O diário de Vitória 2

19 de novembro

Caro Diário,

Cá estou eu de novo, hein? Como disse, eu fui dormir pensando no que mamãe me tinha dito e, hoje, acordei ainda pensando nisso. Pensei tanto que resolvi escrever. Bem, por que ter um diário? Eu tenho amigas com quem falo e a quem vejo o dia inteiro. Tenho amigas na escola Estadual João Medeiros, onde estudo e no time Golfinhos Azuis. É, eu jogo no time de vôlei do bairro. E converso sempre com minhas amigas. Quando mamãe me deu você, eu me perguntei se ela achava que eu tinha algum segredo ou sentia falta de gente com quem conversar. Mas não tenho este tipo de problema.

Bem, não é que eu não tenha problemas. Todos têm. Não sou diferente de ninguém. Eu tenho um problema: sou muito alta. Não sei se é bem um problema,mas já me fez ficar de saco cheio muitas vezes. Desde que eu era bem novinha, eu já percebia que era maior que as outras criancinhas da minha idade. Percebi isso logo que mamãe começou a me deixar na creche para ir trabalhar e assim que entrei na escola.

Na escola, foi difícil. Quando entrei na primeira vez, eu tinha cinco anos, mas notei que as outras meninas e os meninos me olhavam como se eu fosse estranha. A professora mesmo foi falar com minha mãe fora da sala e, depois, mamãe veio me beijar antes de sair, mas eu notei que ela olhou para a professora com raiva. Os meninos perguntaram o tempo todo o que eu fazia lá. E eu sem entender. Fiquei sozinha enquanto as outras crianças brincavam juntas. Eu não entendi na hora, mas hoje sei que estavam me evitando.

Mais tarde, nesse mesmo dia, mamãe e papai, de volta do trabalho, conversavam na cozinha. Eles não sabiam que eu escutava. Ela estava com muita raiva da professora e papai, ao ouvir o que ela dizia, disse um monte de palavras que hoje eu sei que são palavrões.

Por muito tempo, guardei as lembranças desse dia e, hoje, eu sei porque mamãe e papai ficaram com raiva da professora: por eu ser alta, achavam que eu era mais velha e a professora suspeitava que eu tinha um atraso mental. Ela tinha dito a mamãe para me mandar a uma escola especial.

Ao entender isso pela primeira vez, eu me entristeci muito, mas nunca contei a eles. Primeiro, para eles não saberem que eu os tinha ouvido e, depois, porque acho que isso os teria deixado mais tristes.

Mamãe ficou tão aborrecida que papai e ela resolveram me tirar da escola e me botaram na que eu estudo até hoje. Mas eu logo notei que ser alta sempre faria com que reparassem em mim. Houve colegas que achavam que eu era repetente ou tinha entrado atrasada e professores que desconfiavam que eu tinha repetido. E olha que nunca tomei bomba.

Bem, diário, por hoje é só. Amanhã, contarei mais coisas.