1º Capítulo do Livro A DANÇA DO TEMPO (de minha autoria)

Capítulo I – Traição e Morte

Os passos de Leonardo Dohsazzy ecoavam tão vorazmente quanto o palpitar de seu coração no peito. Ele temia uma verdade indizível, tão cruel quanto o que pretendia fazer caso se confirmasse. Sua sombra se projetava oblíqua pela acalmada Rua Oito, caracterizada pelos poucos pontos de luz existentes, quando não entrecortados pela quantidade exorbitante de arvoredos diversos, que de tão grande mergulhavam a extensão da rua num negrume de surrar as trevas. E seguia sua sombra, ora existente, ora não, sendo incapaz de reconhecê-la. Nem mesmo reconhecia a si mesmo. E não sentia nada, talvez houvesse resposta: o ferro que se encostava à sua pele pálida, de tão gelado, tinha lhe roubado os sentidos.

Na verdade sentia medo. E não sabia a extensão desse medo, apenas que o tinha. Manteve seus passos firmes em direção do colégio no qual estudava, um lugar que não sabia se lhe dava prazer ou dor. As duas coisas, talvez. Mas após aquela noite apenas lhe traria distância, pois Leonardo tinha certeza de que jamais voltaria para lá.

Aproximou-se suficientemente, protegido pelas trevas deferidas pelas grandes árvores que o isolavam do prateado poderoso que compunha o luar daquela bela noite de abril. Então, acionando seu olhar trêmulo, repudiou as imagens. Elas o fizeram sentir-se queimando tanto quanto se lhe jogassem labaredas de fogo pela garganta. Mas seus olhos relutavam em obedecê-lo, então viraram-se para a bela moça que protagonizava aquele circo dos horrores. Também captaram o jovem moço que a acompanhava.

Leonardo via sua namorada, a bela Susan Gounermentz, traindo-o com a última pessoa pelo qual aceitaria algo daquela magnitude: William Strudy, um bastardo cujas desgraças eram inomináveis. Lembrou-se dela jurando amor eterno, como se eternas fossem palavras. Este abalado adolescente descobriu da pior maneira que palavras eram palavras e não eram diferentes de frias brisas, que atravessam e causam arrepios, mas eram inigualavelmente passageiras. A angústia dominou-o por completo. E um ódio crescente o invadia a cada segundo em que permanecia fitando aquela troca indecente de carícias.

Susan, entrelaçada aos braços fortes de William, encontrava-se num beijo macio e tão doce quanto vinho de qualidade. Eles se agarravam como se jamais pudessem ser capazes de soltar-se novamente e seus lábios e línguas dançavam umidamente. Ele a segurava pelos macios cabelos, dum tom loiro envelhecido e remexia-os, exalando o perfume desconcertante. A outra mão mantinha-a rente a seu corpo, presa pela cintura. William sentia tanto desejo e prazer quanto jamais sentira na vida, algo inexplicável; enquanto Susan tentava demonstrar isso, mas seus pensamentos fluíam.

E não suportava manter-se vendo-a entre os braços dele. Leonardo era egoísta, portanto não era de sua natureza aceitar sua tão perfeita namorada dando a outro o prazer que era seu por direito. E especialmente quem? Ele, William Strudy. Jamais entendera como, mas odiava essencialmente um homem que lhe dissera palavras extremamente profundas: Seremos os melhores amigos, para sempre... Mas as palavras também foram levadas com a brisa.

No dia em que a promessa fora feita, William era pressionado pelos seus pais a adentrar o veículo, eles estavam de mudança. Desta forma, Leonardo sabia que as palavras também foram forçadas, mesmo partindo de uma criança. Então, sentiu-se também forçado a intervir. Era uma questão de honra.

Seus pés se movimentaram adiante, então aproximou-se, sem audição, ou visão, ou tato. Era um corpo frio, com emoções contidas, mas num êxtase incontrolável de ódio, tanto por William, mas também pela traição de Susan. Seu caminho de chamas, que faziam seus pés arderem, o fizeram se aproximar da escadaria. Gritou, rugindo como um leão:

— Desgraçados mentirosos que fazem promessas pelos cotovelos... — sua voz era um fio de ceda com lâminas de navalha. Seus olhos vazios permaneceram voltados para baixo, estavam perturbados demais para continuar observando a cena acima de si. Seus cabelos castanho-escuros, corredios à testa, estavam desalinhados, o que tornava sua imagem sombria.

