A garota que guardava gotas de orvalho [1ª VERSÃO]

(Atenção! Esse texto tem três versões diferentes, cada uma se focando em um personagem e uma história. Essa é a primeira versão, com uma média de seis páginas, e é a única versão que contém diálogo entre os personagens. Nessa versão, o personagem principal é Dan, um garoto com problemas por causa da sua vida complicada. Ele conhece uma garota que o salva, e faz com que ele salve a sua mãe também, que tem uma forte depressão.)

Certo dia, Dan resolveu viajar. Quis largar tudo por alguns instantes e sentir a areia em seus pés, o sol em seu rosto e o som das ondas. Queria ir à praia. Queria sentir o calor depois de tantos dias seguidos usando agasalhos em meio àquele frio congelante que se fazia na cidade. Ele queria também ver visões diferentes dos quais estava acostumado. Não queria mais ver aquelas luzes dos prédios. Ele queria ver apenas a luz da lua e o brilho das estrelas.

Pegou um ônibus no meio da noite, onde se apagou de todos seus pensamentos a partir de músicas que escutava com seus fones de ouvido. Quando chegou, já era o começo da manhã. Dan foi logo em um pequeno bosque que frequentava com seus pais quando era pequeno. Pais que agora estavam divorciados e vivendo suas vidas. Seu pai agora estava vivendo sua vida com outra mulher. E com isso, nunca mais se importou em visitar seu filho. E sua mãe fumava frequentemente e bebia aos finais de semana, além do fato de chorar escondida aos cantos devido a uma forte depressão. “Eu estou cansado da minha vida”, pensou Dan. Eram seis da manhã, e Dan se sentou na grama para olhar a paisagem, naquele bosque do qual visitava e se divertia quando era criança. Agora, tudo que lhe restava era ficar sentado, relembrando de um momento de sua vida em que já havia sido feliz. Com vários pensamentos misturados em sua mente, Dan se assustou com um barulho que se fazia naquele campo. Parecia ser sons de passos se aproximando. Então Dan, que não queria conversar com ninguém, se levantou e se afastou rapidamente de lá. Porém, aqueles sons haviam sumido, e com isso, Dan olhou para trás para ver se havia alguém lá. Uma garota de cabelos loiros ondulados estava sentada ao lado de uma folha, deixando as gotas de orvalho cair em um objeto do qual Dan não conseguiu identificar. A garota olhou diretamente para o rosto de Dan, que saiu correndo assustado. Ele se perguntava o que a garota estava fazendo, e começou a rir sozinho, imaginando que ela era maluca. Mas apesar de tudo, Dan não queria nenhuma confusão naquele dia, então resolveu finalmente ir à praia e tirar um cochilo.

Depois de algumas horas, acordou com o sol escaldante queimando todo o seu corpo. “Era disso que eu estava precisando”, pensou. Resolveu almoçar em um quiosque e depois deu um mergulho no mar, que nunca havia parecido ser tão refrescante em toda a sua vida. Contente por se sentir livre de certos pesos em sua mente, Dan fez o que tanto planejava: ficou sentado na areia, ouvindo o som do mar e sentindo o calor do sol. Dan queria fazer isso para não pensar em nada, porém, ele não conseguia parar de pensar em como a sua vida tomou àquele rumo. Dan, totalmente confuso e cansado, com seu olhar perdido na planície ampla que se estendia à sua frente e com seu pensamento totalmente distante, percebeu, bem ao longe, uma garota. Era a mesma garota que havia visto no campo. Ele percebeu que a garota loira, de cabelos longos e ondulados, era bastante baixa, e parecia bem mais nova que ele. Mas por que aquela garota chamou a sua atenção, naquele momento tão distraído? Com pouco tempo que observava a garota, Dan reparou que ela estava recolhendo várias conchas que estavam na beira do mar, e as guardando nos bolsos de sua saia. “Talvez ela goste de conchas”, Dan pensou, apesar de não entender porque ela estava fazendo aquilo. A garota recolheu algumas conchas e depois, saiu correndo para longe da praia. Dan sentiu vontade de correr atrás dela e entender o que estava acontecendo, mas estava muito cansado para isso. Ele queria mesmo era descansar.

