SUNSET: Breaking Down / Capítulo 6 - O que não te mata, fortalece.

6 – O que não te mata, fortalece.

What doesn't kill you makes you stronger – Bella's Perspective

Chovia – não como em Forks, incessantemente, apenas chovia. Os barulho dos pingos de chuva no para-brisa me transportaram de volta aos velhos tempos. Coloquei meu CD de “dia de chuva” no player do carro – a primeira música era Angus and Julia Stone “Take you away”. Contei os dias que faltavam para as primeiras férias de Edward conosco. Renesmee e Jacob dormiam como duas crianças no banco de trás. Eu desejei poder dormir como esses dois por um momento – suas respirações em compasso, a confiança de poder fechar os olhos e fugir desse mundo, talvez para um lugar melhor, onde todos os sonhos eram possíveis.

Como num piscar de olhos, esses cinco últimos anos passaram voando. Tanta coisa mudou, e tanta coisa permaneceu no mesmo lugar. O homem tem uma capacidade incrível de se adaptar, de se curar, isso eu aprendi nos meus anos de Medicina. Aprendi também que a fé humana opera milagres, quando um paciente se sente desesperançado, ele pode sucumbir pelo cansaço da batalha, mas quando uma pessoa acredita no melhor, mesmo contra as piores probabilidades, se ela tem amor, apoio, esperança, ela pode lutar contra as doenças mais devastadoras. Trabalhar no Hospital nesse último ano ao lado de Carlisle havia me ensinado muita coisa, e com o tempo, sem querer, eu realmente o chamava de pai na frente dos outros.

De acordo com a história que Alice havia arquitetado com Jasper, os Masen eram uma família composta de seis membros: o pai, Charles Masen, médico do Hospital Universitário, professor e mentor; Anne Plat Masen, arquiteta e ativista das causas impossíveis na cidade, boa samaritana e mãe impecável; o filho mais velho, Ethan, ex-jogador de futebol americano na universidade e dono de uma oficina de carros com seus melhores amigos, Frank Withlock e Jacob Black, e noivo da belíssima Lilian Whitlock, irmã mais nova de seu amigo; e mais três belíssimas filhas, Mary Alice, mais velha e agitadora dos grandes eventos sociais, ligada ao mundo da moda e promissora estilista; Marie Isabella, estudante de Medicina, tímida, inteligente e retraída; e Mary Elizabeth, ou como eles sempre a chamavam, Bessie, da qual pouco se conhecia.

Eramos verdadeiras celebridades na cidade, mesmo sem querer atrair olhares alheios. Infelizmente, a nossa condição de vampiros nos destacava entre os demais sem esforços, exercíamos um poder de atração muito forte nos humanos, mesmo sem querer. Por diversas vezes, recebi flertes e convites indesejados, até mesmo de pessoas com as quais nunca conversei. Meus professores, colegas e pacientes me amavam sem esforços, e era muito difícil conseguir manter as pessoas à distância. Porque Carlisle tinha Esme, Emmet tinha Rosalie, Jasper tinha Alice, e até mesmo Renesmee tinha Jake, era mais fácil para eles, ninguém ousava se entrepor entre casais tão perfeitos – mas eu não tinha ninguém.

Eu fui entendendo aos poucos porque Edward era tão amado e odiado na escola em Forks. O poder que ele exercia sobre os outros era indesejado, a atenção não requisitada dos demais, como se todos quisessem um pedaço dele enquanto ele queria apenas um pouco de silêncio. Eu era agora a “Edward Cullen” do departamento de Medicina da Universidade de Victoria. Alguns me chamavam de “dama de ferro”, ou “rainha de gelo”, e apesar da tentativa de muitas pessoas em se aproximarem, eu acabei fazendo apenas uma amiga sincera nesses anos todos. Ela era mais velha, rabugenta e respondona, um ótimo escudo para uma garota que não tinha o menor jeito para dar respostas à altura ou falar “não” para as pessoas.

Madison era mãe solteira, fugindo de um relacionamento falido e uma família problemática do Texas. Eu pude desde o início me sentir à vontade com Maddie. Ela era esperta, sabia o que queria da vida e nos seus dramas de mãe solteira, eu encontrei uma aliada. Por vezes ela me criticava, me assolava e torturava porque eu parecia uma freira, alguém boa demais para estar solteira, ela dizia, tentando me arrastar para festas em repúblicas e baladas nos clubes e pubs da cidade. Maddie tinha dificuldades financeiras, coisa que eu pude ajudar a sanar aos poucos, conseguindo um emprego como auxiliar administrativo na oficina de Emmet até podermos trabalhar no hospital.

Seu sonho era poder voltar para o Texas para poder buscar a filha que havia deixado para trás com sua avó. Ela era muito pequena, tinha apenas três anos quando ela decidiu deixá-la com a avó para tentar a vida no Canadá, e por enquanto não tinha condições de manter um emprego, uma casa, o curso de Medicina e sua filha ao mesmo tempo. Entre financiamentos estudantis e despesas, Maddie se esforçava por manter a cabeça fora d'água. Tanta força, tanta coragem, eram os meus guias nessa batalha que eu travava contra o tempo. Então, basicamente, ela era meu apoio no curso de Medicina, estávamos sempre divididas entre tarefas do grupos de estudos, seminários e plantões no Hospital Universitário.

Eu ri, sem querer. Apesar da distância de Edward, a vida seguia em frente, cheia de surpresas e tesouros. O mundo estava cheio de pessoas fantásticas esperando para serem conhecidas. Eu entendia Esme melhor agora – enquanto o país estava em crise, Esme sempre dava um jeito de ajudar as pessoas, como ajudou a filha de Madison com uma “bolsa de estudos” para uma creche lá no Texas, e com assistência financeira de uma neta desconhecida. Aquelas pessoas agora importavam, faziam parte da minha história.