O berro fez com que o casal cessasse o ato. A voz inconfundível os consumou sobre seu desatino. A moça repeliu o garoto com total desgosto. Jamais olharam para a origem das palavras.

— Minhas desculpas, traidores, não pretendia acabar com o showzinho de vocês! — a voz de Leonardo trazia ironia e ódio.

Susan e William buscaram encontrar o olhar de Leonardo. Tão trêmulos quanto o chocalho de uma serpente, tão falsos quanto uma serpente. O traído mantinha-se instável ao pé da escadaria, com seu braço esquerdo voltado para trás do corpo, quase um aleijado pela dor.

— Isto não é o que você imagina... — Susan tentava se justificar. — Foi tudo muito por acaso... Eu...

— Vadiazinha ordinária! — Leonardo rebateu friamente, um grito que ecoou com ódio. Voltou seu olhar para o alto da escadaria, encontrando-os, desta vez, afastados. — Sei muito bem que não é o que estou imaginando e sim o que estou vendo.

Susan jamais se confortaria diante daquilo. Havia traído seu namorado com seu pior inimigo. Talvez pudesse amenizar as circunstâncias, usando as palavras corretas, uma arte a seu favor. Iniciou uma descida fatal em direção ao pé da escada, tremulando de assombro e temor. Esta garota tinha em ciência que o que poderia ser causado pela fúria de Leonardo era algo terrível. Desta forma temia por si e por William.

Ao atingir com insegurança o último degrau da escada sentiu o gelo da incessante esfera de medo. Leonardo encontrou-a com o olhar. Ambos desoladores, com fúria e temor mesclados. Sentiu que as chamas no interior dos olhos calados do namorado cresciam vertiginosamente, então as palavras partiram de seus lábios, abraças pela noite de primavera.

— Eu posso explicar tudo — tocou com suavidade e leveza os macios cabelos escuros de Leonardo, como se para ajudá-lo a excluir-se daquele nevoeiro de sensações ruins.

O braço direito de Leonardo repeliu-a com a intensidade de uma luta. Surrou seus delicados braços para o alto, fazendo-a cair contra o solo rígido.

— Não encoste em mim enquanto não se lavar. — Sua agressividade causou pânico. — Não preciso ser infectado pela sujeira dele.

As marteladas no peito de William o faziam sentir a vertigem causada pelo medo. Nada mais poderia fazer senão observar a tudo passivamente do alto da escadaria, aguardando o ódio de Leonardo encontrar-se consigo. Palavras não lhe seriam suficientes, portanto manteve-se como sempre se mantinha: mudo.

A queda de Susan ocasionou dor. Suportável, mas que tornou a imagem de Leonardo inidentificável. Aquele não era o garoto que conhecia, apesar das circunstâncias. Fitou novamente seu olhar flamejante, emoldurado por seu rosto, ocultado pela sombra que enegrecia.

— Você é uma mentirosa! Cretina! Disse que me amaria e nunca me trocaria por outro homem... Mas agora se diminui a lixo, puro lixo, nos braços daquele rato de esgoto. — Sorriu sombriamente, duma malícia nunca antes vista. — Mas nesta noite vou mandar vocês dois pro inferno!

As palavras assombraram Susan. Também a William. Antes medo e temor, transformou-se em desespero.

— Leonardo, o que você pretende fazer? — Susan disse com seus olhos verdes enegrecidos de desesperança. — Eu sei que estou errada, você tem razão em seu ódio. Mas diga-me, pelo amor de Deus, o que você pretende fazer...

William pressentia um desastre, onde seus velhos amigos protagonizariam sangue e dor. Lembrou-se vagamente de um episódio parecido, no interior das paredes do colégio à suas costas, onde Leonardo flagrou um ato de afeto envolvendo a si e Susan. As discussões e agressões daquele dia sequer se equiparavam ao presente momento. William conhecia Leonardo e sabia que coisa boa não estava por vir.

