Telshine - Parte 7
Os dois chamaram uma garçonete, que lhes serviu gentilmente, sorveram um gole de seu café, cada um, e Karina começou a contar:
–No ano de 1832, um grupo de pessoas se juntou em uma pequena cidade da Inglaterra. Eram três exploradores e suas famílias. Eles partilhavam das mesmas idéias e princípios, assim, viram como sendo perfeita sua união. Eram eles Julian K. Lowell, Emile H. Loren e Carl A. Somerset. Os três estudavam sobre a cultura celta e achavam que existia alguma verdade por trás de seus mitos e lendas. Em 3 de março daquele ano, Carl expôs suas idéias em uma pequena palestra. Todos os presentes riram de sua teoria, exceto uma mulher, Emile. Os dois conversaram e ficaram fascinados com como concordavam entre si, e, a partir daí, começaram a trabalhar juntos. Em 12 de julho, viajaram à Irlanda, para fins de pesquisa. Na capital do país, acabaram por conhecer Julian, que, incrivelmente, tinha a mesma teoria dos dois. Por fim, juntou-se a eles. Acabaram por se tornar grandes amigos. Em 21 de outubro retornaram à Inglaterra e Julian mudou-se para a mesma cidade, junto de Marianne, sua esposa. Ali mesmo prosseguiram com as pesquisas, até que em 13 de abril de 1833 chegaram à conclusão de que suas teorias poderiam ser provadas em um lugar que suas pesquisas indicavam estar do outro lado do oceano, em um ponto bem específico.
–Telshine… – Albert tomou um gole de café e Karina concordou com a cabeça, empolgada.
–Depois de dois meses de preparativos e organização, conseguiram um navio que os traria para cá. Vieram todos, Julian e Marianne, que estava grávida, Emile e Dirk, seu marido, e Carl com Valentina e Caroline, sua esposa e filha. Embarcaram em 22 de junho, juntamente com outras 63 pessoas que desejavam viver no novo mundo. A viagem seria cara, assim os três haviam decidido por levar mais gente, para ajudar a financiar a viagem. Em 2 de fevereiro de 1834, ainda à bordo do navio, nasceu o filho de Julian, Peter. No dia 1º de maio, aportaram no litoral ao norte de Telshine. Exploraram o terreno até chegarem onde é a cidade atualmente e fundaram um pequeno vilarejo que recebeu o nome de Tell of the Shine, conto do brilho, devido à uma pequena lenda que surgiu àqueles dias, mas depois simplificaram para Telshine. Quando o vilarejo estava todo construído, Emile, Julian e Carl anunciaram aos habitantes a criação da Tríade, uma espécie de sociedade que seria uma forma de governo paralela, que ajudaria os governantes oficiais a manter a ordem no vilarejo. Todos aceitaram contentes e logo em seguida os três anunciaram que deixariam Tell of the Shine por uns tempos, para encontrarem o que provaria sua teoria. No dia seguinte, 15 de julho, os três saíram do vilarejo em busca de uma caverna e deixaram suas esposas e marido como os responsáveis da Tríade. Depois de um ano todos se convenceram que eles não voltariam mais, Marianne, Valentina e Dirk se tornaram os membros oficiais da Tríade, e essa tomou uma posição mais discreta. Com todas as revoluções no Velho Mundo, muitos migraram para a cidade e essa cresceu, mas continuou estável e harmônica, devido às intervenções da Tríade. A Tríade também mudou com o tempo, mas uma coisa foi sempre igual, os membros deveriam ser sempre descendentes diretos de Emile, Carl e Julian. O que me parece ser por causa de um segredo dos três. E é isso o que eu descobri.
–Você descobriu um bocado, mas eu tenho algumas dúvidas.
–Então pergunte – Karina tomou o restante de seu café e comeu mais uma porção de seu almoço.
–Qual era essa teoria que os três acreditavam?
–Boa pergunta. Eu procurei, mas não consegui descobrir nada sobre isso.
–Legal – ele resmungou – A próxima é… ah, sim, qual é a tal lenda, o conto do brilho, que surgiu naqueles dias?
–Essa eu sei. Umas duas semanas depois de aportarem e começarem a andar para o sul, algumas pessoas juravam ver, durante alguns minutos em algumas noites, pontos de luz nas montanhas. Cada vez mais e mais pessoas as viam e começaram a dizer que eram espíritos que os observavam. O medo desses espíritos contribuiu para que as pessoas ajudassem no crescimento positivo do vilarejo. Quando estavam montando o vilarejo, eles notaram que eram ao todo nove luzes que apareciam a cada três noites, exatamente à meia-noite. Conforme o vilarejo crescia, o ritmo diminuía e duas semanas depois de os fundadores terem ido embora, as luzes desapareceram repentina e completamente.
–Espíritos? – Albert fez uma cara estranha – Não acredito muito nisso.
–Eu também não. Era alguma outra coisa, mas eu acho que tem a ver com tudo isso.
–E realmente parece ter. Minha última pergunta, o livro dizia onde ficava a caverna que eles procuravam?
–Não. Não dava nem uma pista, mas estou certa de que é a da praia.
–Por que você acha isso?
–Meu instinto – ela sorriu, o que fez Albert se desconcentrar um pouco.
–Eu confio em você – ele disse depois de alguns instantes – Bom, acho melhor irmos ao hospital agora, não acha?
