–Bom, eu fiquei praticamente o dia todo lendo sobre mitologia europeia. Pela descrição que vocês fizeram eu não tenho a menor dúvida. Mas, mesmo assim, algumas coisas me vieram à cabeça. Primeiro, se duendes irlandeses existem, o que parece ser verdade, o que um deles faz aqui?

–Isso é o de menos – Albert não teve interesse no comentário.

–Você está certo, se pensar em outras duas coisas. Por que ele queria o diário do teu avô e por que não fugiu com ele?

–Ele estava fugindo – Albert respondeu.

–Você não entendeu – ela sentou na cama – Se ele pode sumir quando o Alex o pegou, por que não sumiu enquanto tinha diário com ele?

–Caramba, só você mesmo pra perceber todos os detalhes da coisa – Alex se virou mais uma vez para a amiga, logo voltando a ajeitar uma gaveta.

–É verdade – Albert concordou com o outro – Eu não tenho a menor ideia dos motivos dele, ou daquilo, mas estou muito feliz de ele não ter desaparecido – ele sorriu para a garota e ela retribuiu.

Alex de repente parou o que estava fazendo e se virou para eles. Eles olharam assustados para a reação do amigo e ele falou:

–Me façam um imenso favor, pode ser?

–O quê? – eles perguntaram juntos.

–Vamos ler esse maldito diário de uma vez, porque essa história de deixa pra depois não está dando muito certo.

Karina e Albert se olharam e riram, então balançaram a cabeça concordando:

–Dessa vez eu tenho que concordar – disse Karina – Do jeito que as coisas andam, é melhor nós começarmos a ler ele antes que um fomori apareça atrás dele também.

Antes que Alex pudesse perguntar com uma cara estranha o que era aquilo, Karina fez um sinal para ele, e o amigo desistiu, frustrado.

–Tudo bem – Albert apanhou o diário, que estava na escrivaninha, bem à vista, e sentou-se na cama, ao lado de Karina, com Alex sentando do seu lado.

Quando estavam todos acomodados, Albert abriu o diário. A primeira página dizia: "Este diário pertence a John Michael Travelly". Albert virou a página e a próxima estava em branco. Virou mais uma e o mesmo. Ele estranhou e resolveu folhear o caderno. Não havia uma página sequer escrita, nem mesmo uma palavra. Olhou uma, duas, três vezes e nada. Somente na quarta vez ele notou. Na parte interna da contracapa, havia algo escrito e Albert reconheceu a letra do avô. Em uma caligrafia impecável lia-se: "Quando os filhos de Dana deixarem sua essência vital tocar essas limpas páginas, apenas então se permitiram saber ao qual caminho devem seguir. Se assim fizerem é porque já conhecem sua casa."

–Não acredito – Alex se levantou, desanimado – que persegui um duende por metade do campus por causa disso.

–A culpa é minha – Karina se desesperou, enquanto Albert continuava quieto – Eu só olhei a primeira página e pensei que o resto estava intacto. Eu não acredito que deixei…

–Ei, ei, ei – Albert chamou a atenção dela segurando seu braço – Calma. Pode não ser muito, mas já é algo. E, além disso, o duende estava atrás disso e ele sabia o que procurava. Só precisamos descobrir o que significa.

–Então já temos um começo – ela se acalmou e explicou – Ali diz "os filhos de Dana", Dana era uma deusa matriarca dos celtas da Irlanda. Os filhos de Dana eram um povo mágico, divindades e humanos descendentes deles, deuses e semideuses que viviam juntos. Com a chegada dos cristãos à Irlanda, os deuses se retiraram ao Mag Meld e os semideuses esconderam sua real origem e passaram a viver como humanos normais. Eles tiveram de aderir às práticas cristãs para se protegerem, mas sempre preservando suas origens em segredo. Com o passar dos tempos, acabaram por esquecer suas origens, ou, pelo menos, assim se acredita. Segundo o que se conta, as famílias irlandesas mais tradicionais são descendentes de Dana e dos outros deuses.

–Acho que já é um ótimo começo – Albert riu de leve – Só precisamos entender o resto.

Alex balançou a cabeça de leve em afirmação e deu um sorriso. Albert ficou quieto pensando e os três continuaram assim calados por um tempo até Karina quebrar o silêncio novamente:

–Como vocês dizem que só eu consigo perceber certos detalhes, vejam se concordam comigo – os dois a olharam interessados – Nós começamos a tentar descobrir algo sobre a caverna e logo em seguida já apareceu essa história da Tríade e agora as duas coisas estão virando uma só. Quero dizer, os dois casos estão caminhando pra mesma direção, qualquer que seja ela.

–Pensando bem, é verdade – Alex concordou – Coincidência, não é?

–Acho que não – Albert disse – Quem nos mandou até a caverna foi um membro da Tríade.

–Espera aí – Karina tentou entender o amigo – Você está querendo dizer que eles querem que a gente descubra o que quer que seja isso?

Albert deu de ombros.

–Eu estava pensando – Alex falou agora – Já que as duas coisas agora são uma – ele sorriu – quer dizer que não precisamos voltar à caverna.

–Errado – Albert o desanimou – Agora sim é que precisamos voltar lá. Mas se você quiser não precisa vir, eu e a Karina nos viramos.

–Sem essa, eu posso ser covarde, mas – ele inflou o peito para falar – não deixo meus amigos na mão.

Então suspirou e baixou a cabeça resmungando e Karina riu. Ele voltou a arrumar o quarto até que juntou um pôster do chão:

–Cara – ele disse furioso – na próxima vez que eu ver aquele duende eu enforco ele – ele mostrou o pôster para os amigos – Ninguém mexe com o Led Zeppelin.

***

Felipe Eduardo Marques dos Anjos
Enviado por Felipe Eduardo Marques dos Anjos em 21/11/2012
Código do texto: T3997428
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