Os pensamentos de William foram subitamente tomados por um devaneio. Havia dois verões, um declarado inimigo de Leonardo, um tal Pedro Hodzky provocou-o ao destruir parte da lataria de seu carro. Tratava-se do primeiro veículo de Leonardo, portanto uma relíquia devido seu valor sentimental. E Pedro avacalhou com a discrepância de um rebelde. Uma mensagem foi deixada para Leonardo, tão provocativa quanto pornográfica, insultando-o com adjetos indizíveis. Leonardo, talvez o garoto mais popular por sua facilidade em esportes físicos, convocou seus amigos e trataram de humilhar Pedro, agredi-lo e fazê-lo consertar o carro. O episódio tornou Leonardo vertiginosamente cultuado e tentador, especialmente para as garotas.

William retornou ao sentir o vento frio roçar-lhe os pelos, arrepiando-os à medida do possível. Observou que Leonardo explodiu e gritou em fúria contra Susan. Num movimento pomposo, girou seu braço esquerdo e elevou sua blusa negra. Exibiu algo cintilante e frio, que vertiginou a ambos que o observavam.

Susan levantou-se, aos trancos e barracos com suas pernas trotando. Jamais imaginara que seu ato ocasionaria algo tão extremo. Inevitavelmente sentiu o calor de uma lágrima riscar seu rosto. E outra, e outra.

— O que você pretende? — disse às lagrimas. — Eu não estou te reconhecendo. Não sei quem você é.

O rapaz olhou-a diretamente. Seus olhos marrons piscavam constantemente como se algo o perturbasse, tão intensos quanto chamas. Sua imagem era estranha, Leonardo necessariamente não estava naquele corpo.

— Quem não te reconhece sou eu. Tive oportunidade de te trair centenas de vezes, mas nunca, nunca fiz isso. Mas você não. Na primeira oportunidade se deixou nos braços desse ai. Quem sabe você já não tenha se deitado com ele.

— Abaixe essa arma... — as mãos de Susan se ergueram diante dele, como se exigissem cautela. — Pense bem no que você está pretendendo fazer...

— Quem disse que eu quero! Eu estou decidido do que farei aqui! — gritou. Em seguida continuou em baixo tom de voz: — Já que você é um lixo, tenho que limpar. Minha reputação é mais importante agora. Ela não pode ficar manchada pelas patas de dois porcos nojentos!

Reputação? Se fizer isso vai acabar com sua vida também..., os pensamentos de Susan e William caminhavam-se em conjunto.

— Leonardo, não diga isso, pelo amor de Deus! Existe um motivo para...

— Cale-se, sua cretina! — explodiu, aproximando a arma do rosto de Susan. Ouviu-se o estalo do carregador sendo acionado.

Susan assentiu. O medo a tomara totalmente, e o gelo emanado pelo revólver a fez sentir-se perdendo os sentidos.

William ponderou sua situação, apesar das circunstâncias. Caso procurasse correr, seria ferozmente repelido por uma arma que, daquela distância, apenas rangia. Mas não seria capaz de abandonar Susan caso uma oportuna situação se moldasse. Outro motivo que o mantinha estagnado era o medo, tão gelado que impediam suas pernas de se mover. Seus lábios também não ousavam questionar a conduta de Leonardo. Sentia seu coração bater aceleradamente. Suava frio. Tentou, como último recurso, acalmar-se, sabendo que jamais conseguiria.

Voltou-se para baixo novamente e vislumbrou a terrível imagem de Leonardo se aproximando. Subia os degraus da escada furiosamente. Olhava-o com tanto ódio quanto um monstro. A morte se aproximava.

— Vai sentir na carne o que você sempre mereceu, bastardo infeliz! — disse empunhando a arma com a precisão de uma criança.

Susan rapidamente o seguiu. Gritava seu nome constantemente e lamentava a cada degrau que o elevava em direção de William. Tantas lágrimas corriam, que pouco enxergava. Mas sabia perfeitamente o que faria Leonardo.