Aquela cidade agora era minha cidade, os lugares que conheci faziam parte de mim, e eu queria poder dividir tudo isso com Edward. Queria que ele conhecesse as minhas histórias, as minhas lembranças e os meus pequenos tesouros. Infelizmente, contar tudo isso a ele por enquanto não seria possível, porque era o mesmo que dividir os meus segredos mais íntimos com o inimigo. Eu ficava nesse grande impasse entre compartilhar tudo com Edward e permitir que ele penetrasse nos meus segredos e se sentisse parte de tudo, de todos os momentos preciosos perdidos de nossa filha, de nossa rotina segura e feliz – ou permanecer em silêncio, protegendo nossa família das garras dos Volturi, e deixar que o tempo e a distância nos afastasse aos poucos e nos transformar-se em estranhos com nenhuma história em comum.

O player começou a tocar uma música familiar – era uma balada de Edward. O som do piano era doce, e eu me lembrei daquela doçura, tão familiar. Meus dedos inábeis começaram a dedilhar a melodia no volante sem muita coordenação – eu era apenas uma aluna iniciante. Eu pude vê-lo tocando o piano para Nessie dormir, os seus dedos longos, brancos e finos a deslizar gentis pelas teclas, assim como ele os deslizava sobre minha pele, com amor, com poesia – meus dedos logo entraram em harmonia com os dele. Eu sentia falta do homem, do amigo, do companheiro, do amante, do marido, do esteio. Aquela vida não fazia muito sentido sem ele; ao mesmo tempo, esses preciosos momentos que eu tinha todos os dias, os quais eu queria poder compartilhar com ele, só eram possíveis graças ao seu sacrifício. Era assim que eu media o amor de Edward por nós. Uma amor tão grande capaz dos gestos mais nobres. Lembrei daquela linda poesia, que ele costumava recitar para mim antes de dormir, do som da sua voz gentil quando dizia assim...

“Ainda que eu fale a língua dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como címbalo que retine.

Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência;

Ainda que eu tenha tamanha fé ao ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei.

E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres,

E ainda que eu entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará.

O amor é paciente, é benigno, o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.”

Quando Maddie me perguntava pelo o que eu esperava, quando rejeitava os outros caras – que não eram nada além de “caras” – eu apenas suspirava e dizia “eu estou a espera do meu grande amor. Eu sei que ele está em algum lugar, além do Oceano, à minha espera também”.

Às vezes, eu queria poder fechar os olhos e dormir por duzentos anos – mas todo esse tempo seria perdido para sempre, e todo o sacrifício de Edward seria em vão. Então eu me esforçava para viver cada dia intensamente, e concretizar todos os meus planos. Eu agradecia a Deus e a Edward por todos os dias abençoados, pelos ensolarados e pelos chuvosos, pelos desafios e pelas conquistas, pelas pedras no caminho e pelos tesouros encontrados durante a caminhada. Meus dias, portanto, eram ricos e felizes. Eu queria poder um dia compartilhar tudo isso com ele – eu esperaria o tempo que fosse necessário. Jake soltou um ronco rosnado, eu ri. Aquele som era muito familiar, me lembrava das tardes de domingo e as sessões pipoca, assistindo pela décima vez os filmes favoritos de Renesmee até cair no sono, enquanto ela se mantinha acordada e animada no sofá. As estradas de Victoria até o lago Young me eram familiares agora, sem que me desse conta, já havíamos chegado ao lago.

Na verdade, a viagem de Victoria até o lago não era longa, mas eu tomava o dobro de cuidado quando estava com minha pequena no carro – eu não tinha pressa. Esses últimos cinco anos me ensinaram a ser mais paciente. Renesmee havia insistido para irmos ao shopping depois das aulas pois queria muito comprar um presente de boas vindas para seu pai. “Seu pai vai adorar qualquer coisa que você escolher, meu amor”, eu insisti, mas ela acabou se frustrando, sem saber o que comprar, e decidiu pedir ajuda a Alice.

Minha pequena já não era mais tão pequena assim – agora, com cinco anos, já aparentava ter seus doze, quase treze anos. Ela havia sido agraciada com uma ótima genética. Seu crescimento se estabilizou quando “virou mocinha” aos três anos e meio de idade, para o meu horror e desespero, apesar de eu saber o que esperar. Ela ao menos pode entrar numa escola normal. Renesmee tinha amigas humanas normais, e garotos que a idolatravam, era ótima nos esportes e nos estudos. Edward havia perdido tudo isso.

Eu fiquei me perguntando como seria reencontrá-lo depois de tanto tempo. Eu não era a mesma Bella, será que ele ainda seria o meu Edward, depois de tantos anos de influência dos Volturi? Ele avisou de antemão para não nos espantarmos, mas seus olhos estariam vermelhos. Ele fora obrigado a mudar a sua dieta, mas prometeu que obtivera sangue todos esses anos apenas comprado nos bancos de sangue. O que mais teria mudado nele após todo esse tempo? Cinco anos passaram tão rápido, apesar de ter sentido como se tivesse demorado uma eternidade.

Jacob se formaria em breve pela Universidade de Victoria, em Engenharia Mecânica. Ele disse que era uma boa profissão e que poderia dar uma vida digna a Renesmee assim. Apesar do diploma, ele continuaria a trabalhar na oficina que Emmett e Jasper abriram na cidade, pois ele era feliz fazendo isso. Charlie e Billy nos visitavam a cada quinze dias, e o Lago Young, que antes era inabitado, agora possuía muitas casas para recebermos os nossos amigos.

