[Original] We Are Young - Capítulo 1 - Parte 2
Capítulo 1 - Parte 2
Lennon M. Dias
Depois de finalizar uma ligação com Bruna, minha noiva, eu tive a velha sensação de estar fazendo as coisas no automático. Sem a mínima vontade, apenas por fazer porque parecia mais conveniente ao momento. O que no caso, é o noivado com ela.
Há quem eu quero enganar com tudo isso? Eu não a amo, nunca amei, mas a deixo “comandar” essa relação à quase 2 anos. Depois de Verônica eu não consegui ter um relacionamento onde eu pudesse sentir de verdade. Claro que tive uns rolos, conheci muitas garotas, mas era coisa de uma noite, após isso eu não conseguia nem lembrar o nome delas. Pra mim ficar com Bruna era como estar pagando o grande favor que a família dela me fizera no passado, quando perdi a minha mãe. Até ai tudo bem, mas será que já não fui longe demais?
Com essa confusão mental eu entrei em minha casa e o velho vazio tomou conta de mim. Sem minha mãe e seus gritos histéricos atrás de mim e do meu irmão mais novo, a casa se tornou até um pouco deprimente.
- Cheguei. – Lucas entrou na cozinha e como sempre, deixou sua mochila em cima da mesa. – O que tu fez pra comer?
- Hoje não deu pra fazer nada, eu te dei dinheiro!! Vai comprar algo pra comer. Já já eu vou pra lanchonete.
- Ah, então vou contigo... Estou com fome. A diretora me segurou na sala ate metade do intervalo, quando fui comer, tinha acabado a merenda.
Revirei os olhos para ele. Nesse mês fui à escola de Lucas (eu também estudei lá, o que é pior ainda, tendo em visto que a diretora me conhece bem, faz apenas 4 anos que me formei com muito empurrão da diretoria) três vezes por seu mal comportamento.
- O que tu fez? – Perguntei.
- A pergunta certa é: “o que tu não fez”.
- Bah, vou te falar nada, vamos embora, preciso trabalhar.
(...)
No caminho pra lanchonete eu fui contando ao Lucas sobre os novos planos pra banda, mesmo que talvez não ficássemos famosos, seria uma boa experiência para todos nós. Ele achou a ideia ótima, claro. Comigo ocupado ele faz a festa.
- Agora que eu lembrei! Eu tava no facebook esses dias e vi algo sobre um concurso pra banda de rock que nem vocês, que são iniciante e tal. Vou pesquisar melhor e te falo.
- Beleza. Depois me fala. – Chegamos à lanchonete, que como sempre estava lotada. Avistei Emerson e Demétri trabalhando agitados.
Zete, tio de Demétri abriu comércio num ponto de muito movimento, o centro de Porto Alegre. Ali aparece todo tipo de gente, e quando eu digo todo tipo, é todo tipo MESMO. – Boa tarde galera!!
Demétri e Emerson trabalham das 8h às 17h00, eu entro depois do 12h00 e fico até o final do expediente, mas geralmente eles ficam na lanchonete comigo porque Zete já foi embora e tudo fica beeeem mais agradável. Ele é um bom patrão, meio muquirana, um tanto rabugento, mas me paga certinho todo santo dia 5, então eu aguento a bronca que é cuidar da cozinha desse lugar.
- E aí magrelo – Demétri e Emerson cumprimentaram Lucas, que respondeu com a cabeça, estava ocupado demais indo em direção ao balcão pedir algo para comer as meninas. – E aí Leite.
- E aí, Dê.
- Fala aí, Lenu em pó.
- E aí Shrek. – Emerson cruzou os braços e fez cara de mal. Ficou ainda mais parecido com o desenho verde e esquisito. – Estou brincando!! Preciso falar com vocês.
Os dois me olharam com atenção.
- Se eu fosse ganhar 1,00 real por todas as vezes que vejo os três de conversinha fiada, nem do trabalho de vocês eu iria precisar. – Ao ouvir a voz de meu chefe, eu corri pra pegar meu avental, era totalmente ridículo, mas necessário.
Regras da cozinha.
Bem que minha mãe dizia que quando eu fosse seguir regras, iria me ferrar. Lembro que após a morte dela, logo que comecei a trabalhar eu batia pé pra usar esse avental. Sem contar as piadinhas né? Demétri e Emerson me chamam de Amélia, mas depois que Zete impôs o rodízio (nós três trocamos os serviços, às vezes eu vou para o caixa, Emerson pra cozinha, Demétri pra limpeza e assim vai) eles ficaram pianinho.