William viu a morte em forma física naquele momento. Seu coração batia com a facilidade de uma bomba e seu sangue fluía tão frio e rápido como água. Eis que toda a sua vida fora resumida no sombrio metálico que sentiu quando teve a arma encostada em sua testa. Seus olhos fecharam-se quase involuntariamente. Preferia não mais fitar a morte, resumida nos olhos em chamas de Leonardo. Uma lágrima escapuliu de seu olho. Suspirou para o fim.

Leonardo tinha-se decidido do que faria. Destravou sua arma e ouviu-se o estalo gelado. Pressionou seu dedo indicador e forçou o gatilho.

Um grito ecoou fortemente. Partira de Susan. Esta saltou na direção de Leonardo. Agarrou-o pelas costas, pendendo-o para baixo. A arma disparou. Seu alvo, porém, acabou por sendo outro. William não foi acertado, a arma foi desviada antes. O tiro acertou uma das lâmpadas que iluminavam a fachada do colégio, envolvendo-os mais nas trevas.

Leonardo foi impedindo-o de concretizar sua primeira desgraça, no mínimo retardado em fazê-la. O rapaz conseguiu desvencilhar-se de sua ex-namorada rapidamente. Repeliu-a, girando o corpo. Susan esparramou-se por sobre a escada. Ele olhou-a com fúria e repulsa.

— Isto tudo está escrito nas linhas do destino. Eu ia matar ele primeiro, mas já que prefere, vou matar você antes. Só pra ele ver você morrendo. — ele apontou-lhe a arma.

Leonardo sentia o ódio ferver-lhe o sangue. Uma profunda tristeza o invadiu por saber que não teria escolha senão prosseguir no que iniciara. Vendo Susan reprimida, caída adventícia nos degraus que os permitiram seu primeiro beijo, não se rendeu ao choro. Sabia que amava aquela bela moça. Por esse motivo hesitou em sua atitude. Correu o olho pelo magro corpo feminino, mas extremamente perfeito. As maravilhosas curvas que o levaram ao ápice do prazer. A pele macia e o cheiroso cabelo. Arfou de tristeza. Tivera de aceitar que perdera tudo aquilo para o desgraçado que o observava. Não seria diferente de perdê-la para Deus. Forçou o gatilho.

A arma disparou e o barulho seco ecoou por toda a deserta Rua Oito. A morte alcançou-os.

***

Dois pares de olhos observavam o desenrolar na escadaria mais abaixo. Dois homens mantinham-se estrategicamente às sombras do teto do prédio vizinho ao colégio. Vestiam-se pesadamente com capuzes negros ocultando-lhe o rosto. Um deles alto e forte, enquanto o outro um pouco mais baixo e esguio.

— O cara disse certo: “escrito pelas linhas do destino” — comentou o mais alto e forte, Julio Greydorr, com uma sugestão de sorriso nos lábios. — Eles estão tão entrelaçados ao destino quanto podem imaginar.

— Certamente Julius — respondeu o outro homem, ruivo e com sua roca, mas suave e séria voz. Conheciam-no por Sétimus Timbled. — Eles são o objetivo da nossa missão, portanto, estão ligados ao destino como ninguém.

— Mas o que está acontecendo com aquele rapaz.

— Ele está muito alterado. Ao que parece foi traído pela namorada e o antigo melhor-amigo. Intrigas tão fúteis, que se caso conhecessem o nosso mundo e suas maneiras, teriam uma visão mais madura da vida.

— Sétimus, como pretende que agimos?

— Quero que você dê conta dos traidores. Eu serei o patrono do “assassino”. — Sétimus Timbled ordenou e deu as costas, andando na direção da borda oposta do topo daquele edifício.

***

A voz de Susan lembrou a William o de uma leoa que vê sua cria sendo mastigada. Ecoou de uma magnitude insuportável de dor por toda a Rua Oito. Mas em momento algum esse grito fora de dor. Ao menos não de dor física. Ela consentiu-se de que toda sua vida ao lado de seu amor acabaria após aquele instante.

