SUNSET: Breaking Down / Capítulo 5 - Duzentos anos passam rápido...

5 – Duzentos anos passam rápido...

O tic tac to relógio de parede era irritante, mas não mais do que o burburinho dos empregados que andavam de um lado ao outro do pátio, providenciando os devidos cuidados aos novos hospedes de Zafrina. Eles cruzavam a praça e discretamente levantavam os olhos para me observar. Eu permaneci imóvel por horas a fio, como uma estátua. Nós pousamos na fazenda de Zafrina em segurança. Carlisle não saia do telefone, e eu ficava olhando para fora da janela do quarto de hospedes esperando o tempo passar.

Carlisle recebeu uma ligação algumas horas depois, era Esme. Ela estava voltando para Forks, resolveria tudo para que a mudança para o Canadá acontecesse o mais rápido possível – era o que Edward queria. Nós ficaríamos numa cidadezinha perto dos Denali, ainda sim próxima à civilização. Edward pediu que Carlisle providenciasse a documentação necessária para que eu pudesse entrar em uma Universidade. Queria que Nessie crescesse com segurança em um lugar tranquilo e seguro ao mesmo tempo que eu pudesse ter a oportunidade de ter uma vida normal. Jasper e Alice pegariam o primeiro vôo para o Canadá, ajudariam a terminar a construção dos chalés e providenciariam novas identidades para todos.

Eu podia ouvir o que todos faziam e diziam – eles temiam que eu entrasse em alguma espécie de coma sem Edward por perto. Zafrina entrou pela porta sorrateira, puxou uma cadeira e permaneceu imóvel logo atrás de mim pelo que pareceu uma eternidade. Ela então quebrou o silêncio.

“Bella. Você sabe que Edward selou o acordo para proteger a todos vocês. Não havia outra opção senão aceitar a sentença dos Volturi. Jasper disse que ele não corre perigo, porque é muito mais útil para Aro vivo do que morto. Alice disse que da última vez que ele foi embora, você passou quase um ano como uma zumbi amargando a perda dele, e se isso não fosse depressivo o suficiente, você colocou a sua vida diversas vezes em risco.”

Meus pensamentos me levaram para as minhas lembranças confusas e embaçadas da época de humana. Eu me lembrei daquele tempo, do imenso vazio que senti. Parecia que minhas entranhas haviam se partido ao meio, assim como meu coração. Eu não chorei, porque não haveriam lágrimas suficientes para poder lavar a minha dor. Eu não gritei, porque mesmo que gritasse a plenos pulmões, com tudo o que eu tinha, o meu grito não teria a dimensão da agonia que eu sentia. Então eu fiquei em silêncio, repassando todas as memórias, tentando entender o que havia dado errado, tentando entender porque Edward teria partido.

“Você quer ficar ai sofrendo, tudo bem. Eu te dou um dia para você se desesperar o quanto quiser, ficar que nem um zumbi olhando janela a fora nessa nebulosidade vazia. Porque eu entendo a dor que você sente, de verdade, pois eu já perdi também pessoas que eu amava muito. Mas a partir de amanhã, você tem que fazer uma escolha: ficar ai sentada, sofrendo e amargando o tempo que vocês terão de passar distantes; ou lutar todos os dias para que sua filha cresça feliz e forte, e para que tudo esteja muito melhor quando ele voltar. Mesmo que seja difícil, essa escolha só você pode fazer. Assim como Edward fez.”

Eu aprendi a lição. O amor de Edward era tão grande que ele preferiria viver a eternidade inteira longe dali, desde que isso me garantisse uma vida plena e feliz. Esse era o tamanho do amor que ele tinha por mim, por nós. Não era a primeira vez que ele tinha feito essa escolha. Fora exatamente por isso que ele tinha partido da outra vez.

“Bella, talvez para você, duzentos anos seja muito tempo, mas para mim, que já vivi quase quatrocentos, sei que esse tempo passa voando. E em vista da promessa de uma eternidade ao lado das pessoas que você ama, dois séculos de servidão é uma sentença curta a se cumprir.”

Virei-me para Zafrina, e segurei sua mão com força – era de pessoas como ela que eu deveria me cercar nessas horas. Eu tinha uma escolha a fazer: ficar lá sentada para sempre, inerte e infeliz, ou resolver lutar todos os dias para fazer valer a pena.

Nós olhamos janela afora, em silêncio, compartilhando da dor da saudade, até que o Sol começou a despontar no horizonte. Um novo dia nascia, e com ele esperanças renovadas. Assim como o Sol se levantaria todos os dias pelos próximos duzentos anos, eu prometi a mim mesma que me levantaria todas as vezes que me faltassem forças, e eu lutaria pela minha filha, pela minha família, pela nossa felicidade. Eu faria valer a pena a espera. E quando Edward voltasse, eu estaria mais forte, mais madura e mais preparada. Eu seria uma nova mulher.

