O Preço de uma Estrela (Capítulos 44 e 45)

CAPÍTULO 44: ARMAÇÃO

Dois dias se passaram depois do meu encontro com a cor-de-rosa. Ela não fez nada contra mim, então acho melhor eu não temer tanto. Bom, agora eu estou aqui, no teatro Angel, esperando para conversar com o Gabriel sobre o meu papel. Até rimou, se não der certo ser atriz eu posso tentar ser compositora, rsrs, não, até parece, eu nasci para isso, eu vou conseguir.

Ai que chato, ele pensa que eu tenho o tempo todo para ele, na verdade eu tenho, mas estou cansada de ficar esperando, já fazem quarenta minutos de chá de cadeira. Pelo menos eu posso ficar admirando o teatro, é bem bonito, só deviam mudar o nome. Por que tudo tem que ser em inglês? É uma coisa chique, as vezes nem é, e colocam o nome do lugar em inglês, é tão rid...

- Liani Mendes!

- Olá! Gabriel, não é?

É sempre bom fingir não lembrar o nome direito, assim não mostra o quão ansiosa eu estou.

- Isso. Vamos ali na sala conversar.

- Tudo bem.

Seguindo o Gabriel, eu subi uma escada, passei por um corredor, com muitas portas e cheguei a uma sala com uma mesinha e duas cadeiras.

- Aqui não é propriamente um escritório, mas foi o que eu consegui arrumar no teatro. Tão grande mas sem uma sala para a administração. Tu viu o corredor?

- Sim.

- Aquelas portas vão para os camarotes, é tudo muito bonito aqui, deviam arrumar uma sala maior para mim, mas...Esquece, as vezes falo de mais.

- Não, tudo bem, eu compreendo.

- É que eu acabei de pegar as coisas para dirigir o espetáculo, o homem antes de mim era desorganizado e não se importava com nada.

- Aaaaah!

Onde eu me encaixo nisso tudo?

- Então, vamos falar de tu no espetáculo.

- Claro!

Ainda bem!

- Então, eu conversei com o Marcos e bom, as coisas geralmente não funcionam assim, mas eu gosto de trabalhar com o grupo com interação, eu não sou um diretor, eu sou mais do que isso, sou um orientador, um amigo, um ajudante, um ator, sou tudo, assim como eu quero que as pessoas do meu espetáculo também sejam, mesmo que seja da figuração, pois ninguém sabe o que pode acontecer no dia, se alguém ficar doente em cima da hora e eu precise de outra pessoa, eu posso colocá um figurante como principal, por isso ele precisa estar preparado para ser o protagonista ou outro personagem, entende?

- Sim.

- E eu não quero que me veja como uma pessoa que manda, eu aceito dicas também, nada fora do normal, mas por exemplo se o protagonista vem até mim e diz que gostou de ficar triste em tal cena, nós tentamos aquilo, se ficar bom fazemos isso na apresentação, mas se não ficar, voltamos como a cena estava antes, com ele rindo. É só um exemplo, mas tu entende?

- Entendo.

- Então. Eu falei com todo mundo antes de entregar o papel, pois eu quero que entendam o meu jeito de trabalhar para podermos fechar o contrato, etc. No teu caso, tu é uma exceção nesse negócio, pois o Marcos é meu amigo e eu já conversei com ele sobre isso e...

- Me desculpe, mas é que o Marcos não me falou sobre eu ser uma exceção.

- Ah, não. Tudo bem, eu te explico. Acontece que tu não tem DRT, nem histórico de apresentações, e eu não gosto de trabalhar com atores assim, eu gosto de profissionais. No entanto, como ele é meu amigo, e mesmo me pedindo em cima da hora, eu abri uma exceção para tu. Foi uma correria, fingir um teste, que até agora eu não entendi o motivo, montar o teu contrato, etc, mas no final valeu a pena e eu vi qu...

- Foi tudo armação? Ele já sabia de tudo?