William nem mesmo possuía fôlego capaz de sustentá-lo após aquele momento devido a tamanha surpresa. Nos momentos anteriores imaginava o pior destino possivelmente existente para a direção daquela arma. Entretanto jamais imaginava que aquilo pudesse ter acontecido. Por algum motivo sentiu-se aliviado. Susan estava salva.

A arma de Leonardo caíra ao chão antes que o gatilho fosse apertado. Suas mãos não conseguiram sustentá-la após a intensa dor aguda que sentiu após ser alvejado.

Inicialmente sentiu a cravada no peito, que passou a queimá-lo de dentro para fora em poucos instantes. Sentiu o sangue fluente atravessar-lhe o corpo para fora, como se fosse uma fonte de um vinho com cheiro de dor. O terrível sabor de sangue encheu-lhe a boca e sem que pudesse impedir, escapuliu para fora. Simploriamente, o gosto da morte.

Susan ergueu-se e correu na direção do namorado que caía, suas pernas trotando de desespero. Seus passos eram rápidos mais incontroláveis a cada degrau que vencia na direção de seu namorado em queda. Seu estado espiritual chocara-se totalmente com a realidade.

— Não, Leonardo, meu amor... — sussurrou ela chorando ao aproximar-se. — Vai ficar tudo bem, eu prometo...

O garoto, contudo, sequer entendia o que se passava. A dor sucursal no peito e o sabor terrível de sangue na boca. A imagem de Susan bizarramente sacudindo-lhe e gritando palavras de difícil compreensão. Sentiu-se mergulhando sem volta numa piscina rubra, que vetava sua audição e mesmo sua compreensão.

— Me responda, por favor — gritava a moça desesperada tentando reanimar o rapaz de olhos abertos caído na escadaria.

William olhou em todas as direções tentando decifrar aquele estranho código: que haveria de ter acertado Leonardo? A resposta veio mais sombria do que pôde imaginar. Vislumbrou uma estranha movimentação por detrás de uma árvore próxima. Fixou seu olhar ali ao perceber que havia um par de olhos fitando-o friamente. De certo a pessoa que no qual assassinou o rapaz. E por mais que tentasse não conseguiu evitar em saber de quem se tratava.

Um quarto elemento observava a todo aquele drama desde o começo. Esperou o momento certo em que no qual surpreenderia seu alvo, entretanto optou por assiná-lo friamente sem mesmo transparecer sua imagem, afinal, haveria testemunhas. Atirou, olhou para William, sorriu e partiu.

***

Os primeiros raios de sol trouxeram a imagem negra de uma poça de sangue derramado na escadaria principal do Colégio. Esta escada fora isolada pelos peritos e policiais. Os alunos se mobilizaram e uniram-se numa multidão negra, todos em silêncio, prestando suas preces para Leonardo. O garoto mais conhecido, aclamado e cultuado do, agora fatídico colégio, simbolizava uma perda irreparável. Apesar de ser arrogante, explosivo e indiscreto em muitos momentos, todos o adoravam por sua facilidade de se comunicar e fazer com que as pessoas gostassem de seu jeito durão.

Susan e William, por outro lado, ambos odiados por muitos dos amigos de Leonardo, foram criticados, receberam promessas de morte, vaias, xingos e gestos obscenos. Estes estavam tão abalados quanto os demais adolescentes, mas jamais seriam entendidos ou perdoados. Para todos, eles eram os assassinos.

Leonardo morrera quase que instantaneamente. O serviço móvel apresentou-se rapidamente, mas seus serviços foram desnecessários. Desta maneira, seu corpo foi levado diretamente para o instituto médico para a autópsia. Os peritos da polícia civil também estavam de prontidão em poucos minutos. Isolaram as áreas importantes para a realização da perícia técnica.

Susan Gounermentz e William Strudy estavam em estado de choque psicológico. O criminoso jamais exibiu suas feições, o que dificultou a ambos que incidissem qualquer pessoa. William vislumbrara os olhos de um suposto inimigo de Leonardo, contudo preferiu não condenar qualquer pessoa, tinha o receio de haver se enganado.