Já era tarde da noite e Dan resolveu ir embora. Ele estava muito cansado e sentiu que aquela viagem não lhe fez tão bem como pensava. Mas a culpa foi o fato dele ter pensado demais. Dan queria se livrar de seus pensamentos por um instante, mas seus pensamentos ficaram girando ao seu redor. Dan pegou o ônibus, xingando o mundo por ter que voltar à sua casa e ainda estar se sentindo do mesmo jeito. Sentado no banco do ônibus, Dan deitou a cabeça na janela e cochilou.

Após algum tempo, Dan acordou, pois sentiu alguma coisa batendo em seu pé. Era uma concha. Ele a pegou, e nela estava escrito: “Você sabe onde me encontrar”. Dan entrou em desespero, pois sabia que aquilo pertencia à garota que colhia conchas. Dan desceu completamente ofegante do ônibus e foi correndo até o bosque. Lá, encontrou a garota, que estava regando algumas flores no meio da noite.

- Quem é você? Por que me mandou vir até aqui? Como deixou aquela concha no ônibus? – perguntou Dan, desesperado

- Não se preocupe. Não há com o que se preocupar. Você não precisa ter medo. – disse a garota, serena

- Medo do quê?! – Dan olhou para o lado e viu várias conchas fechadas em um canto – O que são aquelas conchas? Por que você gosta de conchas?

- Me desculpe por ainda não poder lhe dar essas respostas. Você... Poderia esperar comigo?

- Esperar o quê?

- O amanhecer. O orvalho nas plantas.

- Ah, eu me lembro bem! Você estava guardando o orvalho, não estava?

- Sim. Garanto que entenderá tudo ao amanhecer. Por isso... Você pode esperar comigo? Você pode dormir se quiser.

- Mas por que eu tenho que entender alguma coisa?

- Porque você precisa entender. Você não viajou para ter alguma solução? Ou quem sabe alguma paz, nem que fosse passageira?

- Como... Como você sabe disso?

- Sei que não adiantou. Você ainda está atormentado. Por isso precisa esperar. Por isso precisa entender.

Dan não disse mais nenhuma palavra e se deitou na grama confuso, olhando para o céu, esperando a hora em que ele poderia entender tudo que estava acontecendo. Ele acabou adormecendo e acordou com a garota empurrando seu ombro.

- Ei! Já está na hora.

- Ah sim... – disse Dan, sonolento – O que vamos fazer mesmo?

- Eu vou guardar o orvalho, se lembra? Você poderia pegar aquelas conchas para mim? Preciso enchê-las.

- Tudo bem... Mas, quantas conchas você vai encher? – disse Dan, pegando as conchas

- O máximo possível.

- E para quê você guarda o orvalho nas conchas? – perguntou Dan, entregando as conchas para a garota

- Obrigada. Você sabe... Há um poder misterioso nessas gotas de orvalho. Tenho que guardá-los para pessoas que precisam dele.

- Poder?

- Sim. Ele cura qualquer ferida.

- Não estou machucado.

- O seu coração está cheio de feridas. Feridas de uma vida confusa, da qual você mesmo não consegue entender. Isso nunca irá se curar sozinho. Não adianta fugir. Mesmo se você não voltar para a sua casa, a sua assombração sempre irá te perseguir. Por isso, você tem que se livrar disso. E só existe uma solução.

- Como você sabe de tudo isso da minha vida? E do poder do orvalho?

- Entenda... Eu já fui em vários bosques, e apenas este orvalho tem esse poder. Já fiz vários testes. Mas por favor, não me pergunte como sei sobre todas essas coisas. Não me pergunte como sei todas essas coisas sobre você, e sobre tantas pessoas com dificuldades. Afinal, não sei dizer nada sobre mim. Tudo que me lembro é de acordar nesse bosque todos os dias no horário em que o orvalho começará a cair, e que o guardo nas conchas, das quais sempre recolho no dia anterior.

- Você não sabe quem você é?

- Não. Já tentei usar o poder do orvalho comigo para curar minhas feridas e descobrir quem eu sou... Mas ele não funciona comigo. Sinto que sou parte daqui. Da natureza. Sinto que minha função é ajudar aqueles que precisam. Por isso, sei das histórias de pessoas que precisam de ajuda e tento salvá-las. Afinal, somente eu sei o poder desse orvalho. Nunca contei para ninguém. Apenas ajudo as pessoas, e deixo-as acreditar que é uma força desconhecida.

- E agora? O que você vai fazer?