Emmett e Rosalie se dividiam entre a família do Sul e a família do Norte, agora que Benjamin e sua esposa tinham se juntado aos Denali. Jasper insistia que as coisas na Europa não estavam nada fáceis, apesar de Edward sempre dizer que estava tudo bem. Ele não podia me dar detalhes do seu trabalho através das conversas telefônicas.

Ao mesmo tempo, eu não lhe dava grandes detalhes sobre a minha vida na faculdade. O que eu poderia dizer? Eu era irmã da famosa Mary Alice Masen – as melhores festas da faculdade eram por sua conta. Eles sabiam como viver com estilo e aproveitar a vida de estudante. Eu, no entanto, me dividia entre as responsabilidades de mãe e de estudante. Apesar de agora ser dotada de uma memória eidética, não me bastava memorizar os conteúdos. Eu queria ser perfeita, aprender tudo e estudar cada coisa a fundo – mesmo porque, em partes, eu tinha um grande segredo comigo que eu não podia compartilhar com nenhum Cullen. Para tanto, eu precisava dar conta de estudar tudo e entender tudo por minha conta as pesquisas do Doutor Johan – o futuro de Renesmee dependia disso.

“Jake.” eu chamei baixinho, estacionando o carro na entrada de casa ao invés da garagem.

Ele despertou um pouco desorientado, mas se mexeu com cuidado, percebendo que Nessie dormia com a cabeça em seu colo. Olhou para os lados, se localizando.

“Eu preciso pegar a pequena.” Eu disse, já com a porta aberta do carro.

Gentilmente, ele deslizou Renesmee em seu colo e a carregou para o seu quarto no bom e velho estilo “princesa”, tão ágil que nem precisaram de guarda-chuva. Esse era Jake, o herói que toda pequena princesinha merecia para viver um bom conto de fadas. Ele pensava de antemão tudo o que Renesmee poderia precisar, e providenciava. Ela tinha o costume de me mostrar as coisas que haviam acontecido no dia quando eu a colocava na cama – esse era o nosso momento.

Nessie às vezes me mostrava o quanto ela amava quando Jacob a buscava na escola em sua motocicleta prata. Ela dizia para as suas amigas que era o seu “marido” que a buscava, e as meninas ficavam chocadas e verdes de inveja. Ele nunca tirava o capacete, então elas provavelmente não sabiam que ele já aparentava ter os seus vinte e cinco anos. Ela adorava passar as horas na oficina de seus tios depois da escola, até dar a hora de eu sair da Universidade e ir buscá-los. Renesmee fazia as vezes de secretária, e se sentia muito importante trabalhando e auxiliando a sua família.

Emmet, como sempre, a mimava como uma filha. Por vezes, Rosalie e ele a levavam para jantar em algum lugar e faziam de conta que ela era a filha deles. Era a coisa mais graciosa e divertida ver como Renesmee se comportava, como uma verdadeira bonequinha. Nessie era toda pureza e meiguice, eu me sentia muito feliz de poder compartilhar com toda a família deste tesouro. Renesmee não conhecia a maldade, por isso eu tinha muito medo por ela também. Por isso eu era grata por ter Jake ao nosso lado – eu sabia que ela não conheceria o medo ou a maldade neste mundo perfeito em que ela vivia, onde não havia fome e miséria, um reino encantado onde as pessoas não morriam.

Às vezes eu me sentia um pouquinho de fora dessa relação deles, afinal de contas, desde o primeiro dia de sua vida, ela o tivera ao seu lado, lhe protegendo. Crescer com um amor tão forte assim eram muito complicado e muito precioso ao mesmo tempo. Sem Edward, eu ficava imaginando como ela cresceria sem uma figura paterna, mas na verdade, Renesmee tinha ao mesmo tempo muitos pais e muitas mães. Ainda sim, eu tinha preciosos quinze minutos todos os dias, quando a colocava na cama para dormir. Eram os meus quinze minutos, onde ela era só minha, onde compartilhávamos todos os nossos segredos, descobertas e sonhos.

Essa nossa rotina só era quebrada nas noites de plantão. Nesses dias, Rosalie era responsável por levar os dois para casa. Ela dirigia o meu carro, explicando que não suportava o cheiro que o cachorro deixava no carro. Ela sempre competia com ele pelas atenções de Nessie, que se desdobrava para atender os dois por igual. Depois, era Emmet que a colocava para dormir, com história mirabolantes que misturavam contos de fadas numa salada de fruta muito divertida.

Fui para o quarto me secar. Jake já havia se acomodado no sofá-cama do quarto de Renesmee, que eu providenciei justamente para ele – uma exigência dela mesma quando redecoramos ao desmontar o berço. Jacob sentia mais segurança dormindo perto dela, porque ele podia “monitorar os sinais vitais” dela a noite inteira, era o que ele argumentava. Além disso, a cabana no lado era muito barulhenta, cheia de entra e sai de lobos, em trocas de turnos. Não houve um dia sequer que o grupo de Jacob não houvesse varrido as florestas ao redor numa ronda preventiva. De dia, os meninos revesavam o trabalho na oficina – uma forma da família não ter empregados estranhos que interferissem na nossa rotina. Era mais fácil proteger o segredo da família sem pessoas de fora, ainda mais quando se trabalha numa oficina onde os carros era levantados com a força de dois braços, ou se trabalhava numa velocidade sobre-humana.