— Eu vi alguma movimentação por detrás das árvores próximas — disse William durante seu depoimento, sem demonstrar emoção.

Devido à informação de William, os peritos isolaram também a área das árvores citadas.

Outra evidência, desta vez devido os depoimentos dos pais de Leonardo, que necessitaram de amparo, devido a tanta mágoa. O rapaz era o filho mais velho e com sua morte somente restara Cale, o pobre garotinho com Síndrome de Dawn. A arma utilizada por Leonardo pertencia a seu pai, Graham Dohsazzy. A arma estava legalmente em seu nome. Segundo Graham, o rapaz levou a arma contra sua vontade e sob intensa agressividade, impedindo a que interviesse.

Hipóteses desabrochavam como flores de primavera: Leonardo poderia ter cometido suicídio, segundo a influência de ter sido traído; ou poderia ter sido alvo de uma emboscada, segundo o qual Susan e William haveriam contratado um mercenário para assassiná-lo. Apenas hipóteses, nenhuma certeza, uma vez que não existiam outras testemunhas, além do fato de que na fachada do colégio não haviam câmeras em operação.

William estava abraçado a seus pais, quando receberam as confirmações dessas hipóteses. Não se alterou, mas disse em lástima:

— Isso jamais! — levantou-se, regido em medo. — Ele quem pretendia nos matar. Acabou sendo morto por outra pessoa. Não fizemos nada.

Desacostumado a ser desmentido por reles adolescentes, o delegado bradou em fúria:

— Isso é apenas uma hipótese; para tanto não podemos descartá-la, afinal, a arma estava lá e bem próxima de Leonardo. Contudo, vocês estão resguardados com a suposição da legítima defesa, uma vez que ele pretendia matá-los.

Os ânimos se acalmam rapidamente, William sendo acalorado pelos seus pais. Susan permanecia envolvida em suas lágrimas, abraçada pela mãe, seu único ponto de referência.

— O que deixo claro — continuava o delegado —, é que nenhuma hipótese será descartada. E vocês ainda não serão detidos. Entraremos em contado com os envolvidos quando resolvidos os detalhes a respeito da perícia. Passar bem! — disse finalizando e dando as costas.

A melhor amiga de Susan, Amanda Johnson, sentia-se perturbada pela morte do homem que amava. Sua morte jamais teria ocorrido não fosse uma suposta atitude, tanto quanto precavida. Ela quem o havia informado sobre o futuro encontro entre Susan e Leonardo. Imaginou que seu príncipe pudesse desfazer seu relacionamento com a garota e agredir seu inimigo. Jamais imaginou, porém, que aquele encontro seria o da morte de Leonardo.

De modo que não podia explicar, sentia que aquele fato não aconteceu de fato. Leonardo está vivo e eu sei que o encontrarei ainda., dizia a si mesma, esperançosa, imaginando um possível retorno de seu amor.

Diferente da maioria dos adolescentes do colégio, Amanda permanecia isolada em seu quarto, como se o mundo lhe fosse estranho. Trancafiada e às lagrimas, sabia que ali poderia ver o rosto de seu amado, no mínimo por através dos retratos e fotografias.

Ela o amava desde a pré-adolescência. Quando o via no colégio não conseguia concentrar-se senão em aproximar-se dele. Nutria um intenso amor por Leonardo e frustrou-se ao descobrir que sua vizinha, Susan, havia começado um romance com ele. Devido a isso, Amanda tratou de se aproximar de Susan, convicta de que iria se aproximar dele. Durante toda a sua adolescência usou Susan, fingindo ser sua fiel amiga com a intenção de ter seu amado em seus braços.

Na última tarde, escutou gloriosamente uma conversa entre Susan e William, e descobriu que haveria um encontro, onde beijos lhes seriam trocados. Estava na biblioteca e procurava um livro em particular. Escutou a voz bucólica de Susan que tanto a irritava, protegida pela estante. Escutou atentamente a todo o diálogo entre a moça e o estúpido William, que Amanda consentia em que namorassem, ambos estúpidos e estorvos, juntos se dariam bem. Precisaria somente comunicar-se com Leonardo. E o fez.