O tempo passava realmente rápido, apesar da ausência de Edward e Nessie. Fiquei dois meses na fazenda de Zafrina, após a partida dos outros, e utilizei muito bem o meu tempo sozinha para poder arquitetar todas as coisas que faria nesses duzentos anos. Eu tinha agora uma sede imensa por conhecimento e todo o tempo do mundo pela frente. Em todos os momentos, Zafrina me amparava e instigava para que eu pensasse muito mais além. Essa amazona era uma guerreira poderosa, e a cada dia eu a admirava mais, por isso a tomei para mim como uma mentora. Não passou um dia sem que eu não aprendesse alguma coisa nova: técnicas de combate corpo a corpo, capoeira, caçada, tipos de animais e plantas, técnicas de sobrevivência na selva, português e nheengatu, um dialeto amazônico.

Ao invés de esmorecer, eu juntei todas as minhas forças e reconstruí meus planos para o futuro, um futuro onde os Volturi não mais me pegariam despreparada, onde eu não seria quebrável ou falível. Eu assumiria o meu verdadeiro papel dentro da família Cullen – eu seria o grande escudo.

Assim que pousei em Vancouver, Esme veio me buscar. Eu a abracei, mas ficamos praticamente em silêncio por toda a viagem. Pegamos uma balsa para Victoria, capital da Columbia Britânica. Já era fim de tarde quando chegamos a Sooke, o antigo volvo prata de Edward esperava no estacionamento. Um choque me percorreu a espinha, e eu finalmente comecei a sentir a realidade batendo à minha porta. Sentei no banco de passageiro e joguei as mochilas no de trás. O carro inteiro exalava o cheiro dele, como se a qualquer momento ele fosse abrir a porta e tomar o seu assento de direito. Eu me lembrei de todos os momentos que passamos juntos, e o desespero tomou conta de mim. Comecei a chorar convulsivamente.

Esme entrou no carro e me abraçou com força, como quem quisesse segurar os meus pedaços para eles não esfacelarem no chão. Demorei muito para perceber que minhas mãos estavam cheias de sangue, assim como as minhas bochechas e meus olhos. Vampiros não choram – eles sangram. Esme tentava me limpar, mas eu não ajudava. Não conseguia me conter.

“Desculpe.” eu disse, enquanto ela pegava outro lenço de papel para limpar minha face.

“Bella, chore o quanto você precisar, minha filha. Mas lembre-se de uma coisa: Renesmee espera ansiosamente pela volta de seus pais, ela só tem a você agora.”

Olhei no fundo dos meus olhos através do espelho e lembrei-me das palavras de Zafrina. Eu tinha feito uma escolha, e eu seguiria com isso até o fim.

“Duzentos anos passam rápido.” eu repeti em voz alta.

Esme sorriu com ternura e compreensão, entregou-me o último lenço e um estojo de maquiagem. Saímos rumo a nossa nova casa. Arrumei o estrago no espelho e respirei fundo, como de costume. Daqui em diante, eu seria como uma guerreira, Nessie precisava de mim, todos precisavam que eu fosse forte.

“Edward não ligou.” comentei, sem saber exatamente o tipo de resposta que receberia.

“Edward ainda não tem permissão para ligar.” Esme respondeu. “Ele ainda está sendo testado, Bella. Você vai ter de aguentar firme e esperar. Eleazar soube que se Edward se comportar, ele poderá ligar no aniversário de Nessie.”

Engoli seco neste instante. Faltava menos de um mês para o aniversário de Renesmee.

“Um ano passa rápido.” pensei em voz alta.

“Sim, e duzentos anos também.” Esme apertou minha mão.

Minha anjinha estaria em nossa nova casa esperando por nós. O quanto ela não deve ter sofrido angustiada a nossa ausência? Por mais que me esforçasse, não saberia como compensá-la pela ausência do pai. Como eu explicaria? Que Edward não pode estar conosco porque a nossa existência custou-lhe o alto preço de sua liberdade? Que os homens maus fizeram um trato pelas nossas vidas? Minha relação com minha mãe era muito boa, mas ainda sim a figura de um pai fazia falta de vez em quando, mas toda vez que ia a Forks passar as férias, eu sentia o vazio da imensa distância que existia entre nós. Eu emburrava e ficava azeda, porque não sabia exatamente como reagir a ele. Às vezes parecíamos dois completos estranhos. Eu não queria o mesmo futuro para Renesmee e Edward.