- Vou te curar. – disse a garota, guardando o orvalho na última concha e a fechando – Faça uma concha com as suas mãos. Junte-as.

- Assim? – Dan juntou suas mãos

- Exatamente. Agora vou colocar o orvalho em suas mãos. Quero que feche seus olhos, esqueça de absolutamente tudo à sua volta, e que pense nas suas feridas que você deseja curar, e então lave seu rosto com o orvalho. Depois disso, abra os olhos e respire fundo. E viva sua vida. É simples.

- Apenas isso?

- Sim. Ah, não... Espere. Sempre que algum momento de tristeza vier em sua vida, e lágrimas surgirem em seu rosto... Guarde-as nesta mesma concha da qual irei usar o orvalho em você.

- Está maluca?! Guardar lágrimas aí?

- Sim. Depois, feche a concha e coloque-a em um lugar que bata bastante sol e vento. No outro dia, ao abrir a concha, ela estará seca. E suas tristezas terão ido embora.

- Isso não pode ser verdade.

- É uma solução eterna para as feridas. Acredite em mim. Posso não saber quem eu sou, mas sei que isso funciona. Agora, por favor, gostaria de lhe explicar mais uma coisa. Apenas as pessoas com dificuldade conseguem me ver. Quando estiver curado, não conseguirá mais me ver, e talvez, nem se lembrará mais de mim.

- O quê? Por quê?

- Eu não sei. Existem várias coisas que eu não sei. Eu poderia ficar o dia inteiro as contando para você, mas tenho que salvar mais pessoas ainda, mesmo sabendo que não posso ir muito longe.

- Não pode ir muito longe?

- Sim. Você se lembra quando eu lhe disse que sinto como se eu fosse parte deste bosque, desta natureza? Estou presa neste lugar. Quando fico muitas horas longe daqui, sinto falta de ar, ressecamento em toda a minha pele e sensação de que irei embora deste mundo. Não posso permitir que isso aconteça. A minha função é salvar as pessoas... Por mais que eu não possa salvar a mim.

- Isso não é justo!

- Agora, por favor, deixe-me salvar você. Faça a concha com as mãos e apenas agradeça a minha ajuda. Para mim é mais do que suficiente.

- Não... Espera! Você merece uma companhia aqui com você e...

- Dan. – a garota o interrompeu – Por favor, junte as mãos.

- Eu não quero deixar de te ver. – Dan juntou as mãos

- Por favor, quando sentir alguma tristeza, guarde-a em sua concha e faça o que lhe expliquei. Eu irei guardá-la em seu bolso. – a garota jogou o orvalho que estava guardado na concha nas mãos de Dan – Agora feche os olhos e faça como lhe expliquei.

- Tudo bem.

- Adeus, Dan.

Dan automaticamente fechou os olhos, esquecendo de tudo que havia acontecido até aquele momento naquele bosque, e pensando em todas suas feridas que queria que se curassem. Quando Dan abriu os olhos, estava deitado no chão, como se tivesse acordado de um sonho. A garota estava bem à sua frente, e ele conseguia enxergá-la.

- Então... Foi tudo um sonho? – Dan perguntou

- Você ainda consegue me ver. Você realmente é uma pessoa especial. Agora vá, Dan. Vá viver a sua vida. Não perca seu tempo aqui comigo.

Dan estava totalmente confuso, tudo estava girando ao seu redor. Sentia-se completamente fraco. Ele fechou os olhos e após alguns minutos os abriu, sentindo como se tivesse acabado de acordar. A garota não estava à sua frente. Ele estava sozinho no bosque, deitado e confuso, se perguntando por que estava lá.

- O que estou fazendo aqui?! Por que estou deitado na grama? Eu não estava indo embora? A última coisa que me lembro é de estar no ônibus indo para casa!

Dan foi embora de lá, confuso e desesperado. Porém, seus pensamentos não estavam o incomodando com lembranças ruins e ele estava se sentindo bem. Dan pensava que aquela viagem realmente havia sido boa a ele. Quando ele chegou a sua casa, sua mãe estava no canto chorando e fumando um cigarro.

- Mãe, cheguei.

- Está de volta da viagem, meu filho? – disse sua mãe, enxugando as lágrimas – Sinto muito de você me ver neste estado.

- Já estou acostumado.