Aquela seria a maneira perfeita de separá-los. Somente não contava com sua morte. Suas lágrimas correntes eram seu único consolo.

***

Após o nostálgico velório, todos seguiam para o cemitério. Iriam presenciar o enterro.

Muitas flores, contrastando com o negrume das vestes pesadas. A maioria dos alunos do colégio seguia na procissão de dor e silêncio, Tino e Sandro Salomão, grandes amigos de Leonardo, e suas respectivas namoradas. Os melhores amigos de Leonardo, suas colegas e seus parentes. Amanda mantinha-se inconsolável, falsamente abraçada a Susan, ambas surradas pelas lágrimas. William acompanhava a procissão por entre as imóveis lápides, tão tímido quanto sempre foi.

Leonardo fora enterrado em seguida. A força das lágrimas fazia-se aumentar. Uma chuva serena, tão ressentida quanto a dor começou a escorrer dos céus. Misturava-se aos poucos com as lágrimas correntes e com os mais variados pensamentos.

Susan passeou adiante e lançou uma rosa vermelha em direção do caixão ao fundo da cova. O necrológio que seus lábios sussurraram foi tão particular, que apenas poucos dos mais próximos escutaram.

— Leve meus sentimentos com você e me perdoe, por todo o amor que sinto por você... — suas palavras eram levadas pelas gotas de chuva em direção de Leonardo, que jazia em paz.

Enquanto suas palavras saíam, todos os presentes lançavam-lhe flores e acresciam cor ao moribundo caixão.

— Toda a sua alegria, sua espontaneidade e seu calor explosivo e constante jamais serão esquecidos por mim e eu tenho certeza que jamais serão esquecidos por qualquer um de nós. — Ela voltou-se para a multidão negra e fria, recebendo deles olhares de desaprovação. — Todos sabemos o quanto Leonardo foi importante em nossas vidas. Demonstrou-nos que devemos sorrir mais, sermos felizes e desprezarmos aqueles que nos ferem. Obrigada! — Susan ausentou-se da dianteira e foi acudida, chorosa, por sua mãe.

Os pais de Leonardo descreveram palavras também emocionantes. Os amigos mais próximos, seus parentes e todos aqueles que o amavam de alguma forma, com exceção de Amanda.

***

A maioria das pessoas se retirara ao fim do enterro, enquanto o céu plúmbeo cessava suas tímidas lágrimas. Apenas Susan e outras duas pessoas permaneceram no entristecedor ambiente daquele cemitério, observando sem qualquer emoção aparente, senão dor, o término da construção da lápide de concreto.

Amanda estava ali, seus pés e mãos trêmulos. Aproximou-se de sua amiga e teve sua expressão alterada para ódio e descontentamento:

— Não mais vejo motivo para permanecer com esta máscara. Susan, você desejou a morte de Leonardo — acusou com a certeza de um jogador.

A atitude de Amanda causou certo espanto em Susan.

— Por que você está falando assim comigo, Amanda? — Perguntou surpresa. — O que você quer dizer com “máscara”?

— Você supostamente foi responsável pela morte dele. Ou estava sozinha, ou contou com a ajuda desse desgraçado — Amanda apontou para William, que atentamente escutava a discussão. Ele sendo a terceira e última pessoa presente.

— Como pode estar dizendo isso? Eu jamais faria uma coisa dessas, quanto mais em parceria com William — Susan disse com total decepção. — Além do que, você quem nos colocou naquela situação, você é a verdadeira culpada.

— Ela está certa, não tivemos nada a ver com a morte dele — William afirmou, seu cenho franzido.

— Eu entendo — respondeu Amanda ironicamente. — Tanto que vocês dois se encontraram para namorar. Quando Leonardo se aproximou vocês, seu contratadozinho ridículo o matou. Aquilo tudo não passou de uma emboscada.

Ambos os jovens aquiesceram.

— Bem... — disse Susan sem jeito. — O fato de termos nos beijado não teve qualquer relação com a morte dele.