Tranquei a porta do meu quarto e peguei o notebook do Doutor Johan, que guardava debaixo da cama. Eu tinha um esquema de segurança ultra secreto – uma caixa cheia de coisas da minha antiga vida, memórias de humana, escondiam a bolsa de lona do doutor, com o notebook e o livro-diário dele, que eu lia com muita dificuldade. Algumas partes eram escritas em alemão arcaico, outras em inglês, italiano, eslovaco, egípcio e até português. Eu fiz diversos cursos de línguas estrangeiras a princípio, na tentativa desesperada de decifrar aquele enigma, mas eu percebi que eu precisaria de muito tempo e preparo, então eu decidi que teria todo o tempo do mundo para cuidar disso. Às vezes eu lia o diário, apenas para me fazer companhia, ou para poder entender melhor como um homem com boas intenções chegou à loucura daquele jeito.

Eu sabia que ele conhecia os Volturi antes de Aro, Marcus e Caius subirem ao poder. Ele era a mão direita do antigo Rei Theodoric, mas por questões desconhecidas, algo deu errado e ele se virou contra o rei. Depois ele foi traído pelos Volturi, e fugiu. Zafrina me ajudava com o português, então eu conhecia a sua vida desde quando ele viveu em Portugal. Doutor Johan adotou outro nome, conheceu uma mulher, e juntos eles começaram com as experiências com damphyres.

Continuei folheando o diário, treinando o meu alemão, tentando decifrar e traduzir a caligrafia horrível à pena e tinta no meu notebook. Seria tão mais fácil se eu pudesse pedir ajuda a Carlisle ou Edward! Eu já teria terminado de traduzir tudo, mas eu tinha de proteger o livro. Alice havia dito que o livro de couro marrom era importante, e não deveria cair em mãos erradas. Eu era agora a guardiã deste segredo, o qual apenas confiei a Zafrina por saber da imensa distancia que ela mantinha do velho mundo. Ela nunca havia encontrado Aro ou os Volturi antes da batalha em Forks, e ela queria que as coisas continuassem assim.

Já era quase meia-noite – hora de ligar para a Zafrina. Isso fazia parte da minha rotina secreta. Quase todos os dias eu ligava para ela nesse horário, pois já seria quase cinco horas da manhã. Às seis ela sempre saia pra vistoriar os pastos e cuidar do serviço na fazenda. Apenas o seu capataz acordava mais cedo, e assim que ele deixava o quarto para cuidar dos serviços de direito, nós duas tínhamos alguma privacidade para conversarmos.

Eu já estava online no Skype esperando pela sua chamada. Nós duas tínhamos contas de usuário com nomes falsos, e sempre trocávamos de contas para uma comunicação segura. Eu também tinha dois celulares, um para a família, outro com uma linha pré-paga, sem nome, para me comunicar sem deixar rastros. Não havia nada que me ligasse a Zafrina, nem mesmo quando viajei ao Brasil para visitá-la no ano passado com Renesmee – encomendei outros passaportes para mim e Nessie, e viajamos disfarçadas, com um outro corte de cabelo, loiro curto, com olhos azuis. Ninguém me conhecia, sabia meu nome ou da minha vida. Era uma vida dupla, eu tomava todos os cuidados necessários para que mantivesse eu e minha filha em segurança.

Ouvi o toque de chamava e atendi imediatamente. A amazona me cumprimentou em português, e nós conversamos por um tempo para exercitar essa nova língua e melhorar o meu sotaque. Falamos do dia, das coisas da vida, de como havia sido a semana. Contei que Edward chegaria logo, dentro de duas semanas. Ela me desejou boa sorte – não entendi o porquê, mas agradeci. Depois mudei de assunto, pois me lembrei que tinha coisas importantes à tratar.

“Você poderá vir à festa de cinco anos de Renesmee? É em um mês...”

“Eu sei, Bella! Acha mesmo que me esqueceria disso?” Ela riu. “Já comprei as passagens e tudo mais. Eu vou usar um nome quilleout e me passar por tia de Jacob, acho que vai ser divertido.”

“Bem, será a primeira vez que a festa vai ter humanos. Eu insisti com Renesmee, mas ela quer uma festa só, com todo mundo reunido. Eu tou preocupada...”

“Deixa disso, Bella! Jasper tem se comportado muito bem com humanos, você mesma insiste em dizer. Desde que você se tornou humana, ele tem se disciplinado melhor, não é verdade? Qual é o seu medo, afinal?”

“Edward disse para eu não me chocar, mas ele está com os olhos vermelhos. Ele tem se alimentado de sangue humano por lá.” eu respondi, pensativa. Eu não sabia o que esperar dele, depois desses anos.

“Bobagem, Bella. Deixe o homem duas semanas com sede que o sangue todo sai da corrente sanguínea. Liga pra ela avisando que é pra ele chegar aqui com fome. Pronto. Problema resolvido. Próximo tópico!”

Eu adorava essa Zafrina. Ela era tão prática, me puxava a orelha quando eu começava a pensar demais as coisas. Os brasileiros tinham um jeito diferente de resolver as coisas, às vezes confundido com malandragem. Eles eram muito criativos, pensavam fora da caixa e sempre resolviam as coisas com jeitinho. Eu queria ter um pouco dessa ginga que Zafrina tinha, que equilibrava as coisas de forma divertida sem perder o rebolado.

“OK. Está decidido. Eu vou ligar e falar isso pra ele.”

“Certo, certo. Mas você não queria falar sobre isso que eu sei.” Zafrina fez caras e bocas na webcam. “Desembucha.” ela disse em português, uma expressão que se parecia com o nosso spit it out.

“Ela vai fazer CINCO anos, Zafrina! Cinco anos, você sabe o que isso quer dizer?”

“Sei, que o tempo passa rápido. Que ela está crescendo forte e saudável. E – principalmente – que agora só faltam cento e noventa e cinco anos para Edward voltar para casa. Ou seja...”

“Duzentos anos passam rápido.” Eu já havia repetido essa expressão oitocentas e trinta e duas vezes, e e continuava contando. E repetindo isso, para dar sorte.

