ROTEIRO PARA O CORDEL VALEI-ME MEU PADIM

Filme

VALEI-ME MEU PADIN

Parte 01:

CENARIO:

Uma casa grande com varanda em uma possível fazenda.

DESCRIÇÂO DA CENA:

Um homem bem vestido na varanda olhando a vista e com ar de preocupado.

Chegam três homens com ar de desconfiados e se aproximam, mas não sobem a causada e escutam atentamente as ordens do “patrão”

PERSONAGENS:

Dono da fazenda; Seu Trajano

Empregado 01(cabra valente); Joaquim

Empregado 02(o gago); Mané Tubia

Empregado 03(o doido); Zezim Pequeno

FALA

Seu Trajano: que calor desgramado! Parece inté que a neblina da semana passada num valeu de nada! Ispia só meu gado as pobres das vacas faz inté dó tudo maga triste o pasto ta tão pó quim num vai dar nem pra esperar o inverno começa. Mas nois já tamo em abri e as poça gota d’água que caiu num deu nem pra poeira assenta.

(cai de joelhos no chão e continua falando)

HÔ meu São José se alembra de nós os sertanejo num ispia os erros dos homens, mas olha pros bichos eles não merecem tanto sofrimento. Eles num tem curpa dos pecados dos homens.

Zezim Pequeno: (tira o chapéu e diz com a vista baixa): Patrão eu vim aqui pra lhe dá uma má nutiça! Num foi curpa minha não senhor... (rodando o chapéu nas mãos)

Seu Trajano: mas diga logo seu cabra o que foi? Foi alguma coisa com minha filha ou minha mulher?

Zezim Pequeno: foi não senhor! Foi com “florida”. Ela vinha do asudo pra casa e lá na ladeira de 47 ela caiu e se quebros se! Ela num vai arrisistir não senhor. A coitadinha ta muito fraca e a rama ta poça mas Eu, Mané Tubia, mais Joaquim fizemo o que deu pra sarvá a bichinha.

Seu Trajano: mas porque que vocês num me dissero que ela tava tão mau eu tinha dito que num levasse ela pra lá pré evitá aquela ladeira.

Zezim Pequeno: mas ela era uma das melhores. Se o senhor for oiá a Bordada aí é que senhor vai ficar cum pena precupado.

Seu Trajano: Valei- me meu Padin Ciço que eu faço se num chuvê vai sê preciso eu vendê a fazenda de cancela batida e eu num quero fazê isso ela foi de meu avô, de meu pai e um dia vai sê de um fio meu.

(sentando numa cadeira ele olha pra frente fica calado um pouco e olha pro doido e continua a falar)

Chame aqueles dois cabras seus companheiros e vinham cá.

Zezim Pequeno: agora seu Trajano? É pra vi agora Seu Trajano?

Seu Trajano: não seu imbecil só daqui a um mês! Se eu disse que venham aqui é pra logo que eu quero.

(o doido sai correndo ainda ouvindo o patrão falar)

Eu não podia ter arrumado outro vaqueiro tinha logo que ser esse doido!

Parte 02

Mesmo cenário

Chegam os três coitados com cara de desconfiado e se apresam:

Joaquim: o senhor mandou chama nois?

Fizemo alguma coisa errada?

Seu Trajano: Não Joaquim. Eu chamei porque quero que vocês vão em Juazeiro fazer um favor pra mim.

Mané Tubia: é premessa?

Seu Trajano: Quase Mané. Eu quero que vocês vão dá um recado meu pra uma pessoa que mora lá.

Zezim Pequeno: pode dexa nois dá o recado. É só dizer do que se trata.

Joaquim: patrão, mas pra quem é o recado?

Seu Trajano: è pra meu Padin Ciço! Eu quero que vocês vão lá e entregue esse dinheiro pra ele e diga que eu mandei pedir pra ele mandar todinho de chuva. E se for pouco ele mande dizer quanto mais precisam pra chuver o suficiente para sarva minha pranta e alimenta meu gado só por esse ano.

Mané Tubia: mas e se o pade se ofendê? Ele pode num gostá da vossa oferta.

Joaquim: o patrão se alembra daquela fazenda lá perto de Quixadá? O dono mandô dinheiro pra ele e a fazenda dele fico dibaxo d’água.

