Telshine - Parte 6
–Bom pessoal, o papo está ótimo, mas eu tenho que ir. A Julia disse que queria falar comigo ainda hoje – Karina falou e Alex resmungou ao ouvir o nome – O que foi? – ela perguntou, fazendo graça.
–Lembra que ela deu o fora nele – Albert respondeu no lugar do amigo.
–Ah, é verdade – Karina riu – Mas só porque ela tem cérebro.
–Ei, vamos parando com a sessão esculacho – Alex olhou em seu relógio – São quase nove e meia, é melhor irmos.
–Isso – o outro amigo disse – Pagamos a conta e vamos todos juntos.
Eles chamaram Mary, que lhes trouxe a conta, então a pagaram e saíram da lanchonete. A noite estava refrescante, às vezes uma brisa que vinha do oceano, o céu estava totalmente limpo e estrelado, uma lua cheia começava a surgir.
Eles caminharam direto para o campus, não levaram mais do que dez minutos. Os dormitórios do campus são separados conforme os cursos, mas todos ficam na ala norte do prédio.
Foram para os dormitórios, encontrando um ou outro aluno andando pelos corredores. Chegaram no corredor do térreo e seguiram para a esquerda. Karina ficou na quarta porta da esquerda, um dos quartos da área de jornalismo, seu curso. Ela se despediu dos dois amigos e entrou no quarto. Eles seguiram até o final do corredor, até as escadarias, os quartos do curso de geologia ficam no terceiro e último andar.
No andar deles, à partir das escadas, o quarto deles era o quinto da direita. Os dois entraram e simplesmente se jogaram nas camas.
O quarto tem mais ou menos 50 m², duas camas de solteiro, um armário, dois criados-mudos , uma escrivaninha com um computador e vários pôsteres na parede.
–Que dia! – exclamou Albert.
–Com certeza, eu não via a hora de chegar aqui – Alex comentou – Agora só me resta uma coisa a fazer.
–O que?
–Dormir – ele riu.
–Eu também, estou morto – Albert riu também – Até amanhã.
–Até amanhã
E então adormeceram, tão rápido como se jogaram nas camas. Dormiram um sono calmo e aconchegante, que só foi interrompido pelo despertador, no dia seguinte.
***
O despertador tocou às 7:30 da manhã. Albert se virou na cama, esticou o braço e desligou o alarme. Continuou alguns segundos de olhos fechados, enquanto os acontecimentos do dia anterior lhe voltavam à mente. Resolveu abrir os olhos e levantar, olhou para a cama de Alex e viu que ela estava vazia.
–Aquela caverna não foi nada, isso sim é que é estranho.
Ele riu sozinho, levantou-se da cama, foi até o armário, pegou uma toalha e roupas limpas e saiu do quarto, a fim de tomar um banho.
A ala dos dormitórios é igual nos quatro andares: um corredor, no sentido leste-oeste, de 6 m de largura, com 12 portas de cada lado. Na metade do corredor existe um outro, transversal, que leva aos banheiros, ao norte, masculino à direita e feminino à esquerda. A única exceção é o andar térreo, o corredor transversal é uma extensão do corredor principal do edifício, que leva ao resto do campus. Os quartos são projetados para duas pessoas, cada. As escadas ficam a oeste.
O banho foi rápido, sem muitos pensamentos. Ele se secou, se vestiu e voltou para o quarto, deixar a roupa suja. Desceu e foi ao refeitório, que fica logo na saída da ala norte, a primeira porta à esquerda.
Logo que entrou no refeitório, encontrou Alex. O amigo estava em uma mesa, não muito longe, saboreando uma xícara de café.
–Você caiu da cama ou te derrubaram? – Albert brincou, assim que chegou perto.
–Ah,… E aí? Bom dia – Alex respondeu, sorridente – Não, eu só estou bem-disposto hoje – ele riu. – E também, não posso chegar com uma má aparência no almoço.
–Só podia ser uma garota – disse Albert, se sentando – Você vai à aula hoje, não vai?
–É claro que sim. A Pauline gosta de caras responsáveis.
–Eu mereço – Albert riu, levantou-se e foi buscar uma xícara de café e um sanduíche.
–Você e a Karina vão ler o diário hoje, não é? – Alex perguntou quando o outro se sentou novamente.
–Vamos – ele disse.
–E o que você acha?
–Acha o que?
–Que vai estar escrito nele.
–Ah,… não sei. Pode ser que tenha alguma pista, mas também pode não ter nada. Por falar nisso, cadê a Karina? Já são oito e quinze.