“Isso, duzentos anos passam rápido.”

“Mas não é isso que me aflige, Z. Eu te disse isso há três semana atrás, sobre a pesquisa do doutor.”

“Ah sim, você me pediu para te enviar os frascos. Eu mandei o que pude encontrar e comprar nas redondezas. Deve chegar ai logo logo.”

“Obrigada... mas esse é o meu medo, sabia? Eu não queria ter de começar esse tipo de tratamento com ela justamente agora, Z. Ela é tão pequena. Os venenos de cobras, aranhas, essas coisas peçonhentas não me assustam mais. Mas eu vou ter de envenenar Renesmee com sangue morto daqui por diante.”

“Bella, essa é a mesma história de dois anos atrás. Você não queria que Renesmee tomasse o veneno antes, inventou de diminuir as doses e acabou nem servindo de muita coisa. No final, Renesmee era tão forte e saudável que você teve de triplicar as doses pra fazer o efeito.”

“Mas agora é sangue morto.” eu insisti.

“Bem, eu concordo que esse negócio deve doer muito. Eu mesma fiz a experiência antes de te enviar os frascos. Sintetizei alguns venenos poderosos, nem sabia que era capaz de criar uma coisa dessas. Muito útil numa guerra, eu imagino.” Zafrina fez uma cara de quem estava pensando longe.

“Se isso faz mal a um velho vampiro, forte e acostumado com tantas outras coisas, o que isso não é capaz de fazer a uma criança?”

“Mal vai fazer, pode ter certeza. Mas também vai fazer bem depois, porque o que não nos mata, fortalece. Se você ver que o veneno tá muito forte, você faz ela tomar sangue humano em seguida. Não tem erro, Bella.”

“Eu sinto como se estivesse tentando matar a minha filha aos poucos. Eu sou horrível.” eu pensei em voz alta.

“Você lembra daquele ditado? Heróis são apenas os homens que fizeram aquilo que tinha de ser feito, apesar de tudo.” Zafrina disse com voz firme, através da chamada de vídeo.

“Eu não sei se consigo... Renesmee é tão pequena.” Eu estava presa nesse grande dilema.

“Bella, esqueça o coração! Já pensou em todo o mal que você pode prevenir que seja feito a ela? Você tem de fazer isso para protegê-la.”

“Mas... eu nem confio nesses métodos do Dr. Johan. Como eu posso realmente saber se essa pesquisa é precisa? Se eu não vou fazer mais mal do que bem?”

“Você que é a médica aqui.” eu percebi que ela já estava perdendo a paciência.

“Eu não sou médica ainda. Além do mais, ela é meia-vampira, e não humana.”

“Por isso mesmo, você não devia ter tanto medo assim. Ela não vai quebrar assim tão fácil. Além de que, ela já teve sua menarca. O que o doutor diz a respeito disso?”

“Bem, aqui ele diz que ela deve iniciar o seu treinamento de guerreira agora, mas nós não estamos numa selva, Zafrina. As coisas aqui na cidade funcionam de forma diferente.”

Eu não tinha coragem para começar o treinamento que era proposto na pesquisa. Pra mim Renesmee seria sempre a minha filhinha, como eu poderia envenená-la e testá-la como um animal? Mesmo que isso a protegesse no final, era exigir demais do meu lado mãe.

“Mudando de assunto, você chegou a encontrar algum rastro de Serena?” perguntei, tentando mudar o rumo da conversa.

“A irmã de Nahuel? Bem, ela tem um orfanato no interior do Mato Grosso, você deveria tentar visitá-la de surpresa da próxima vez. Apenas as irmãs menores que estavam com elas sobreviveram. Ela tentou encontrar vestígios da existência de Nahuel e Mônica, mas tudo o que os guardiões sabem é que eles foram levados para a vila em chamas. Eles presumem que eles foram sacrificados por lá mesmo. Eu vi a vila com os meus próprios olhos, Bella. Não sobrou nada para contar a história. Eu acho que você deveria esquecer aqueles dois... eles ao menos puderam ficar juntos até o fim.”

“Algo me diz que as coisas não acabaram ainda, Zafrina.” eu tinha esse sentimento, essa esperança. Eu vi quando os guaridões da floresta emergiram das águas e começaram a atacar os vampiros da guarda dos Volturi, eu tinha ainda essa sensação de que, no fim, de alguma forma, eles ainda estivessem à salvo. “Além de que, eu devo isso a Huilen.”

“Nós duas devemos isso a ela. Ela passa os dias por aqui como uma alma penada sem vida. Kachira anda muito preocupada com essa situação toda. Por isso mesmo, desta vez eu vou viajar sozinha.”

“Obrigada pelos seu tempo, Z. Eu não sei o que seria de mim sem você... às vezes eu me pergunto como é que você dá conta de cuidar de tanta gente ao mesmo tempo.”

“Ahaha! Você deveria olhar melhor à sua volta, Bells. O Carlisle delega bastante as funções, mas ele faz muito mais. Eu me pergunto se esse não seria um poder secreto dele, talvez.” Zafrina conjecturou uma nova teoria maluca.

“Hey, isso faz algum sentido. Acho que Esme tem o poder de amar incondicionalmente e o Carlisle tem o poder de unir as pessoas. Você deveria ver a festa que esse lago vira nos fins de semana. Parece até um acampamento, com os lobos e nossa família reunida, especialmente quando Charlie traz Billy e Sue consigo.”

“Bem, logo eu também vou me juntar à festa. Você tem certeza de que três semanas não é muita coisa?”

“Não se preocupe com isso, Zafrina. Temos uma dúzia de quartos de hospedes. Faço questão que você fique conosco o máximo de tempo possível! Afinal, quando é que teremos uma outra oportunidade dessas?”