Seu Trajano: mas eu to manda no vocês darem, meu recado. E se arribe logo daqui. Gerusa vai dá comida pra você levá.

(saem os três arrodiando a casa e pegam um sacola de pano com uma mulher e saem na viagem)

Parte 03

CENARIO: uma estrada

(caminham bem devagar e com cara de cansaço quase sem tirar o pé do chão)

Zezim Pequeno: eu te prometo Justina quando eu vortá teu pai vai dêxa tu casá cunheu.

Joaquim: caminhe ligero antes que o só isquente e torre os miolo de vocês dois.

Mané Tubia: eu só imagino é encrontá cum bando de Lampião!

Zezim pequeno: home se acale eu morro de medo deles. Disse que lampião mato um doido lá pras banda de Moriti.

Joaquim: pois eu num tenho medo dessas coisa não eu infrento ele é na ponta da pexera e ele que se meta a besta comigo! Eu sô Joaquim de Macelina num tenho medo de ninguém.

Mané Tubia: só de mané mago né? Eu vi o note que tu deu lá ditraz daquela moita.

Joaquim: tu num tem medo de morrer não cabra? (diz segurando o gago pela gola da camisa)

Zezim Pequeno: dexem de bestage os dois e vamo caminha que o só ta até camarada com nois.

(caminham um pouco mais rápido e olhando pra frente)

(passam as horas e o sol fica mais apino)

Mané Tubia; que fome danada home vamo vê o que foi que Gerusa arrumo pra nois?!

(abrem a sacola e vêem o que está metido lá dentro)

CONTEUDO DA SACOLA:

Um punhado de farinha embrulhado em papel, meia rapadura enrolada num pano e um punhado de fubá num outro embrulho.

Joaquim: que cabra mais covarde. Mandá só isso pra nois cume ele ta achando que Juazeiro é Boa Esperança? Que nois vai num de manha e vorta de tarde?

Mané Tubia: que caba mais safado?! Essa poiquera só dá uma merenda.

Zezim pequeno: que merenda só faz a fome cresse e o pio é que minhas tripa já tão cumenu uma as outra.

Mané Tubia: Mas vamo cume logo. Da o fubá.

Zezim Pequeno: eu como a rapadura que é pra alembra da minha querida Justina. (enfia a mão no bolso e pega um retrato bem amassado e fica olhando e roendo a rapadura)

(o gago pega da mão do doido o papel e diz)

Mané Tubia: mas ela é só uma menina?

Zezim Pequeno: essa fotografia é antiga. Ela hoje é uma muié lindra de morrer.

Joaquim: é a fia do delegado? Aquela mais veia? Parece inté um bicho de tão feia.

Zezim pequeno: feia é a morte e tu vive cassano ela.

Mané Tubia: vamo comer ligero pra pode sair logo!!!!

Zezim Pequeno: é meio isperá o só isfria pra num queimá a mulera.

Joaquim: e tu acha que o só vai isfria ele vai é esquntar mais.

(diz colocando o chapéu na cabeça com mais força que o normal)

(os outros levantam e o gago fica sentado ainda engolindo fubá e ao ver os companheiros saindo levanta e vai atrás deles correndo)

Parte 04

CENARIO:

Ao entardecer no meio da estrada próximo a uma arvore.

(joga uma esteira ou panos no chão)

Joaquim: vamo drumi logo! Pra levantar mais cedo que dé.

Mané Tubia: mas to cum fome/

Zezim Pequeno: a cumida já foi todinha na hora de mei dia. Agora é drumi pra isquecê a fome.

(deitam e ficam olhando pro céu começando a ter estrelas.)

(dormem)

Joaquim: (segurando a faca junto ao corpo) (barulho de gente falando) quem ta ai?

Zezim Pequeno: se fô desse mundo fale por amor de Deus e da Vigi mãe das Candeia.

Mané Tubia: tu já viu aima fala?

(ninguém responde e o Joaquim não dorme mais)

(o dia amanhece e o susto deles três. Dois outros homens dormem a uma distancia relativamente perto deles)

Zezim Pequeno: ispia home tem uns cabra acula drumino quem será que são.

