Telshine - Parte 5

Mais ao sul de Telshine, em um edifício de três andares que ocupa uma quadra inteira, Johan Somerset, o professor de geologia, estava sentado em uma poltrona, conversando com outras duas pessoas, também em poltronas, em frente à uma lareira.

–Eles já sabem? – perguntou um homem, na poltrona da esquerda.

–Eles são espertos, mas também não podemos exigir tanto deles, meu caro Andrew – respondeu Johan, da poltrona da direita.

–Você sabe que não podemos esperar – disse Andrew, friamente.

Andrew era um homem corpulento e de ar rígido, cabelos castanhos raspados, olhos verdes, que raramente demonstra sentimentos. Ele vestia um terno preto e sentava na poltrona com a perna direita cruzada sobre a outra.

–Não exagere capitão, ainda temos, pelo menos, 6 meses – disse a mulher que sentava na poltrona do meio –, e, além do mais, a garota é esperta, ela vai descobrir logo.

–Sim, mas você sabe como ele é imprevisível nos dias de hoje – replicou o da esquerda –, antes os ciclos estavam intactos e era sempre fácil de saber quando aconteceria, mas agora está tudo uma anarquia. Lembra aquela vez, em 1997, quando apareceu do nada e aquilo conseguiu passar para cá? Eu levei duas semanas para consertar os estragos e mais duas para convencer todos que não era nada do que parecia.

–É verdade Andrew, mas não podíamos culpá-los, aquilo era de uma essência totalmente desconhecida, eles jamais poderiam ter detectado, e, no fim, acabou dando tudo certo. Vivian está certa, ainda temos muito tempo.

–E eles estão com sorte – disse, sorridente, a mulher –, o desmoronamento acabou desenterrando uma das arcas, não é mesmo, Johan?

–Sim, e tenho certeza que eles recuperaram alguma coisa, a garota me seguiu e ficou escondida, então é bem possível que ela tenha visto onde estava.

–E em último caso – Vivian continuou –, nós damos uma força a eles.

Vivian era uma mulher elegante e descontraída, cabelos ruivos não muito longos, olhos castanhos e um corpo jovem de belas formas, generosa e divertida, mas que sabia ser dura quando necessário. Ela vestia uma blusa fina roxa e uma saia preta até os joelhos.

–Talvez. Se eles não descobrirem por eles mesmos, talvez possam não ser capazes de ajudar – Andrew respondeu, com o olhar na lareira.

–Desta vez tenho que apoiar Andrew – Johan falou olhando para ela – Eles precisam ter, no mínimo, essa experiência para estarem aptos a seguir em frente. O máximo que podemos fazer, Vivian, é colocarmos eles no caminho certo – ele sorriu levemente.

–E você está colocando eles no caminho exato, não é – ela sorriu divertida.

Os dois sorriram juntos, enquanto Andrew prestava atenção no fogo que crepitava na lareira. A sala em que eles estavam fica no último andar do prédio e não é muito grande. A lareira fica no centro da parede oeste, há uma escrivaninha ao norte da sala, uma estante cheia de livros velhos ao sul e uma porta a leste.

Os três ficaram em silêncio por alguns minutos, sendo ouvidas apenas as labaredas na lareira. O silêncio foi interrompido por leves batidas que vinham da porta.

–Entre – disse Johan.

–Com licença – disse uma jovem que entrou pela porta – Senhorita Loren, ligaram do hospital, surgiu uma emergência.

–Obrigada, Clarice – Vivian respondeu e levantou-se – Depois falamos mais sobre isso. Você vai ao hospital ainda hoje? – ela perguntou a Andrew.

–Sim, vou passar a noite lá, mas vou mais tarde – ele respondeu, olhando para ela.

–Depois nos vemos então – ela disse colocando a mão no ombro dele – Até mais Johan. Até mais Andrew – e foi embora.

Clarice deu espaço para que ela passasse e então continuou:

–Sr. Lowell – ela se dirigiu a Andrew –, a pessoa que o senhor esperava já chegou e o aguarda em sua sala.

Clarice era uma jovem muito bela de cabelos loiros curtos, olhos azuis, muito séria e de ar confiável.

–Agradeço, senhorita Melville – Andrew respondeu, voltando o olhar para o fogo – Diga-o que já vou.

–Está bem. E, Sr. Somerset, eles trouxeram a arca, quer que a deixem aonde?

–Muito bem, leve para a minha sala, eu já vou vê-la.

–Eu vou fazer isso, com licença – Clarice saiu e fechou a porta.

Johan continuou sentado, olhando para o fogo por alguns instantes, por fim virou-se para Andrew:

–Como ela está?

–A saúde dela estabilizou, mas ela continua em coma – ele falou com seu tom frio, mas agora se sentia um peso em sua voz.