Eu estava esperando há muito tempo por isso, de verdade. Com o passar dos anos, nós duas nos tornamos grandes amigas. Zafrina também tinha grande apreço por Nessie, elas tinham muitas afinidades e se entendiam através de seus jogos mentais, trocando imagens e pensamentos como duas crianças que trocam figurinhas.

“Hey, eu só vou te dizer mais uma coisa antes de ir, Bella. Como veterinária, ao menos eu posso te dizer uma coisa: o que não te mata, fortalece. Se as pesquisas do doutor dizem que você tem que começar a envenená-la para fortalecê-la, então eu acho que você ao menos deveria testar, nem que seja em doses menores. Bem, é isso. Eu tenho que ir agora. Tenho negócios a tratar.”

“Nos falamos depois então.” eu disse, desligando a chamada.

Na minha lista de coisas a fazer estavam coisas como “proteger minha família” e “ser uma mulher mais forte e preparada”. A verdade é que, na prática, aquilo eram meras palavras escritas num momento de desespero para me confortar. Eu abri de novo o notebook do doutor, em busca da sua pesquisa.

Johan disse que “depois da menarca, as damphyres devem iniciar um treinamento de guerra, para lhes fortalecer contra os vampiros e ajudá-los a desenvolver suas potencialidades, já que o crescimento delas se emparelha com o de uma fêmea humana. Uma das vantagens dos meio-vampiros é que eles são extremamente resistentes ao veneno, e essa habilidade pode ser maximizada através de pequenas doses diárias de veneno a serem ministradas nos sujeitos em treinamento. Isso torna o sistema imunológico dos damphyres muito mais resistentes, e portanto menos suscetíveis a doenças, mordidas e envenenamento em batalhas. Além disso, um damphyre pode se alimentar de sangue vampiro, se treinado para isso. As vantagens são as habilidades absorvidas temporariamente através do sangue compartilhado, mas ele precisa desenvolver resistência ao veneno antes. Um damphyre que se alimenta com frequência do sangue de vampiros com poderes sobrenaturais aprende a dominar mais facilmente suas habilidades e com isso se torna uma máquina de guerra muito eficaz.”

Eu não tinha intenção alguma de transformar Renesmee em uma máquina de guerra, mas em alguns pontos Zafrina tinha razão. Em uma batalha contra os Volturi, eu ficaria mais tranquila sabendo que se Nessie tiver o meu sangue, poderíamos proteger melhor a família, além dela ficar totalmente protegida de seres como Jane e Alec. Dimitri também nunca poderia rastreá-la, caso eles viessem para tomá-la de nós. Zafrina tinha muito interesse de ensiná-la a usar seus poderes de ilusão. Ela dizia que se Renesmee pudesse simplesmente dominar o poder de todos, ela seria invencível. Eu apenas rezava para que uma situação onde ela precisasse ser invencível nunca aparecesse.

No início, comecei a testar os venenos em mim mesma misturado ao sangue que ingeria, como a pesquisa indicava. Isso quase não me afetava, mesmo porque nas minhas veias corria muito veneno. Mas Renesmee não tinha veneno, e quando testei com ela, as coisas mudaram de figura. Ela é um organismo vivo, e portanto suscetível até mesmo a doenças. O Dr. Johan explicava em seu diário que meio-vampiros podem ficar doentes como um humano normal, eles não são indestrutíveis. Era necessário portanto fortalecer o sistema imunológico com a ingestão de venenos em doses “homeopáticas”, e depois disso, seguir com as doses de sangue morto. O “sangue morto” é o sangue que é retirado de corpos em decomposição, ou seja, além da ideia ser nojenta, é muito perigosa. Se isso é capaz de enfraquecer um vampiro normal, é capaz de matar um damphyre. Na Idade Média há relatos de damphyres sendo usados pela Santa Inquisição para caçar seres das trevas, graças à sua aparência humana e alta resistência. Ao mesmo tempo, os vampiros desenvolveram técnicas de tortura e extermínio com requintes de crueldade. Apesar de um damphyre ser um tabu entre os vampiros, sua pesquisa indicava que haviam alguns casos conhecidos onde os damphyres eram executados através da ingestão de veneno de sangue morto.

Johan mencionava o nome de uma mulher, Cândida, mais antiga que o próprio sal da terra, ele dizia – ou pelo menos foi o que eu entendi. Ela era sua mentora e havia criado alguma coisa, ele mencionava os lugares que eles percorreram juntos desde Portugal. Ela criava crianças “especiais”, como ele mesmo dizia, eles eram seus guardiões. Eles formavam uma grande família, mas depois que ela viajou até a Argélia, ele perdeu o contato com “a mãe de todos”. Dr. Johan falava de um vilarejo onde ele pretendia continuar as suas buscas, mas isso fora em mil e quatrocentos, apesar da importância da pessoa, ele nunca mais teve contato com ela. Cândida apenas é referência nos seus estudos, pois foi a primeira a criar os damphyres – mas apesar de terem viajado quase dois séculos juntos, depois dele ter deposto o antigo Rei, ele nunca mais a encontrou.

Isso era uma coisa que eu poderia manter em mente. Talvez Alice mesma pudesse me ajudar nessa busca sem saber. Eu pediria que ela me guiasse para achar uma velha mulher chamada Cândida em algum lugar da Argélia – ou talvez não. A ideia agora me soava demasiado absurda. Mas se havia uma pessoa nesse mundo que talvez pudesse me explicar coisas sobre os damphyres, seria essa mulher, já que o próprio Dr. Johan estava morto. Ou talvez, tanto tempo já houvesse se passado que ela já teria morrido também. Eu precisava era de planos mais concretos do que ficar sonhando com grandes expedições à países distantes em busca de uma pessoa que eu nunca vi na vida.