— Então o que prova o fato de somente ele ter morrido enquanto vocês dois estão vivos? A pessoa que segundo vocês o matou, supostamente não gostaria de ser reconhecido, portanto mataria vocês também.

— Você não entende Srta. Johnson — interveio William. — A pessoa que atirou em Leonardo não se exibiu para nós. Esta permaneceu o tempo todo imerso numa penumbra que a tornava invisível, por detrás de uma árvore.

— Essa história não faz sentido! — Amanda agora se mostrava enfurecida. Secou, com as mãos, as lágrimas carregadas no rosto. — A arma de Leonardo estava diante dele. Ele supostamente pretendia se vingar de vocês, traidores. No entanto, de alguma forma esse seu assassino conseguiu matá-lo antes.

— Nada fizemos, somos inocentes — William afirmou persuasivo, sem o ressentimento que tinha ao comunicar-se com estranhos. Entretanto estava defendendo sua verdade.

Susan deu um passo adiante, decepcionada com a amiga, deixando-se ser tomada pelas lágrimas.

— Amanda, eu não estou entendendo você — a moça dizia com os olhos caídos por tamanha dor que sentia. — Você nunca me tratou dessa forma. O que houve?

Amanda fuzilou-a com o olhar. Suas lágrimas se derramavam com ódio.

— Eu sempre amei ao Leonardo. Eu gostava tanto dele que fui capaz de aproximar-me de você, sua namorada, com a intenção única de consegui-lo para mim. Eu somente te usei, Susan. E você não passa de uma assassina de baixo escalão. Não merece sequer minha amizade!

As lágrimas da acusada fizeram aumentar. Estava visivelmente decepcionada, sentindo-se traída.

— Eu jamais imaginei que você fosse capaz de... — hesitou em dizer, contendo-se. — Eu sempre fui tão sincera com você!

Susan foi acudida por William, que a abraçou calorosamente.

— Você deveria valorizar mais suas amizades — continuou a moça. — São elas quem nos mantêm fortes neste mundo.

— E você, valorizar mais os seus relacionamentos amorosos, Srta. Gounermentz. É notório que vocês dois tem um caso e que foram responsáveis pela morte do meu Leonardo.

William foi abdicado por seus pensamentos. Retornou ao alto da escadaria do Colégio Ataíde, sob a luz prateada do luar. Vislumbrou Leonardo diante de si, apontando-lhe uma arma furiosamente. Susan tremia por detrás do rapaz que empunhava a arma. Suava frio. Sentia-se gelado de medo, diante da morte que o confrontava, metálica.

Imaginou durante aqueles nostálgicos segundos, em que sua respiração era o único sussurro de som audível, em qual momento a arma seria disparada. Quando sua respiração seria entrecortada pelo eco pesado dos sons do alvo. À queima roupa a dor seria excruciante, sabia. Mas talvez jamais fosse superior à dor da morte. William teria morrido caso Leonardo não fosse atingido. Sua morte, portanto, não fora algo tão ruim a seu ponto de vista.

Adiantou-se em seu devaneio, no momento em que tentava vislumbrar com nitidez quem manuseara a arma que matara Leonardo Dohsazzy. Conseguia ver por através da penumbra daquela região o brilho de olhos vivos e odiosos, quase como os do demônio fitando-o do inferno. Somente olhos. Olhos que determinavam tudo. Um único par, provando a participação de um único ser. Ser aquele que deveria odiar Leonardo suficientemente a ponto de assassiná-lo com tamanha frieza. Caso visse aqueles olhos em outro lugar poderia facilmente reconhecê-los. No momento em que se lembrava, detalhou a expressão daqueles olhos bizarros. Conhecia-os. De algum modo, e sem que pudesse explicar, William conseguia entender de quem se tratava. Uma única pessoa em todo o planeta capaz de causar aquilo.

— Eu acredito que... — disse vagamente, com os olhos sem rumo e sua dificuldade em se comunicar se revelando novamente. — Agora eu acredito que sei quem matou Leonardo...

R W Oliveira
Enviado por R W Oliveira em 20/10/2012
Reeditado em 20/10/2012
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