Joaquim: tomara que seja do bando de Lampião ai eu vô me divirti um cadinho assim.

Zezim Pequeno: ai o doido sou eu?

Mané Tubia: mas um de nois tem que ir lá vê quem é eles. Vai lá Joaquim tu num é o valente da historia?

Zezim Pequeno: Valentia dele tem frei.?!

Joaquim: não é que eles tá mais perto de tu home vai lá Mané Tubia eu vô...

Mané Tubia: tua valentia é muito poça home. Eu vô lá.

(se aproxima dos homens que vão se levantando de vagar)

Quem é vocês o que qué?

HOMEM 01: nois num conhece direito essa redondeza. Nossa terra fica muito longe daqui e nois se perdeu do resto do bando!

(o doido diz cochichando)

Zezim Pequeno: eles é do bando de Lampião.

HOMEM 02: não meu senhor, nois num semo do bando de lampião não senhor.

HOMEM01: (cutucando o outro fala) eles tão cum medo seu egua vão aproveita é uma boa chance de viajar de graça e se livrar da enrasca do patrão. Com certeza eles também tão procurano água pro gado do chefe deles. Eles acha e nois ganha a fama.

HOMEM02: na verdade nois num semo do bando de lampião nois semo do bando do Lamparina outro cangaceiro muito famoso no sertão de Pernambuco. E ele está aqui por perto e mando nois percura água pro resto do bando. É meio vocês ajudar nois se não ele vai ficar cum reiva e mata vocês.

Joaquim: eu nunca ouvi falar de nenhum Lamparina, mas se vocês tão falano é até mio ajuda. Mas só se nois puder usar da água que acharem.

Zezim Pequeno: mas nois tamo ino pra Juazeiro do Norte da um recado do nosso chefe. Se nois acha água no camim nois divide tudo?

Mané Tubia: onde ta o resto do bando de vocês?

Homem 01: ta numa vilazinha aqui perto esperando nois vorta.

HOMEM02:Lamparina é tio de Lampião e ta em busca do sobrinho perdido.

Mané Tubia: mas Lampião nunca ando por essas banda. Num deve de ta aqui não senhor.

HOMEM 02:mas Lampião é afiado de meu Padin Pade Ciço. Pode ter vino dá a bença nè verdade?

Joaquim: pode inté sê! Vamo caminhar logo é metade do camim pra chegar a Juazeiro e ainda temo que passar por mais três vila pra chegar lá.

Zezim Pequeno: nois pode vorta daqui ou quem sabe se ajunta a esse bando e ficar com dinheiro que o seu Trajano deu pra nois entrega ao Padin.

Joaquim: cale a boca que eles são cangaceiros e pode rouba o dinheiro do nosso patrão.

(segem a caminhada em silencio)

(ideal seria uma trilha sonora de benditos dos romeiros, por exemplo, o da Mãe de Deus das Candeias)

PARTE 05

Cenário:

Uma pequena capelinha com um cruzeiro e uma arvore na frente

PERSOAGENS PRESENTES NAS CENAS:

Joaquim, Mané Tubia, Zezim Pequeno, Homem 01, Homem 02

Joaquim: cheguemo a Juazeiro. Num achemo água em lugar nenhum. Mas quem sabe aqui com a ajuda do meu Padin nos não ache água, pelo menos uma librina pra risfria a terra.

Zezim Pequeno: nem incrontemo com o tão do Lamparina. Nem com o resto do bando dele. Onde é que ele ta?

Homem 01: na verdade nois tamo aqui pra percura água pro gado de Seu Misaé o dono da fazenda Oio d’água.

Joaquim; você ta dizeno que inganô nois tudo com essa mentira? Tu num tem veigonha duma coisa dessa não? Eu devia tira teu coro com um pexera cega seu cabra sem futuro, vagabundo de maica maio!

Mané Tubia: dexe de bestage home nois já cheguemo a Juazeiro. Foi impais a viagem e graças a Deus cheguemo.

Homem 02: é bem verdade. O Pade deve de ta na capela. Vamo percura ele por lá.

(começam a caminhar de novo e quando chegam debaixo da arvore vêem um clarão e em seguida um trovão que ressoa e olhando pro céu vêem as nuvens carregadas se aproximando, começam a se animar e a cantar de alegria.)