Resolvi dar início a essa nova etapa ingerindo eu mesma o sangue morto que colhi no hospital. Assim eu saberia de antemão quais os efeitos e quais as doses a serem ingeridas. Eu não teria essa oportunidade quando Edward estivesse aqui. Se ele soubesse o que eu estava fazendo, Aro certamente saberia, e esse conhecimento não podia cair em mãos erradas.

Abri a bolsa e peguei o tubo de coleta de sangue. Não havia uma grande quantidade, afinal eu faria apenas um teste. Abri o tubo e suguei seu conteúdo, depois lavei o sangue e me livrei das evidências. Guardei as coisas de volta no meu esconderijo secreto e me deitei na cama - o sangue morto já começava a fazer efeito. Eu tive náusea a princípio, depois uma forte dor de cabeça, como há muito não sentia – eu me senti fraca e mortal o tempo todo. No Hospital, as pessoas perceberam que eu parecia estar com a cara esverdeada, como se tivesse algum tipo de intoxicação alimentar. O efeito passou no final do dia seguinte. Visto que o “sangue morto” não eram assim tão terrível para o meu próprio sistema, resolvi testar em doses menores em Renesmee uma vez por semana, assim que Edward fosse embora.

Renesmee estava pronta para dormir quando eu entrei no quarto com o infame copinho com sangue e veneno. Ela ficou me olhando firmemente, franzindo os lábios num beicinho. Ela tocou a minha mão e mostrou que o gosto daquilo era insuportável. Senti náuseas só de lembrar. Não havia jeito, ela já havia tomado aquilo dezenas de vezes, mas sempre insistia em não tomar.

“Eu tenho mesmo que tomar isso hoje, mamãe?” Renesmee insistiu, desta vez falando com sua voz.

“Não me agrada também, meu anjo. Mas se isso te fizer uma pessoa mais forte, eu vou continuar insistindo para que tome esse remédio amargo.” Eu acariciei as suas bochechas rosadas.

“Jay outro dia perguntou o que é que eu estava fazendo de errado para ficar doente desse jeito.” Ela se sentou na cama, olhando para o copo.

“Você sabe que não pode dizer nada a ele.” eu a abracei, me sentindo muito culpada.

“Eu sei, eu sei. Papai pode ler a cabeça dele, não é seguro. Mas como é que você sabe se o papai não pode entrar na minha cabeça?” Ela parecia desacreditada.

“Bem, a sua natureza é especial, se você aprender a resistir, ele não vai ter chance de entrar ai dentro. E por via das dúvidas, você tem que aprender a manipular os meus poderes. Pense também pelo lado positivo: quando o papai estiver aqui, nós não vamos precisar fazer nada disso.”

“Eu só queria estar bem para o final de semana.” Renesmee disse dando uma última olhada para o copo e virando tudo num gole só. “Argh! Isso é horrível.”

Nessie fez a sua careta habitual de nojo e se jogou na cama. Eu a cobri e dei um beijo na sua testa.

“O que há no final de semana?” perguntei por curiosidade.

“Jay tem planos para o final de semana em La Push.” ela soltou um risinho juvenil. “O vô Billy vai junto pescar, então num precisa se preocupar, mãe.”

“Ah é? E você planeja me deixar aqui sozinha, mocinha? Vocês não vão nem me convidar para ir junto?” Eu cruzei os braços, me fazendo de brava.

“Mas mamãe... você tá sempre sozinha, mesmo no meio de uma multidão de gente, já percebeu?” ela respondeu, escondendo o rosto nas cobertas. “Não há nada que eu possa fazer para mudar isso. Quem você quer não tá nem aqui pra resolver isso...”

Por essa eu não esperava. Ouvir de minha pequena uma coisa dessas – quando foi que ela cresceu assim, tão rápido? Quando é que ela começou a entender dessas coisas? Eu já não conseguia esconder mais as minhas faltas e preocupações com desculpas esfarrapadas.

“Desculpe-me Nessie. Não fique chateada comigo, OK?” Eu me senti muito culpada por tudo isso.

“Chateada contigo? Nah... não é sua culpa, mãe. É ele quem não tá aqui...” eu pude ouvir o tom de mágoa na sua voz.

“Hey, o que é isso? O seu pai queria muito estar aqui, Renesmee! Ele ama muito você. Ele ama a todos nós.” Eu insisti.

“Tá bom... e a última vez que ele ligou foi há... dois meses, certo? Ele ama tanto que liga dez vezes por ano no máximo.”

“Amor, quando você fala assim, parte o meu coração.” Edward havia se tornado um estranho para ela.

“Deixa tar mãe, não tou me sentindo muito bem agora. Eu só quero dormir, beleza?” Renesmee virou para o outro lado e desligou o abajur na cabeceira.

Eu acariciei a sua testa e percebi que ela já fazia febre, dei-lhe o antitérmico por precaução. Fechei a porta do quarto com um peso no coração.

Muitas coisas haviam se perdido nestes cinco anos de claustro de Edward, quanto mais não seria perdido nos próximos 195 anos? Renesmee já havia crescido e se enturmado na escola com as outras adolescentes, e Edward também perdia isso. Sua graduação, os anos de universidade, o primeiro carro, o primeiro beijo, o primeiro e único namorado, o primeiro filho, e tantas outras memórias das quais Edward seria apenas uma sombra triste, uma ausência. Para garantir que ficássemos vivas, ele havia abrido mão de tanta coisa...