–Não se preocupe, vai dar tudo certo. Se me dá licença, tenho que ir. Até mais.

Andrew apenas fez um sinal com a mão. Johan se levantou e saiu, enquanto o outro continuou estático diante da lareira. Ele ficou ali por mais cinco minutos, então simplesmente levantou-se, apagou o fogo e saiu.

***

–Caramba, que loucura, isso é realmente estranho – disse Karina quando Albert terminou de contar a história da caverna.

–Estranho até o barulho, daí ficou bizarro – Alex tentou se fazer entender com a boca cheia de batatas-fritas.

A lanchonete de Paul Vaneu fica de frente para o parque, no lado sul deste. É um lugar muito popular entre os jovens da cidade, por isso estava sempre cheio àquele horário, mas mesmo assim os três conseguiram um lugar no fundo, para poderem conversar com calma. Mary era garçonete e foi atendê-los logo que os viu. Alex, como era esperado, pediu um cheeseburger duplo, uma porção de batatas-fritas e um refrigerante. Quando Albert terminou a história, só havia restado metade das batatas-fritas. Albert pediu café e panquecas, e Karina pediu apenas um milk-shake.

–Deixa de ser nojento, Alex – Karina fez uma cara de graça e repulsa ao mesmo tempo – Continue só comendo, é o melhor que você faz – Alex fez uma careta e colocou um punhado de batatas na boca – Mas e aí, vocês vão voltar lá?

–Sim, o quanto antes – Albert disse, cortando um pedaço de sua última panqueca.

–Você sabe que vou junto – ela falou.

–O que?! – ele perguntou, largando sua faca – Não vai não. Nós não temos a menor idéia do que seja aquilo, eu não vou deixar você se arriscar.

–Eu não vou deixar você se arriscar – ela o imitou –, é só isso que você sabe dizer? Você acha que eu não me preocupo com vocês? Façamos assim: você cuida de mim e eu cuido de você. Além do mais, eu sou muito melhor investigadora que vocês, e mais esperta também.

Albert ficou olhando para ela por alguns segundos com uma cara engraçada, torceu o nariz e disse:

–Ah, como eu odeio isso, você sempre sabe me convencer. Nós queremos voltar lá amanhã, mas tem aula, então só podemos no sábado.

–E por que não vamos lá amanhã à noite? – Karina perguntou.

–Não, é melhor não arriscar. Amanhã quero procurar alguma coisa sobre a caverna na biblioteca do campus. E quero dar uma olhada no diário – ele desviou o olhar para seu prato.

Alex continuava distraído e Karina olhou consternadamente para Albert.

–Posso te pedir uma coisa? – ela perguntou, pegando a mão dele.

–Você? É claro que sim – ele olhou carinhosamente pra ela.

–Deixa eu ler o diário junto com você?

–Sim. Pensando bem, vai ser muito melhor ler ele com você. Vamos lê-lo amanhã, na hora do almoço.

–Obrigada – ela soltou lentamente a mão dele – Amanhã vou tirar o dia pra pesquisar também, principalmente sobre a Tríade. O professor nos liberou para fazermos o nosso trabalho do semestre, mas, como já estou bem adiantada, posso tirar um tempo para outras coisas.

–Bom, nós temos aula até às 11 horas , então podemos vir aqui na lanchonete comer e vamos ali no parque para ler o diário, é mais calmo.

–Combinado. E você – ela se virou para Alex –, o que vai fazer?

–Eu, ah… desculpa aí gente, mas eu prometi almoçar com a Pauline, e vocês sabem, eu não posso decepcionar ela – ele disse, sorrindo com o canto da boca.

–Parece que alguém está apaixonado – Karina brincou.

–Apaixonado, não. Levemente atraído – ele riu – Mas é verdade, ela é legal. E nós estamos nos conhecendo.

–Então é melhor você ir almoçar com ela, mesmo. Talvez ela consiga dar um jeito em você – a amiga disse, mexendo no fundo de seu copo com o canudo.

–Como se isso fosse possível – debochou Albert – Mas, como dizem, a esperança é a última que morre.

–Engraçadinho – reclamou Alex – Ahhhh, agora sim eu estou melhor, nada como uma boa dose de civilização para me deixar novinho em folha. Eu não sei o que seria sem cheeseburger, refrigerante, TV e, principalmente, garotas.

–Lembre-se que eu sou uma garota também, então, enquanto eu estiver por perto, guarde seus comentários machistas pra você – Karina interveio.

–Tudo bem, tudo bem, desculpa. O importante é que eu acho que ficava louco sem tudo isso.

Alex esticou os braços para cima e se espreguiçou, enquanto os amigos riam dele.

Felipe Eduardo Marques dos Anjos
Enviado por Felipe Eduardo Marques dos Anjos em 17/11/2012
Código do texto: T3991012
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