- Venha. Venha me dar um abraço. Senti tanto a sua falta! – disse sua mãe, com lágrimas nos olhos

Neste momento, Dan a abraçou e colocou uma mão em seu bolso e pegou duas conchas. Ele se lembrou rapidamente de que ele teria que guardar suas lágrimas lá sempre que elas surgissem. E se lembrou também, de que a outra concha era para a sua mãe. Sendo assim, ele se lembrou de tudo. Ele se lembrou da garota que havia conhecido e de tudo que ela contou. Ele se lembrou que a garota disse que daria uma concha a mais para ele, para que ele pudesse curar sua mãe. Ela comentou que não podia ir tão longe do bosque, então era Dan quem devia fazer isso. A garota sabia da depressão da mãe de Dan. Dos choros pela manhã nos cantos da casa, do álcool nas madrugadas do sábado e dos cigarros que ela fumava sempre que precisava respirar. Então Dan, ao se lembrar de tudo isso, ensinou à sua mãe como curar suas feridas. Sua mãe não acreditou no começo, mas Dan disse que iria embora, e que ela precisava se curar para conseguir viver sozinha. Dan disse que havia conhecido uma garota muito solitária e que precisava fazer companhia a ela. Pois ela havia salvado a sua vida, e ele era eternamente grato por isso, e que queria sempre estar ao lado dela. A mãe de Dan estava confusa e sem saber o que fazer, mas resolveu acreditar em seu filho. Enquanto Dan fazia as malas, sua mãe apareceu em seu quarto com um sorriso, o abraçando e agradecendo pelo o que ele havia feito. Ela estava se sentindo muito bem, até havia tentado fumar um cigarro e sentiu enjôo. Dan se sentiu muito feliz por isso, e ele já se sentia muito feliz há muito tempo, pois a garota o havia curado. A garota era a salvação dele. Dan abraçou sua mãe e prometeu visitá-la. Depois, foi correndo com suas malas pegar o ônibus para a praia. Ele seguiu a viagem sem conseguir dormir, pois não conseguia parar de pensar na garota. Ele aparentava estar apaixonado, e acreditava que a magia na verdade não era do orvalho, e sim da própria garota. Com tantas palavras, ela acabou o salvando, a partir da sua fé nele. Ele só precisava de alguém que acreditasse nele.

Ao chegar à praia, Dan foi correndo para o bosque, com um grande sorriso em seu rosto. Ao chegar lá, todas as plantas estavam mortas e uma grande quantidade de conchas abandonadas estava no chão. Dan não acreditava no que estava diante de seus olhos. Aquele lugar estava morto, e isso significava que a garota também não estava mais lá. Dan entendeu tudo, com lágrimas nos olhos. A garota tentou ir mais longe, tentou fugir daquele bosque para ter uma vida própria, pois não queria mais estar presa lá. Ela ficou muito tempo longe do bosque e não conseguiu sobreviver, pois realmente aquele lugar pertencia a ela e vice-versa. Dan começou a chorar, sem saber o que fazer. Foi então que ele fez a única coisa que a garota pediu que ele fizesse: guardar suas lágrimas na concha e deixá-la no sol e no vento. Depois de deixar a concha no sol, Dan acabou dormindo. Ele imaginava que no outro dia iria haver soluções, que suas feridas seriam curadas. Ao acordar no dia seguinte, Dan abriu os olhos e se virou para pegar a concha para ver se realmente estava seca por dentro, e então se deparou com a garota. Ela estava sentada na grama em sua frente, sorrindo.

- Você realmente está aí?! – disse Dan, enquanto corria para abraçá-la

- Eu havia ido embora para tentar te encontrar, pois estava me sentindo muito sozinha sem você. Eu nunca havia me sentido sozinha antes. Isso só aconteceu porque você não estava por perto. Eu senti sua falta. Então fui embora e acabei ficando fraca a ponto de acabar com este bosque e com a minha própria existência. Mas você me salvou. Suas feridas foram salvas, assim fazendo com que eu voltasse, já que suas feridas existiam pelo fato de eu não estar mais aqui.

- Então... Foi tudo um sonho? – disse Dan, brincando

Os dois sorriram, em meio à natureza que voltava a nascer novamente.

Pamela Napoli
Enviado por Pamela Napoli em 06/09/2012
Reeditado em 07/09/2012
Código do texto: T3868169
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