1. Magali e o manual da covardia
Só quero o manual do bom senso.
Dispenso apresentações.
Ter de esperar o tempo consertar o passado cansa.
Você espera?
Quando se tem vontade, um colher de revolta e uma carrada de força interior, conserta muitos erros.
Você consegue? Consegue anular os erros que outra pessoa cometeu contra você? Parabéns, sua espécie é rara!
Admita: você tem alguma ferida que não cicatrizou? Não se preocupe, se tem alguma, um dia ela sarará.
O tempo cura tudo.
Se você possui um espírito excêntrico, seja bem-vindo. Sinta-se à vontade se alguma vez já se sentiu incapaz. Não estamos sozinhos.
Passar pela vida e não ser decepcionado por quem ama é impossível. Faz parte!
Quem não amou alguém que não valeu a pena? Esse é um fato muito mais comum do que você possa imaginar.
Por causa de amores desse tipo, vi uma jovem senhora desistir de viver. Eloísa amou e entregou-se por completo a um amor de mentira, ao ponto de morrer de amor.
Doeu muito ver alguém perder a própria vida por causa de um sentimento que deveria trazer vida e felicidade. Mas não foi bem isso que aconteceu...
Solitária e com dificuldades de se relacionar com as pessoas, a moça, de hábitos simples, vestia-se sempre de roupas longas, cabelo preso e óculos de grau. Morava sozinha num pequeno apartamento próximo à biblioteca municipal em que trabalhava.
Ao longo dos cinco anos que se mudara para aquele prédio, a rotina de Eloísa e de mais seis outros moradores era a mesma. Dentre eles, lá estava Aldo, um engenheiro agrônomo de aproximadamente trinta e cinco anos. Sempre, às sete e quinze da manhã ele pegava o elevador ao lado de Eloísa e mais outras pessoas. Ao chegar ao térreo, todos se separavam.
Talvez por causa da forma como se vestia, Eloísa passava desapercebida diante dos demais vizinhos. E principalmente aos olhares exigentes de um homem de bom gosto feito Aldo.
Mesmo com toda aquela indiferença, Aldo não se deu conta de que estava despertando em Eloísa um amor platônico. Vi esse tipo de amor nascer na mente transtornada e doentia de Eloísa.
Vi-a tornar aqueles poucos instantes, dentro do elevador, num cenário de mentira. Ela tornou aqueles encontros diários numa verdadeira fábula. Em sua mente, Eloísa criou um namoro imaginário com Aldo. Ela o amava ao ponto de criar um homem de mentira. Tornou-se obcecada. No seu contexto criacional, eram felizes, e tudo era perfeito.
Aquele amor a transformou numa nova mulher. Passou a arrumar-se impecavelmente, deixando as belas curvas, que antes escondiam-se, a deleite dos olhares masculinos, e à cobiça das mulheres.
Na verdade, entre os que ela passou a chamar a atenção estava Aldo.
Num dia, como outro qualquer, ele a cumprimentou com um “bom dia”. Ela respondeu e em seguida deu-lhe um sorriso.
Na manhã seguinte, vieram os primeiros diálogos. Era possível notar que Aldo sentia-se atraído por Eloísa. Como ela estava vivendo sua própria mentira, o primeiro convite para jantar, para Eloísa, era apenas um programa de rotina entre casal. Dali para um compromisso sério, foi um passo. Ia visitá-la com frequência e ligava no meio da noite só para checar como ela estava.
Vieram as juras eternas de amor. A relação era estável e ele sempre dizia “eu te amo”.
Eloísa não se dava conta de que o real e o imaginário se misturavam. Onde começava seu “homem perfeito e imaginário” e onde nascia Aldo, um homem de carne e osso, que estava apaixonado de verdade por ela.
Só que um dia, esse mesclado estava tão ligado entre si, que Eloísa teve uma inesperada surpresa. Seu amado foi-se sem pistas ou vestígios.
Aldo desapareceu. Foi embora sem se despedir e sem motivo a deixou. Foi então que veio a lucidez e ela deu-se conta da fantasia que havia criado. Viu que tudo não passava de uma mentira. A sua mentira doentia, fruto de uma vida solitária e de falta de amor próprio.
A realidade veio à tona junto a uma dor profunda na alma. O choque e a desilusão destruíram todo o seu ser. Seu namorado real havia partido e levado consigo seu homem imaginário. Apenas um vazio silencioso lhe restou dentro de si.
Ouvi alguém dizer certo dia que o vento que leva é o mesmo vento que traz de volta. O senhor das controvérsias da vida, o tempo, auxiliado pelo vento, trouxeram Aldo de volta um dia.
O motivo que o trouxe de voita foi a morte de Eloísa, ocasionada pela ferida que ele lhe havia deixado em sua alma. A dor era profunda demais para que ela continuasse vivendo.
Eu só quero o manual do bom senso.
Magali.