O refeitório é uma área ampla com 24 mesas retangulares distribuídas uniformemente. Há um balcão com vitrine ao norte, onde são postos à mostra as refeições disponíveis. Atrás do balcão tem uma porta que leva à cozinha. Além do que é servido pela universidade, existem algumas máquinas de refrigerantes, salgadinhos e sobremesas, espalhadas pelo saguão.
Passados cinco minutos, Karina entrou pela porta dupla do refeitório. Ela entrou apressada, estava claro que tinha acordado há pouco. Buscou um café no balcão e foi ao encontro dos amigos.
–E depois sou eu que durmo mais que a cama – Alex ironizou, rindo, mas Karina o encarou, fria.
–Desculpe, estava só brincando – ele mudou o tom.
–Você ainda não soube? – ela perguntou.
–O que?
–É a Pauline, ela sofreu um acidente.
Alex recebeu a notícia como um impacto, que fez seu corpo paralisar. Ele ficou parado fitando o nada e Karina continuou:
–Ela estava andando de carro com a mãe dela, quando elas perderam o controle e o carro capotou. A mãe dela só se arranhou um pouco, mas ela bateu a cabeça e ainda não acordou – as palavras feriam sua garganta, tão tristes eram para seu amigo.
–Eu vou… ver ela – Alex disse, meio atordoado – Avisa o professor que eu não vou.
–Pode ir, eu aviso – Albert respondeu – Depois a Karina e eu vamos lá ver como ela está.
Alex concordou com a cabeça, levantou e saiu do refeitório.
–Caramba, logo agora que eles estavam se acertando – Albert falou para a amiga, que havia sentado do seu lado.
–Parece que não é só isso – ela disse.
–Como assim?
–Pode ser que ela nunca mais acorde. Ela bateu a cabeça muito forte, então, talvez, ela corra o risco de ter morte cerebral.
–Nossa – Albert jogou a cabeça para trás, bufando – Que droga, você viu a cara dele, ele ficou arrasado. Quando ele souber disso…
–Nós temos que ter esperança, também pode acontecer de ela acordar a qualquer momento. Mas, de qualquer forma – ela engoliu um gole do café –, não há nada a fazer.
–Infelizmente.
Os dois terminaram o café sem muitas palavras. Saíram do refeitório e se despediram, Albert foi para sua sala, no segundo andar, e Karina foi para a biblioteca, na ala sul do prédio.
Albert quase não prestou atenção na aula de geografia. Seu pensamento vagava distante, por vezes no diário de seu avô, que estava em sua mochila, outras vezes no amigo, ao qual não teve mais notícias, e ainda outras vezes no acontecido da caverna. O professor, um homem baixinho, quase careca, que usa um óculos e um terno marrom velho, chamou sua atenção três vezes, mas, por fim, acabou desistindo.
Quando o sinal tocou, às onze horas, Albert juntou suas coisas, apressado, e saiu da sala. Encontrou Karina ao pé da escada, no térreo, já a sua espera.
–Ele apareceu? – ela perguntou, enquanto saiam do prédio.
–Não – Albert respondeu – Eu estava pensando, vamos deixar pra ler o diário à noite. É melhor fazermos uma visita à Pauline, provavelmente Alex vai estar lá.
–Eu estava pensando a mesma coisa. Vamos logo então, o hospital só aceita visitas até uma da tarde.
–E lá na lanchonete você me conta o que descobriu.
–Eu descobri umas coisas interessantes.
Os dois seguiram o caminho até a lanchonete conversando um pouco.
Aquela era uma sexta-feira nublada, sem ventos, nem sequer uma brisa. Pelas calçadas, pessoas andavam, velhas, novas, altas, baixas, casais ou grupos de amigos, mas uma coisa era comum: todas viviam ali felizes e sossegadas.
–E o que você descobriu de tão interessante – perguntou Albert, já na lanchonete.
–Eu comecei a procurar qualquer coisa sobre a Tríade, nada muito importante, até que descobri que ela é inteiramente ligada à fundação de Telshine – Karina começou a ficar empolgada.
–Isso pode explicar a importância deles na cidade.
–Não, não pode – Karina falou e o amigo ficou confuso – Esse é o único e real motivo que explica a posição deles na cidade. Como você sabe, Telshine foi fundada por três pessoas.
–Sim, eu sei, dois homens e uma mulher.
–Exatamente. Os membros da Tríade são os descendentes diretos dessas três pessoas.
–E você conseguiu descobrir isso de manhã?
–Isso foi o de menos. Eu achei um livro, bem velho, escrito à mão, que conta uma boa parte dessa história. Pelo que percebi, deve ter sido escrito por alguém muito próximo dos três. Eu vou te fazer um resumo do que eu li.
–Certo, só espera eu pedir um café?
–Tudo bem, também vou pedir.