- Lennon, capriche nos lanches, soube que hoje não tem aula à tarde na faculdade. Isso aqui com fé em Deus vai lotar!
- Deixa comigo.
(...)
- QUEM É QUE TA OUVINDO A PORRA DO HINO DAS COLORIDAS AQUI??? – Berrei da cozinha ao ouvir o hino mais nojento do estado do RS. – Bah.
- Teeeee cala tripa seca. – Emerson respondeu. Tinha que ser. – Zete acabou de sair.
- O gato sai e os ratos fazem a festa! – uma das garçonetes – que arrasta um caminhão por mim, entrou na cozinha com alguns pratos sujos.
- Acho que é o contrário, mas beleza. – Murmurei, sorrindo todo galante para ela. Tudo bem que eu sou noivo, mas não to com cabresto.
Terminei minha parte na cozinha e fui ajudar os moleques com as deles. Quando todos terminaram, Demétri fechou a lanchonete, ele mora perto do Zete e no caminho de casa, passa lá e devolve a chave ao chefe.
Isabel Longhi
“Porra de frio filho-da-puta, maldita hora que inventei de vir pra esse lugar.” – Xinguei mentalmente, incapaz de falar com o frio que estava em Porto Alegre. Eu andava lento, porque quando apressava o passo, o frio aumentava.
Por Deus, como esse pessoal consegue sorrir diante de um frio desses? E por que diabos eles são tão altos assim? Até as idosas são altas.
Tirei o papel que continha o endereço e perguntei a um senhor como chegar lá, ele me respondeu que só faltava um ônibus e ainda sacou que pelo meu jeito “estou morrendo de frio porque não estou acostumada com isso” eu vinha de São Paulo.
- É melhor a guria ir se acostumando, vai piorar. – Disse, saindo logo em seguida. Eu suspirei e segui até o ponto de ônibus. Já era tarde e eu tinha que chegar logo ao Sarandi.
A verdade é que eu estava começando a me encantar pela beleza do Sul, tudo bem que não precisava ser TÃO frio assim, mas é bonito, glacial, sei lá... Respirei fundo e encostei minha cabeça no vidro do ônibus. Estou cansada, mas se eu dormir passarei do ponto, então preciso ficar com os olhos abertos.
Seguindo as orientações do senhor, eu desci no terceiro ponto e caminhei com um pouco mais de pressa até o endereço. Não seria nada legal ser assaltada a essa hora da noite.
Alias, não seria NADA LEGAL MESMO ser assaltada no Rio Grande do Sul.
Mais uma caminhadinha e eu finalmente cheguei ao endereço passado no site. Era a hora de tentar a virada da minha vida.
Dei uns passos meio inseguros ate o portão da casa, que por sinal, devo dizer que é um casarão lindo, assim como a maioria nesse bairro. É estilo colonial, branca e dourada, muito bonita. Pelo jeito o Emerson é rico. Já não vai dar certo com Iasmin, ela não se dá bem com burguês.
Toquei a campainha, minha mão tremendo de nervoso, ansiedade e claro, frio. Ninguém respondeu, apertei de novo, de novo e de novo. A escuridão do lugar fez meu pânico aumentar. Eu não quero acreditar que eu vou passar a noite na rua.
- PORRRRRRRRRRA! – Chutei o portão de ferro e me arrependi, pois a dor que senti em resposta fora alucinante. Eu já estava indo pro meio da rua quando vi uma sombra vir em minha direção e conforme a sombra se aproximava, eu sentia amargar minha bile.
Ate que alguém me deu um oi meigo e eu me derreti dos pés a cabeça.
- Oi, tá perdida? – O cara era tipo, mega alto, o cabelo cortado curto e usava um boné preto, a pele dele era morena, mas não muito, tipo café com leite. Os olhos cor de mel, mais um mel vivo, limpo, quase brilhante. Lindo, gente, lindo... Ele deve ser o Emerson, só pode.
- Não... – Murmurei, a voz amolecida por sua beleza.
- Bah. É que eu tive a impressão que sim.
- Você mora aqui? – Perguntei, apontando com a cabeça para a casa.
- Não, quer dizer... – Ele franziu o cenho. – Mais ou menos. Por quê?
Esse era o momento que eu devia me apresentar, mas eu não tinha coragem de falar “Olha, eu menti porque queria tentar entrar na banda, sei que vocês não aceitam meninas, mas me deem uma chance?”, tá, não dá tempo pra reflexões mentais complexas.
