Telshine - Parte 1
Prólogo
–Vá logo, corra – disse o homem, encostando-se e em uma árvore, pressionando a mão contra a barriga, onde sua camisa estava encharcada de sangue.
–Não eu não vou te deixar aqui sozinho assim – a moça estava aflita, mas se esforçava para não chorar.
–Taleena, me escute bem – o homem começava a respirar com dificuldade – a mensagem precisa ser entregue. Se eu for com você só vou te atrasar, mas se eu ficar aqui posso te dar mais tempo. Você é uma das melhores raslash de Teraasiat, tem muito mais chances de concluir isso sozinha.
–Só sou uma das melhores porque você foi quem me treinou, John – ela pareceu mais firme agora.
–Não, você está errada – ele inspirou profundamente – eu só escolhi te treinar porque vi que você era a melhor. Agora vá.
–Mas John… – ela quis protestar. Taleena tinha a pele clara como o luar, levemente rosada. Seus cabelos eram de um azul-chumbo muito claro, quase branco, e seus olhos, azuis-marinhos. Ela vestia uma espécie de armadura leve de couro branco e tinha uma capa com capuz do mesmo material sobre os ombros. Carregava uma lança de seu tamanho e uma lamina comprida e recurva presa à cintura.
–Eu já sou velho, isso é o máximo de ajuda que posso te dar agora. E como você disse eu sou um bom professor e vou dar muito trabalho antes que consigam me derrubar. Lembre-se de nosso dever – ele disse, esticando o corpo para ficar ereto. John era um pouco baixo, normal para sua idade, já era velho, mas apresentava um vigor e resistência de fazer um atleta parecer incapaz. Seus cabelos e barba eram curtos e grisalhos e seus olhos, escuros. Trajava a mesma vestimenta de proteção e capa da companheira, mas escura. Tinha uma lança também e nada mais.
Taleena hesitou um pouco antes de concordar com a cabeça. Então levou a mão à cintura e abriu uma pequena bolsa. Tirou um fruto redondo e de aspecto macio do tamanho de uma noz, azul rajado de vermelho e amarelo, e o deu a John:
–Coma, é um fruto das terras de Ymyzal, não vai fechar o ferimento, mas vai parar o sangramento e vai aliviar um pouco da dor. É minha última, mas você vai precisar mais do que eu – ela explicou.
John consentiu e comeu o fruto. Engoliu aquilo como se fosse um pedaço de carne putrefata e era esse o gosto que tinha. Retirou a mão do sangramento e viu que esse começava a parar de sangrar. Limpou o sangue da mão nas vestes e se desencostou da árvore.
–Muito obrigado, minha amiga. Agora vá, eles não devem estar mais do que vinte minutos daqui.
–Espero um dia voltar a te ver – e ela desatou a correr em meio à vegetação espessa.
–Taleena – John a chamou antes de ela desaparecer.
–Sim – ela quase voltou.
–Quando chegar a hora, ensine-o. Vocês vão se dar muito bem, tem muito um do outro.
–Vou ensinar tudo o que você me ensinou. Não se preocupe. Mas é melhor que você mesmo o ensine. Mesmo assim farei com que ele seja o melhor guerreiro que os treze universos já viram.
–Obrigado – ele agradeceu com ternura, então ficou sério – Agora vá, antes que cheguem aqui.
Ela sorriu e voltou a correr, logo sumindo em meio à mata. John checou mais uma vez ferimento e viu que mesmo ainda aberto, não sangrava mais. Deu um sorriso e começou a andar na outra direção, afastando as plantas cm sua lança para abrir caminho. Logo chegou a uma pequena clareira, apoiou sua lança no chão e esperou.
Não demorou muito até que o som de algo se movendo na mata surgiu e foi ficando mais forte, até que três figuras apareceram. Elas tinham traços suaves e eram maiores e visivelmente mais fortes que o homem e traziam consigo armas estranhas, parecidas com lanças, feitas de algo que não parecia exatamente sólido, mas isso não fez passar sequer um traço de intimidação pelos olhos do homem.
–Vocês demoraram um bocado – John falou de forma natural – Mais um pouco e eu pensaria que vocês tinham desistido.
–I'mot calec varos nit q'tharis, vertac – disse o do meio, com uma voz que, assim como a fisionomia, não tinha nada de humano, e que soava como um sopro de vento, sem parecer grotesca ou débil.
–Eu sei que você me entende o que eu falo e você deve saber que eu não entendo uma palavra do que você diz, então se você puder fazer umas mímicas vai ajudar – John estava sombriamente calmo.