–É verdade. Ainda não tivemos notícias do Alex.
Eles pagaram a conta e saíram da lanchonete. Foram para a esquerda e na esquina também foram para a esquerda, indo em direção ao sul, onde, há quatro quadras, fica o hospital.
Os dois andaram sem muita pressa, aproveitando o sol, que começava a aparecer por entre as nuvens e aquecer aquele dia frio.
–Que coincidência, não é? – disse Albert, olhando para frente.
–O que? – a amiga perguntou.
–Tudo isso acontecendo, girando em torno da Tríade e o Alex namorando a filha de um dos membros.
–Filha de um dos membros? – Karina perguntou surpresa.
–Você não sabia? – o rapaz sorriu – Pauline é filha do capitão da polícia, Andrew Lowell.
–Você só pode estar brincando! – Karina exclamou.
–Como é que você quer se tornar repórter assim? – ele riu da garota.
–Isso é perfeito – Karina exclamou abrindo um sorriso.
Albert olhou e levantou uma das sobrancelhas:
–Eu não gosto quando você faz essa cara… O que você quer dizer com "isso é perfeito"?
–Isso nos deixa há um passo da Tríade, nos dá mais chances de descobrir alguma coisa.
–Eu já tinha pensado nisso, mas você se esqueceu de uma coisa.
–A Pauline – ela disse, mais afirmando que perguntando.
–Sim, ela está em coma, nós não podemos fazer isso enquanto ela estiver assim, seria falta de caráter e, pela cara que o Alex fez hoje de manhã, se ele soubesse, ficaria uma fera com a gente.
–Você está certo. Vamos continuar investigando, mas só com o que está ao nosso alcance.
–É o certo e, pelo avanço que fizemos hoje, estamos indo muito bem assim.
–Por falar nisso – a amiga amenizou o tom – sobre o diário…
–Ah, sim, eu andei pensando sobre isso na aula…
–Albert, eu sei que você tem esperanças de encontrar o seu avô e entendo o teu medo sobre o diário.
–Era isso que eu ia falar. Eu andei pensando e, sabe, o que aconteceu com o meu avô, seja o que for, não depende de ler ou não o diário, quanto antes eu souber o que aconteceu, melhor. Vamos ler ele hoje à noite.
Ela o encarou, então sorriu pra ele, o abraçou de lado e deitou a cabeça no ombro dele. Sem saber o que fazer, ele escolheu não fazer nada.
–Que frio – ela disse.
–É verdade – ele concordou, então passou o braço por trás dela.
E o frio, que talvez não fosse tão forte, serviu de desculpa, para que os dois continuassem assim pelo resto do caminho, que não chegara à metade.
Essa área de Telshine é repleta de lojas e casas de comércio. A maior parte são edifícios de dois andares. Muito raramente, se vê um prédio pequeno, nunca mais de quatro andares.
Nos dois lados da rua, por cerca de cinco quadras, se distribuem lojas de todo tipo, livrarias, sebos, bazares, mercados, farmácias e uma infinidade de coisas que resolvem todas as necessidades de quem precisa comprar.
Depois de vinte minutos de caminhada, os dois chegaram à porta do hospital. Enfim se separaram, ele abriu a porta de vidro e deixou a amiga entrar, depois a seguiu.
O hospital de Telshine tem quatro andares e ocupa uma quadra inteira. No mesmo prédio, mas em uma área separada dos leitos, está um laboratório, dedicado a todos os exames que os pacientes necessitam. O prédio é todo branco e seu interior é muito organizado e silencioso.
A recepção, onde os dois entraram, é bem simples. Um balcão à frente com uma porta de cada lado. Uma porta na parede da esquerda e outra na da direita e três fileiras de cadeiras no centro da sala. Não havia ninguém ali, apenas duas enfermeiras na recepção.
Os amigos se dirigiram a uma das recepcionistas e Karina falou:
–Oi, nós gostaríamos de visitar uma paciente – explicou, sorrindo.
–Sim. Qual o nome da paciente? – perguntou a enfermeira, também sorrindo.
–Pauline Lowell.
–Só um instante – a recepcionista digitou em seu computador – Sim, ela está aqui, mas não está podendo receber visitas.
–Mas por que não? – Karina interpelou.
–Entendam, o estado dela é realmente delicado e, além do mais, eu já tive que abrir uma exceção para um rapaz mais cedo e ele ainda não saiu. Eu peço desculpas – a enfermeira disse.
–Por favor, ela é nossa amiga, esse rapaz também é nosso amigo. Nós prometemos que não vamos fazer nada de errado, nós só estamos preocupados com ela – Karina suplicou.
A enfermeira olhou para a colega ao lado, olhou novamente para os dois, suspirou e sorriu:
–Tudo bem, mas sejam discretos. Ela está no quarto 167, é por ali – ela apontou para da esquerda – E não demorem muito.
–Obrigada – Karina agradeceu, então seguiu, junto de Albert, para a porta.
–Eles deviam demitir ela – Albert disse, quando haviam passado a porta.
–Cala a boca, Albert – a garota riu – Você devia ser mais compreensível com ela, você sabe que ninguém resiste à minha lábia.
–Nem à sua humildade – ele ironizou, e ela deu um tapa de leve na cabeça dele.
–Seu bobo.
–Olá garotos – disse uma voz que veio de trás deles – O que os traz aqui?