Como diria meu pai: ou vai ou racha.
- Eu sou o Marcos. – nunca pensei que passaria por essa situação ridícula.
- Ah tá, e eu sou a Xuxa versão homem. – Eu o fitei seria para ele entender que não era brincadeira. Emerson arregalou os olhos e sua boca se abriu, pasmo. Depois me deu as costas, me olhou de novo, ainda não acreditando no que via. Ele bateu a mão na testa como se dissesse “to fodido”. – Porra, tu ta falando mesmo sério? Tu não devia ter feito isso...
Droga, to me sentindo a pior pessoa da terra.
- Lennon vai me matar!!! – Disse, num tom bastante agonizado.
- Quem é esse? – Deve ser um monstro.
- Vocal da banda.
Como minha imaginação estava um tanto aflorada devido às emoções do momento, eu imaginei esse tal “Lennon” um velho gordo com aqueles bigodes suspeitos e uma personalidade má. Ou seja, não to bem mesmo. É o frio desse lugar.
- Ah. – Murmurei, eu não sabia bem o que dizer.
Ficamos nos olhando, ele sem saber o que fazer e eu o que dizer. Uma rajada de vento forte passou por nós e eu não consegui controlar minha tremedeira.
- Desculpa, mas eu preciso fazer isso. – E sem mais explicações (eu não sei me explicar, nunca soube), abracei aquele homem que daria simplesmente dois de mim. A malha quente de sua blusa quase de automático esquentou minha pele. Emerson se assustou, mas não negou o abraço. O cheiro de sua pele era suave, delicioso.
- Não ta acostumada né? – Perguntou, e parecia estar rindo. Naquele momento eu avistei uma coisa redonda e prateada em seu dedo, era uma aliança. Afastei-me de imediato. Acabou o encanto, sério. – O que foi?
- Não, nada.
- Tá com fome?
Aquele momento crítico em que você esta morrendo de fome sua educação pede pra você recusar a gentileza
- Hã... – Ah, quer saber? Foda-se a educação. – Muita! Achei que não fosse perguntar isso.
- Todo paulista é passa-fome... – Eu belisquei o braço dele. – Marcos. – Ele deu ênfase no nome falso que a criativa Iasmin escolhera para mim. – Vamos entrar daí tu come alguma coisa. – Assenti com a cabeça e Emerson sorriu lindamente. Ele tem que parar de sorrir assim.
Ele abriu a porta da casa e a primeira coisa que vi foi a sala, não era bem uma casa comum, tinha fotos de jogadores de futebol colados na parede, troféus na estante e outras coisas que deixavam bem claro que ali era uma casa de homem.
Olhei para o teto e estava grafitado em azul, branco e vermelho - Casa da Nona.
- Casa da Nona? – Repeti, apontando para o teto.
- Isso aqui é uma casa de ensaio, presente da minha mãe, eu e os guris chamamos de casa da Nona. – Ele deu de ombros. – Loucura nossa. Aqui é tri-legal.
- Orra!
Emerson fora me guiando por todos os cantos da casa, eu estava ansiosa pra ver a sala com os instrumentos, mas ele achou melhor mostrar depois. Fomos pra cozinha e Emerson perguntou:
- Gosta de cacetinho?
Arregalei os olhos.
- Do que??
-Bah, eu esqueço que em São Paulo tem outro nome. É pão.
- Nossa, que susto. – Soltei o ar que segurava. Já estava achando que lidaria com um tarado. Ele riu com isso. – Não, estou com fome de comida, mas se não tiver, eu como fruta.
- Ah, tem um monte de coisas que eu e os piás compramos, eu já volto... – Emerson tirou um celular preto do bolso. – Como é seu nome? O verdadeiro.
- Isabel.
- Belo nome, eu sou Emerson. Fica a vontade.
- Tá bom! – Fui direto abrir os armários.
To com fome e não da pra fazer muita cerimonia né.
(...)
Finalmente alimentada, sai da cozinha e peguei o restinho da conversa de Emerson no telefone.
- Tá, vou esperar vocês aqui então, com ela né, claro... – Merda, ele ligou para a polícia, que vai ligar para a Renata, daí vou ter que pagar o que dinheiro de Max. – Mas Lennon, se tu... – Emerson ficou quieto por um segundo e apareceu na sala, eu soltei a respiração presa em minha garganta. É o tal Lennon, menos mal, poderia ser pior.
Mas em todo caso, é bom eu começar a rezar.