- Sabia, eu falei para ele que era o único papel que eu podia te dar. Ele aceitou e disse que tu também iria concordar, pois tava querendo era começar, mas precisava fazer o teste para poder...poder...Ah, eu nem me lembro, mas também não importa. Tu é boa, isso é o que interessa. Aqui está o texto, apesar de tu não falar nada, eu quero que tu saiba onde tu entra e que também saiba as falas da senhora Catilde, pois caso precise de uma substituta, quero que seja tu. Os ensaios começam na próxima semana, de segunda a sábado, aqui mesmo no teatro, a partir das oito da manhã. Temos hora para entrar, mas não temos hora para sair. Hum, eu acho que não tenho mais nada para fa...Ah, sim, já ia me esquecendo, é que são muitas coisas para fazer que acabo me esquecendo de outras. O salário será R$50,00 por dia, contando ensaios e apresentações. Todo dia 10 eu te pago, depositando na tua conta bancária. É claro que como figurante, tu não trabalha todos os dias, mas quando tu não precisar vir, eu te aviso. Acho que é só isso. É, é só isso mesmo. Aqui está o teu contrato, eu peço que tu coloque o teu RG e o teu CPF, DRT tu não tem, pode passar um traço na linha de preenchimento, e assina aqui e aqui. Caso queira ler antes, fique a vontade. Ah, me lembrei, o espetáculo será daqui dois meses e ficará em cartaz por uns três meses, caso tenha muito público, o que eu espero que sim, irá aumentar a permanência em cartaz por mais dois meses. Os dias das apresentações serão Sábado e Domingo. Agora sim, acabei. Alguma dúvida?

- Não, onde eu assino mesmo?

Apenas assinei o tal contrato, me despedi do Gabriel e sai da sala, indo direto para um banheiro que tinha logo na entrada do teatro.

Eu nem li o contrato, mas também que importa, ele não vai fazer mal para uma conhecida do amigo dele, o Marcos. Como o Marcos pôde me deixar fazer o teste, me deixar sentir medo de não passar, me fazer de idiota? Ele já sabia que eu estava dentro, pensei que ele estava me apoiando no dia do teste, mas ele só falou tudo da boca para fora, pois já sabia a verdade. Ele foi um falso, armou tudo, por que? Droga! O que eu estou fazendo também, eu não vou ficar aqui, triste, com vontade de chorar, por ele ter sido falso. Pelo menos eu tenho essa merda de figuração. E o Marcos?! Ele é só um idiota que não merece a minha admiração, nem a de ninguém.

CAPÍTULO 45: PAPO ENTRE AMIGOS

Saí do banheiro e fui em direção a porta do teatro, para ir embora, mas antes de colocar o pé para fora, eu vi a voz do Gabriel: "Para! Para! Eu disse que aqui não é o melhor lugar para isso e se alguém nos vê?". Olhei para a direção que a voz vinha, a escada, e lá estava o Gabriel com a mulher que fez o "teste" comigo, ela estava o beijando e ele se afastando, um pouco preocupado, mas também com um sorriso no rosto. Ignorei os dois e sai do teatro.

Então é assim que aquela mulher conseguiu o papel da protagonista. Ridículo!

Peguei um ônibus e fui para o shopping, precisava me distrair, olhar as vitrines e me imaginar nos vestidos, apenas isso pois não tinha dinheiro para comprá-los. No shopping, passei em frente a livraria e lembrei do Leandro e do tempo em que não nos vemos, então decidi entrar para encontrá-lo.

- Procurando um livro para as aulas de Publicidade?

- Não. Estava no shopping e lembrei de você, será que podemos conversar ou você está bravo comigo?

- Eu não estou bravo com você, se estivesse teria que ficar bravo com o Marcos também.

- Ah, que bom! Podemos conversar, então? Tenho tantas coisas para te contar.

- Hum, desde quando virei seu amigo confidente?

- Desde que nos tornamos amigos.

Sorri para o Leandro e ele correspondeu.

- Tudo bem. Eu saio já, já. Hoje faço somente seis horas e meu turno já está acabando.

- Está bem, eu te espero.

Vinte minutos depois, Leandro e eu estávamos saindo da livraria e indo a praça de alimentação tomar um sorvete.

- Por que você está rindo?

- Porque meu amigo é idiota.

- O que vive procurando notícias de famosos na internet?

- É.

- O que ele disse?

- Disse que eu preciso mudar de profissão, pois sou amigo de famosos.

- Hã?

- Babaca. Ele fala coisas idiotas.

- É. Rsrsrs

- Mas e você? O que tem para me contar?

