Góticos

A lua cheia fora encoberta pelas nuvens negras que anunciavam uma madrugada de chuva. As ruas do cemitério ficaram mais escuras. O som de botas militares e de saltos altos quebraram o silêncio que ali reinava. Ana Bella tremia o queixo - a ventania fria a incomodava, de braços cruzados olhava para os cantos escuros das ruas por entre as tumbas, covas, mausoléus e epitáfios que lhe despertavam olhares -, lia-os com admiração- " aqui jaz um homem que gostava de viver feliz" - dizia um deles.A respiração difiícil - era áquela noite do seu batizado.

- Ta frio, e escuro, nossa que coisa...

Observou - parecia estarcom medo e com uma pinta de arrependimento por ter aceitado o deseafio de ter que passar algumas horas no cemitério. O frio era de inverno. As ruas do cemitério eram de bréu amedrontador. Parecia estar sendo observada do escuro, tinha a sensação. Foi quando eles saíram de trás de um mausoléu imponente, muito bem decorado, de pura ostentação. Uma voz gutural, porém, jovial, falou :

-Ser gótico é gostar da morte, da escuridão e de locais onde os simples mortais não suportam.

Disse-lhe, alguém do grupo. Eram em número de quatro. Duas meninas e dois meninos, e ela, a iniciada no movimento Gótico da turma X-13, da escola Nossa senhora das Dores. Na verdade, na porta da sala estava escrito, originalmente X-1, um dos góticos acrescentou o número 3 para criar clima.

-Tem que gostar da morte, do escuro, de coisas sombrias...pinturas escuras em volta dos olhos, batom roxo. Adorar a noite. Ver filmes no ir.

-É isso...

Disse Maria, umas das que se vestia de preto, batom preto e sombras pretas nos olhos. cabelos lisos e em desalinho. Roupa preta com um par de botinhas, também pretas. Uma caveira de broche no casaco.

- Beba um pouco do vinho que trouxemos para esquentar, criar um pouco de coragem. talvez, volte e possamos, quem sabe ter um lance de beijo e mãos bobas em cima de uma tumba.

Dissera assim, com malícia e rindo. O grupo lhe deu as costas.

Ficara firme no seu propósito - observando o pequeno grupo indo embora, deixando-a entregue à própria sorte por entre covas. Morcegos davam vôos rasantes pela sua cabeça e o vento uivante era a sinfonia para o batizado de coragem e de conquista daquelas amizades. Quando escutou o ranger do portão do cemitério e sentiu que os futuros amiguinhos se foram, quando se viu sozinha entre os mortos deu descabelada carreira, gritando:

- Esperem por mim, não me deixem aqui sozinha, tenho medo, só quero a amizade de vocês. Não quero se gótica.

A voz baixa, havia a vergonha em demonstrar medo, insegurança.

O grupo ja havia dobrado a esquina e o a corrente do portão estava embolada, dificultando a abertura do mesmo. Suas mãos nervosas tentaram, em vão. Ficou ali observando a rua escura defronte ao cemitério. Andou em direção ao interior do cemitério. " tenho que ser forte, os mortos não incomodam a ninguém". - Disse para si.

Duas horas depois, o grupo volta para o cemitério.

- No meu tempo foi diferente.

Observou Maria, mascando o chiclete, e correndo umm olhar malicioso para os seios dela, que se revelavam no decote generoso.

- O portão ficou aberto e fui logo pra minha casa. - Complementou.

- Enrolei a corrente nos portões meio sem querer. Ficou embolada.

Disse Zacarias.

Todos a abraçaram, estava dado o batizado.

- Agora, você é uma gótica, uma de nós.

A lua cheia desaparecera do céu. Caía uma chuva torrencial - nuvens negras, góticas a encobriram.

Procuraram abrigo na fachada de um mausoléu. Maria se posicionou por trás dela e a braçou pela cintura. Ela sentia a sua respiração morna no seu pescoço, o coração disparou, a respiração ficou acelerada. Zacarias deu uma risadinha cínica. Abraçou uma das meninas e deu um beijo longo na boca.