–Metri vyzlo q'ventsa – a criatura ignorou o comentário – I'toghoslo bho eq'mot cyolo gantras.
–Não, nenhuma? Então talvez se eu fizer algumas vocês me entendam o que eu quero dizer – John falou por fim, colocando sua lança em movimento com extrema habilidade e partindo para cima do primeiro alvo. Os três fizeram o mesmo, com um certo atraso.
Início
–Acorda, cara! Nós estamos atrasados! O resto do pessoal já foi – disse Albert, cutucando o amigo, que ainda não tinha levantado.
Albert era um rapaz de cabelos negros curtos e olhos azuis, magro e de rostos fino, de aparência agradável, que carregava sempre um ar risonho e desconfiado ao mesmo tempo.
–Todo mundo já foi? – perguntou Alex, pulando da cama.
Alex tinha cabelos castanhos cortados até os ombros, olhos também castanhos e porte atlético, o que o fazia atraente, e andava sempre em seu estilo de vida cômico e sossegado, o que às vezes complicava as coisas pra ele.
–Foi o que eu acabei de dizer!
–Me dá só mais cinco minutos pra arrumar minhas coisas – Alex disse, vestindo uma camisa.
–Não precisa, eu te conheço melhor do que ninguém, sabia que você ia se atrasar e arrumei tudo – falou Albert, pegando uma mochila e jogando-a para o amigo.
–Valeu irmãozinho, eu não sei o que seria sem você. Já sabe para qual caverna nós vamos?
–Ainda não. Nós só vamos saber lá no parque. Isso se chegarmos a tempo!
–E então, o que estamos esperando...
–Deixa eu ver... ah, lembrei, você levantar! Anda!
Alex, rindo, pegou a sua mochila e então ele e Albert saíram apressados para poderem chegar a tempo no parque.
O parque Green Oak fica há três quadras do campus da Universidade de Telshine. Ele tem aproximadamente 160 mil m², o que é realmente grande para uma cidade do tamanho de Telshine. Seu terreno possui, quase que exclusivamente, carvalhos, que crescem em meio ao gramado e que, àquela altura do outono, estavam cercados pelas folhas secas que os mesmos deixaram cair. O parque é cortado por quatro caminhos de pedra que vem dos pontos cardeais e levam ao centro, onde há uma estátua dos pais-fundadores da cidade.
Quando lá chegaram, os dois amigos conseguiram ver os outros alunos e o professor de geologia saindo do parque pelo lado oposto ao que os dois chegaram. Enquanto Alex ainda se espreguiçava e bocejava, Albert correu na frente para falar com o professor.
–Sr. Somerset! Desculpe o nosso atraso, é que o Alex perdeu a hora.
–Claro, senhor Travelly, sem problemas – disse o professor, em tom de desdém.
O Sr. Somerset era um homem sério e um tanto misterioso, que, no auge de seus 43 anos, conservava um cabelo curto negro, olhos castanho-escuros, roupas simples e sem trejeitos em um corpo em forma, tudo imbuído em um ar respeitoso.
–Bom, – ele continuou – vamos ver o que sobrou para os dois... ah sim, vocês ficaram com esta caverna aqui, a caverna de Grantlink, ela fica no fim da praia, ao norte. Eu quero vocês no parque às cinco horas em ponto, em frente à estátua dos pais-fundadores, sem atrasos. Façam tudo o que está nesta apostila – falou agora em tom mais amigável, entregando uma apostila a Albert e outra a Alex, que tinha acabado de alcançá-los – ou pelo menos tentem fazer, não é, senhor Musor?
–Ahn?!... ah, pode deixar professor – Alex concordou, meio perdido.
Então o professor, dando um sorriso, se afastou dos dois.
–E aí, que caverna nós pegamos? – quis saber Alex.
–É uma chamada de caverna de Grantlink, fica no fim da praia.
–Nunca ouvi falar.
–Que horas são agora?
–Deixa eu ver, são... nove e meia.
– Nós temos que estar aqui às cinco horas.
–Então temos muito tempo de sobra, vai dar até para ir comer um cheeseburger lá no Paul – disse Alex, parecendo mais disposto.
–Eu acho que não – Albert folheou sua apostila –, não sei nem se vai dar tempo de fazer tudo o que o professor pediu.
–Tem tanta coisa assim? – assustou-se Alex.
Albert concordou com a cabeça, ainda de olho na apostila.
–Bom, então vamos logo – Alex perdeu toda a disposição.