Telshine - Parte 9
–Karina! – Julia tentou acordá-la calmamente, mas, como boa amiga, partiu logo para um método mais turbulento – Levanta, garota!
Karina deu um pulo e despertou quase que instantaneamente ao empurrão que Julia lhe deu.
–O que aconteceu? – Karina perguntou confusa, passando a mão no rosto.
–A curiosidade pode matar o gato, mas a gata ela põe pra dormir – riu a bibliotecária.
–Faz muito tempo que eu estou dormindo? – Karina começou a fechar os livros.
–Isso eu não sei…
–Que horas são agora?
–São seis da tarde. É por isso que eu vim te chamar, já está na hora de fechar.
–Ah, tudo bem. Julia, eu posso te pedir um favor?
–Hmmm, peça.
–Eu posso levar esse livro emprestado – ela pegou um pequeno e simples de cima da mesa.
–Karina, você sabe que esse é da seção reservada – Julia cruzou os braços.
–Eu prometo que vou cuidar e eu te entrego ele amanhã bem cedinho, por favor.
–Vai logo. Antes que eu mude de idéia. A tua bolsa está em cima do balcão.
Karina apanhou o livro, beijou o rosto de Julia e desceu apressada a escadaria. Pegou sua e bolsa e quando estava saindo, Julia falou alto, do parapeito do primeiro andar:
–Amanhã bem cedinho.
–Pode deixar.
Em seguida a garota saiu à procura dos amigos. Foi direto ao quarto deles, ver se estavam lá, mas nem sinal deles. Resolveu ligar para Albert, mas assim que pegou seu celular, viu que havia uma mensagem do amigo:
Estamos na lanchonete. Vamos ficar te esperando.
Seguiu para lá, com pressa. No meio do caminho ela prendeu o cabelo em um coque, pois o cochilo na biblioteca o deixou um tanto espalhado.
O sol começava a se por atrás do Alaz, quando Karina chegou à porta da lanchonete. Encontrou os amigos em uma mesa mais ao fundo, como de costume, e foi ao encontro deles.
–Olá meninos – Karina sentou-se ao lado de Albert, Alex estava de frente para eles –, desculpem o atraso.
–Que nada, nós chegamos agora a pouco – respondeu Albert – Você vai pedir alguma coisa?
–Ah, sim – ela concordou e ele chamou a garçonete – E aí, alguma novidade?
–Se uma longa tarde de aulas chatas é novidade – Alex respondeu – O Albert me contou sobre o que você descobriu.
–Querem alguma coisa? – perguntou uma garçonete ruiva jovem que havia chegado à mesa deles.
–Eu quero um expresso e waffles – respondeu Karina.
–Tudo bem, eu já trago seu pedido – ela se dirigiu ao balcão em seguida.
–Isso é bom – Karina continuou com Alex –, porque eu descobri mais algumas coisas.
–Sinta-se à vontade para começar a contar – empolgou-se Albert.
–Eu acho que descobri qual era a teoria que trouxe Emile, Julian e Carl para cá – Karina retirou o livro de sua bolsa e começou a folheá-lo.
–Sério?! Assim tão rápido? – Alex se surpreendeu.
–Acredito que sim – ela parou em uma página –, ouçam isso: "… um documento explícito e extenso chamado Ciclo do Mais Além, conjunto de tradições celtas tardias, referidas exclusivamente à Irlanda. Alguns deuses abandonaram o solo da ilha e se retiraram a um país chamado Mag Meld, além dos mares do Ocidente. Ali os minutos são séculos e as pessoas não envelhecem, por isso é chamado de Tir nan Og, ou Terra da Juventude. Os prados estão cobertos pelas flores de uma eterna primavera e o caudal dos rios está formado por doce hidromel. É uma região subterrânea governada por uma divindade benéfica, onde o morto leva uma existência agradável…".
Ela tirou os olhos do livro e olhou para os dois amigos, enquanto eles a encaravam.
–Você está querendo dizer que a teoria deles era a de que Telshine era um refúgio para deuses e pessoas mortas? – Albert olhou cético para ela – E você quer que a gente acredite nisso?
–Deixa de ser chato, Albert – Karina o reprimiu – Parece que você não ouviu nada do que eu falei.
–Ela está certa – Alex falou dessa vez –, faz total sentido. Eles estudavam os celtas, não é? E procuravam por um lugar aqui na América, que tivesse muitas cavernas. Esse lugar, esse…
–Mag Meld – Karina o ajudou.
–Esse Mag Meld fica além dos mares do Ocidente, o que quer dizer que só pode ser na América, e é subterrâneo, o que, acho eu, quer dizer que precisa ter algumas cavernas pra se chegar lá. Telshine é um lugar na América que tem um monte de cavernas, encaixa perfeitamente.
Karina e Albert ficaram olhando espantados para ele enquanto ele falava e permaneceram assim depois que ele terminou.
–O que foi? – ele perguntou aos dois – Tem alguma sujeira no meu rosto – ele começou a passar a mão no rosto.
–Não – Karina falou, então se curvou por sobre a mesa e tocou a testa de Alex com as costas da mão – Você está bem?
–Acho que sim – ele disse surpreso – Por quê? Tem algo de errado?
–Tem sim – ela continuou –, você não disse nenhuma besteira, tudo o que você falou está certo – ela caiu na gargalhada junto com Albert. Até mesmo Alex riu, por ter caído no teatro da amiga.