Não resisti à tentação e liguei para o celular dele, apesar de saber que pelo adiantado da hora, seria de madrugada em Volterra. O celular tocou muitas vezes até cair a ligação. Fiquei preocupada dele ser repreendido com a ligação, ou de alguém ter roubado o seu celular. Ideias absurdas começaram a cruzar a minha mente. Fiquei indecisa sobre ligar uma segunda vez. Talvez ele ficasse feliz apenas por saber que eu tinha ligado. Talvez ele estivesse uma situação perigosa em que não pudesse atender. A incerteza começou a me roer por dentro. Finalmente meu celular tocou.

“Tudo bem?” era a voz de Edward exasperada.

“Desculpa. Estamos todos bem.” não sabia exatamente o que dizer.

“Fiquei com medo ter acontecido algo. Já são quase onze horas ai.” ele respondeu aliviado.

“Eu queria tanto poder ouvir a sua voz. Não resisti e liguei.” eu tentei me explicar.

Edward riu, e eu imaginei o seu sorriso, os cantos do lábio se contorcendo. Não contive um longo suspiro.

“Que saudades eu sinto desse riso. Dessa voz. Eu odeio ter de dizer essas coisas de mulherzinhas, porque eu não faço o tipo mulherzinha, mas eu queria muito poder te roubar pra mim hoje à noite.”

“Hmm... essa proposta soa irresistível, Sra. Cullen.” ele riu outra vez.

“Edward, quanto tempo mais...?” eu me segurei. Eu queria chorar, partir o telefone ao meio, me rasgar inteira. “Renesmee está crescendo tão rápido. Você faz muita falta pra ela, pra gente. Eu não falo isso por maldade, eu falo isso porque eu tenho medo. Eu tenho medo de que duzentos anos seja tempo demais e eu enlouqueça antes que eu possa vê-lo novamente.”

Ele ficou em silêncio por muito tempo. Eu estava jogando todo o peso nas costas dele, a distância já era suficientemente insuportável, ele não precisava que eu o torturasse com aquelas palavras – mas eu não conseguia mais fingir que estava tudo bem. Acabei me arrependendo de ter dito tudo isso.

“É por isso que eu não ligo com frequência, Bella.”

Aquelas palavras foram um baque pra mim. Senti como se roubassem o meu chão.

“Desculpe, eu não queria...”

“Escuta até o fim...” ele me interrompeu. “Eu não ligo toda vez porque é uma tortura. Se ligasse, começaria a contar o tempo pra voltar pra vocês. Eu apenas passo os dias entre sessões de conselhos, ou treinando a nova guarda, ou em missões políticas que só envolvem sujeira e interesses levianos. No meu coração, sou apenas um corpo vazio que anda e segue, para cima e para baixo, Aro em seus planos maquiavélicos. Ouvir a sua voz, saber das suas histórias, só me faz lembrar de todas as coisas que eu estou perdendo. Mas eu fiz uma escolha. Eu vou sobreviver a ela.”

O meu peito começou a doer imenso com todas aquelas palavras. Realmente, ligar fazia mais mal do que bem. Eu ficava o dia inteiro na cama me fazendo de doente depois que ele ligava, me sentindo sem forças para poder continuar. E, de repente, Renesmee aparecia, preocupada e exigente, ordenando que eu saísse da cama e fosse cuidar de minhas obrigações.

“Eu sei também que você sente o peso da minha ausência, e se eu pudesse, eu fugiria disso tudo imediatamente só pra poder passar alguns segundos ao lado de vocês. Eu corro um imenso risco toda vez que você liga, porque a minha vontade é de largar tudo, te raptar e correr o mundo. O que eu sinto é tão forte, que é sufocante. Como um fogo perigoso, como se eu pudesse te consumir... como se eu pudesse queimar tudo à minha frente, tudo o que estivesse no caminho, só pra ter você comigo. Tanto Aro sabe disso que me permitiu ter dois meses de férias em Sooke a cada cinco anos, se eu me comportar. Portanto, se eu ligasse todos os dias, eu enlouqueceria! Eu não posso viver sem vocês. Eu me rasgo de saudades, mas eu não sucumbo à tentação de voltar, porque a paz e a segurança de minha família depende disso. Por isso, eu preciso que você sorria todos os dias e viva a sua vida com todas as suas forças, pra que eu tenha a certeza de que valeu a pena, Bella. Porque você é o meu mundo, minha paz, o meu alento. Eu preciso que você fique firme e forte só por mais um tempo.”

“Duzentos anos passam rápido.” eu repeti isso novamente pela octingentésima trigésima terceira vez, como um mantra. “Te vejo em breve.” foi tudo o que eu disse antes de desligar.

Sim, eu sabia exatamente que tipo de fogo Edward estava falando. Eu tinha essa força, essa paixão queimando em minhas veias. Era perigoso ligar, porque toda vez que nos falávamos, eu começava a pensar em todas as coisas que eu era capaz de fazer aos Volturi por terem tirado de mim, de minha filha, o homem mais importante desse mundo. Edward era a minha paz, o meu porto seguro. Os Volturi haviam roubado a minha sanidade!

Eu havia aprendido a ser paciente, mas duzentos anos era tempo demais! Senti o sangue ferver, a boca encher de veneno e os meus músculos se contraírem, como um animal enfurecido pronto para o ataque. Eu não era mulher de esperar duzentos anos! Os Volturi mexeram com a mulher errada. Eu tive alguns anos para amadurecer as minhas ideias e arquitetar novos planos. Se eles queriam guerra, eles teriam uma guerreira sedenta de sangue na cola deles. Mesmo que eu tivesse de cruzar o Oceano Atlântico à nado, mesmo que eu tivesse de matar a tríade Volturi com as minhas próprias mãos, eu teria Edward comigo em muito pouco tempo. Ou eu não me chamo Isabella Marie Swan Cullen.

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