Começa a chover e eles começam o caminho de volta com alegria todos a festejar pela estrada.

Toca apenas a melodia da Musica Asa Branca e um narrador recita o cordel que serviu de base para o filme.

Fim do filme!!!!

Cordel.

Valei-me meu padin

Num ano seco

Seco que nem língua de papagai

Água do açude no porão

Na poeira seca o juá cai no chão

O gado berrando, chorando

Na estrada os cordão de gente

Se arribando do sertão.

No Ranchin

Dava pena de vê

O pobe do milho nem pode crescer

O feijão engurujano

A rama secano

E o patrão enfesado

Repetia na varanda:

“valei-me meu São José

Mandai chuva o tanto que dé

Valei-me meu Padin

Me amostre um camin!

Separo três cabras de sua confiança

Um cabra valente

Um gago inganjento

Um doido piuoiento

Se dizendo apaixonado

Pela filha do delegado

“¬vao lá no meu Padin

Pode dizer, que eu mandei pedir

10 toes de chuva

Pra terra esfriar

E meu gado se animá.

Se arrancaro na 1ª hora do dia

O gago i nfezado

O v alente afregelado

O doido apavorado

Repetindo aguniado

“¬prometo Justina

Quando eu vorta

Com eu teu pai vai deixa tu cazá!”

Era triste de ver

A terra naquele padecer

A cada passada

A poeira tapava

O sol queimava

O carão cantava

O gago repetia:

“¬valei-me Vixe Maria!”

Já tava perto da mei dia

A fome começava a se incosta

O valente abriu o borná

Nem dava pra acredita

Faz inté veigonha de fala

Tinha meia rapadura

Dois punhado de farinha

E um cadinho assim de fubá

Aquilo só faz a fome aumenta.

Debaixo dum pé de juá

Sentaro pra se alimenta

O gago a teima

O valente a recrama

E o doido a reza

E a danada da fome a aumenta

Agora era só esperara o sol esfriar

Pru mode continua

Mas que esfriar?!

O chão ficou tão quente

Capaz inté de um ovo estralar!

“¬É mio continua!”

Dizia o doido olhando o retrato de Justina

O gago arrebatô

“¬mamamá é só uma memenina!!

O valente repisou:

“¬deixem de bestage

Juazeiro fica é longe

E nois num tamo nem na metade do caminho

O doido animado

“¬e se daqui nois vortá?

O valente

“¬é mio nem pensa

É capaz inté de o patrão lhe matar!”

Caminharam inté escurecer

E o doido a dizer

“¬hoje de noite o negocio vai feder!”

Jogaram as esteiras

E ficaram olhando as estrelas

A caatinga seca

Um escuro de meter o dedo no olho.

No meio da escuridão

Um barulho se escutou

O valente puxou a pexera

Se levantou e gritou:

“¬quem está ai?”

O doido com medo

“¬se for desse mundo se amostre!”

E o gago:

“¬desde quando assombração fala?”

Mas o silencio continuou.

Quando o dia clareou

Num dava duas braças

Dois cabras darumia

As roupas em estado de desgraça

Mago só as carcaças

Mas quem se atreve

A percura

Quem aqueles dois cabras será?

O gago dizia

“¬valei-me Vixe Maria!”

O doido chorando:

“¬é os cabras de Lampião!”

O gago repetia

“¬diga isso não!”

O valente:

“¬e está feita a bagaceira

Com eu nem Lampião pode!”

Mas os cabras

De Lampião não era

Valentia quem dera

Os cabras mais medo que eles tinha.

Mas o medo passou

Quando um deles falou

Eram outros dois retirantes

Por ordem do patrão

A procura de água no sertão

“¬me adiscuipe o susto companheiro

Podemos na viagem lhe acompanhar!”

Andaram que nem má noticia

Olhando a rama seca da maliça

E as carcaças no sol a secar

Parecia inté que o mundo ia se acabar

Mal avistaram a ccapela

O trovão retumbou

O relâmpago clariou

E chuva no sertão chegou!

Aglae Diniz
Enviado por Aglae Diniz em 06/09/2012
Código do texto: T3868686
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