–Caramba, vocês não me perdoam mesmo – ele disse e tomou um gole de seu refrigerante – Muito obrigado pela consideração.
–Desculpa – Karina riu mais um pouco –, mas, brincadeiras à parte, tudo o que você falou está certo, independente do que nós acreditamos, parece que era isso o que eles acreditavam.
–Aqui está o seu pedido – a garçonete serviu Karina e se retirou.
–Obrigada. Alguma coisa os fez acreditarem fielmente nisso, do contrário, eles não teriam atravessado meio mundo em pleno século XIX.
–Mas o que poderia ser isso? – Albert intrigou-se.
–Talvez nós nunca saibamos – ela falou.
–E por que você acha isso? – Alex perguntou.
–Até onde sabemos – ela continuou – as únicas pessoas a acreditarem nessa teoria e seguirem ela a fundo foram os três, o que quer dizer que o que os fez acreditar de verdade no que eles já desconfiavam, foi encontrado só por eles.
–Então chegamos num beco sem saída – Albert bebericou o seu café.
–Na verdade não – ela retomou a esperança – ainda temos outros dois caminhos. A minha entrevista com a doutora Loren e o diário do seu avô.
–Bem lembrado – Albert bebeu o resto de seu café –, você pode terminar de comer e então vamos ler ele.
–Nós podemos ler agora – ela falou.
–Eu deixei ele no dormitório, é mais seguro.
–Tudo bem – ela se virou para Alex – Alguma notícia da Pauline?
–Não, parece que o estado dela é o mesmo – ele baixou o olhar.
–O que realmente aconteceu? – Karina quis saber – Se isso não te incomodar.
–Não, sem problemas – Alex voltou a olhar para a amiga – Ela e a mãe dela, a Anne, estavam voltando da cidade de Corbout, fica à uma hora daqui, vocês sabem. Ela tinha ido ver um trabalho. Parece que na volta, na estrada entre Telshine e Corbout, a Anne perdeu o controle do carro e elas capotaram.
–Mas o que fez ela perder o controle – perguntou Albert – Não estava chovendo na região e, que eu saiba, aquela estrada não é muito movimentada.
–Pois é, a Anne disse que se assustou com um animal que atravessou a frente do carro.
–Isso é realmente comum naquela área, por causa da floresta – Karina justificou.
Alex concordou com a cabeça. Eles terminaram de comer, pagaram a conta e saíram da lanchonete. Aquela sexta-feira de outubro começava a esfriar quando eles resolveram ir embora.
–Que dia é hoje? – Alex perguntou enquanto caminhavam.
–Dia 26 – disse Albert.
–quarta-feira que vem já é Halloween – Alex continuou, tranqüilo – Esse ano passou tão rápido.
–Ainda bem que você lembrou – Karina falou – Fiquei de ajudar na preparação da festa esse ano.
–E mais isso – Albert a indagou – Você não acha que já está fazendo coisas demais?
–Eu não consigo é ficar parada – ela riu – Vocês vão me ajudar, não é?
–Como se tivéssemos escolha – Alex brincou.
–Isso não é verdade, eu nunca obrigo vocês a fazer nada – ela riu, quando chegaram ao campus.
Os três seguiram conversando, direto para o quarto de Alex e Albert. Subiram as escadas até o terceiro andar e andaram até o quarto deles. Foi quando estavam há uns dois metros da porta do quarto, que perceberam que ela estava entreaberta. Albert foi à frente e abriu a porta para ver se havia algo de errado.
O quarto estava um caos total. Havia coisas espalhadas por todos os lados. As roupas e cobertores estavam jogados pelos cantos, as gavetas dos móveis estavam de qualquer jeito no chão, com as coisas todas bagunçadas. Tudo o que havia para ser remexido no quarto, o havia sido.
Albert começou a revirar tudo com apenas uma coisa em mente. Virou os cobertores, mexeu nas gavetas e nada.
–Que merda aconteceu aqui?! – Alex se irritou – Aqueles imbecis…
–Levaram – Albert por fim falou.
–Levaram o que? – perguntou Karina, que olhava assustada.
–O diário, levaram o diário do meu avô.
–Hã, como assim…? Tem certeza – ela olhou para ele.
–Certeza absoluta – ele se sentou na cama.
–Aqueles idiotas da Tríade – Alex estava furioso.
–Como tem tanta certeza que foram eles – Karina o indagou.
–E quem mais? – ele andava de um lado para o outro, nervoso – O diário estava numa arca que eles haviam escondido. Eles devem ter descoberto que estava com a gente e tentaram recuperá-lo. Aliás, tentaram e conseguiram.
–E você acha que eles fariam essa bagunça? – Karina apontou para o quarto.
–E por que não? Eles sabem que nós não podemos fazer nada contra eles, quem iria acreditar?
Karina não podia mais argumentar, sentou-se ao lado de Albert, que estava de cabeça erguida, olhando pro nada, e pegou sua, para acalmá-lo.
Mal ela sentou, levantou novamente por causa de um grito desesperado que veio do corredor. Alex, que continuava andando de um lado pro outro dentro do quarto, parou, olhou para a porta do quarto e correu para fora. Karina e Albert se colocaram em pé e o seguiram. Saíram no corredor e olharam na direção das escadas, de onde veio o grito. Logo perto da escada havia uma garota encolhida encostada de costas para a parede. Eles correram até ela com Alex sempre à frente.