- Você sabia que o Marcos armou o teste? Que foi tudo encenação? Ah, e que o Gabriel pega a mulher que fez o "teste" comigo? A protagonista d'Os Vagabundos?

- Nossa! Que coisa. Eu não sabia sobre a encenação, eu juro. As vezes Marcos me esconde as coisas também, mas isso não é problema meu, então não irei me meter, você resolve com ele.

- Está bem. É queeee...Eu pensei que você sabia e tinha me omitido isso.

- A gente nem estava conversando E eu não quero mais saber da confusão de vocês dois, para depois não precisar dizer "eu avisei!".

- Eu entendo.

- Sobre a protagonista e o Gabriel, eu já sabia. O Marcos me contou. Eu digo para ele que eu não quero saber dessas fofocas, que eu só me importo com ele e com o nosso relacionamento, mas você sabe, né? As vezes existe esse negócio de disse me disse.

- É por isso que ela é protagonista, não é?

- Eu acredito que sim, no mundo artístico tem muito dessas coisas.

- Nem sempre, o talento conta também.

- As vezes, mas eu também não sei, não vivo nesse mundo.

- Mas namora alguém e é melhor amigo de outro alguém que vivem nesse mundo.

- Isso não quer dizer que eu tenho que saber de tudo desse mundo.

Começamos a dar risada. Ai que saudade eu senti do Leandro.

- Mas então? Deu certo o negócio do teatro?

- Deu. Agora eu preciso procurar um curso para fazer nas horas vagas. Vou seguir o que você disse aquele dia.

- Você e o Marcos, não é? Ainda bem que vocês estão se dando bem.

- Estávamos! Agora que eu sei que ele armou tudo, estou muito chateada com ele.

- Ai! Está bem! Vamos mudar de assunto então?

- Ou continuar no mesmo? Você viu as fotos? Virei notícia.

- Um pouco de notícia, não deixa isso subir a cabeça.

- Eu sei, mas foi tão legal, Le. Eu fiquei muito feliz.

- O Marcos me contou, afinal eu precisava saber porque meu namorado estava em cima de você, não é?

- É, eu sei. Mas não aconteceu nada, nem nunca vai acontecer. Você sabe, eu nem sei como você consegue namorá-lo. Ele é um idiota, um fingido. Ele faz de tudo para me irritar, e depois fica com aquele sorriso besta.

- Rsrsrs. O sorriso dele é lindo. Mas eu sei que ele também não te daria bola.

Olhei para ele sem entender e forçando uma feição de raiva, mas com um sorriso na boca. Ele riu.

- Não, não estou dizendo que você é feia, na verdade você está melhorando.

- OBRIGADA!

- Rrsrsrs. É que eu sei que o Leandro gosta de homem, no caso eu. Você não faz o tipo dele. Se ele gostasse dos dois, de homem e de mulher, eu até sentiria ciúmes de vocês e não incentivaria ele sair com você, mas como eu sei que ele é homossexual mesmo, e somente isso, eu nem ligo se vocês se beijarem em frente as câmeras.

- Que bom, mas acredito que não no beijaremos.

- Não sei, quem sabe chega uma hora que vocês têm que se beijar para provar que estão juntos mesmo.

- Eu tenho nojo dele.

- Bobeira. O Marcos é super em tudo. Eu não tenho nojo dele.

Leandro suspirou e eu dei um sorriso, é tão fofo ouvi ele falar do Marcos. Será que um dia eu vou encontrar alguém assim? Não como o Marcos, um idiota, mas alguém que eu possa falar suspirando?

- Que foi?

- Nada. Quer dizer, é que é fofo ouvir você falar do Marcos, aposto que é puro romance entre vocês dois. Todo dia, toda hora.

- Quem dera.

- Hã? Como assim?

- Quando eu falo dele eu apenas lembro de como eramos quando ele não era esse cara, O MARCOS SANDRET.

- Por falar nisso, como você se conheceram?

- É uma longa história.

- E daí? Eu tenho todo tempo do mundo.

Leandro olhou de um lado para o outro. O shopping estava cheio, mas onde estávamos, sentados em uma mesa afastada da multidão, perto de uma janela enorme, ninguém podia nos ouvir.

- Ainda bem que não somos como aquelas pessoas que falam gritando.

- É. Mas agora para de enrolar, conta.

- Tudo bem. Prepare os ouvidos então.