“Bella, temos de cuidar dos tramites legais. Você começa na Universidade de Victoria em setembro. Você tem apenas duas semanas para se inteirar sobre os acontecimentos do curso de verão. Você já sabe que curso quer fazer?”

“Medicina.” respondi prontamente.

“Medicina? Tem certeza? Você tinha outras coisas em mente.” Esme parecia intrigada.

“Os planos mudaram.” Eu disse, guardando para mim os pormenores.

Esme foi me colocando a par dos acontecimentos durante os breves vinte minutos de viagem até o lago Young. Não chovia, o céu estava estrelado e a noite era fresca. Aquelas árvores eram diferentes das de Forks, tudo era diferente, novo – assustador, mas bonito. Eu mal podia esperar para poder voltar para casa, mesmo que a nossa nova casa fosse diferente ou estranho daquele cantinho familiar no meio da clareira. Porque o meu lar era com a minha família, independente se fosse num país diferente. Senti uma pontadinha no peito – porque Edward era minha família, e ele estava em outro continente.

“Quanto tempo você acha que eu levaria para atravessar o Oceano Atlântico à nado?” perguntei a Esme de supetão.

“Um dia, talvez menos.” ela respondeu. “Se fosse depender do tamanho do amor de vocês, uma hora já seria muito tempo.” Esme riu.

“Eu sinto que eu poderia cruzar o oceano em um segundo.” respondi.

Respirei fundo, mais uma vez, tentando enjaular esse monstro chamado Saudade bem no fundo do peito, num lugar onde eu não precisasse olhar sempre para a cara dele.

“Duzentos anos passam rápido.” eu repeti mais uma vez, como um mantra.

Dizem que uma mentira dita mil vezes se torna uma grande verdade. Eu desejava que, ao dizer isso mil vezes, os duzentos anos magicamente já tivessem se passado.

“Meus Deus! Como você cresceu!” foi a primeira coisa que disse quando Renesmee se jogou em meus braços. Agora eu entendia o que Charlie sentia toda vez que vinha nos visitar. Que sensação horrível de ter perdido muita coisa longe dela... Minha filha tocou minha face e me mostrou milhares de cenas, onde ela esperava por mim, brincava com Jacob, empacotava suas coisinhas numa mochila lilás, deixava a nossa casa. Vi as imagens do seu primeiro vôo, do medo, da mão de Jake a segurando forte para ela parar de chorar, da casa nova, de Rosalie a obrigando a comer comida de verdade, as tias Denali que não resistiram ao charme de Nessie, de Jake mal-humorado ao ver que os dois amigos lobos o seguiram, dos quatro brincando na floresta, ela montada nas costas do grande lobo laranja. Eu tinha de me lembrar de matar o Jake. Muitas cenas onde Emmett a colocava para dormir ritualmente às dez horas, mesmo que ela não entendesse bem o que isso significava, e lhe contando histórias para dormir sem pé nem cabeça, de Rosalie preocupada e sempre vigilante, nunca a mais de seis metros de distância dela. Eu tinha de me lembrar também de agradecer por todo o carinho e dedicação dela.

Eram tantas imagens passando tão rápido que eu tive de retirar a sua mãozinha por um instante para poder processar tanta informação. Abracei a minha pequena como a muito não abraçava, afaguei seus cabelos castanhos que haviam crescido demasiado nesse tempo, e senti o seu cheirinho tão peculiar de bebê. Nossa, aquele cheiro era insuportavelmente delicioso, familiar e reconfortante. Olhei nos seus olhinhos marejados e não resisti abrir um sorriso. Renesmee era a razão de minha vida, e por ela eu me manteria sã e forte pelos próximos dois séculos.

Eu fui abraçando um a um, e agradecendo os esforços de todos. Rosalie parecia que ia chorar quando me viu, Jasper teve de contê-la. Alice estava radiante como sempre, e Emmett me deu um daqueles abraços de urso de sempre. Carlisle segurou as minhas mãos por um tempo, me fitando nos olhos. Acho que ele entendia, melhor do que qualquer um naquela sala, a falta que Edward fazia. Eu estava tão feliz em estar de volta que cumprimentei até mesmo Tanya, Carmen e Eleazar, que vieram ajudar com os chalés.

Aliás que eu imaginava um conjunto de casas muito menos pomposas a princípio, com o pouco tempo que havia, mas a verdade é que quando se conta com a mão de obra experiente de vampiros que não precisam nem dormir, as coisas acontecem mais rápido. Eles haviam seguido tudo à risca na casa principal. Desde o entalhe de mármore na lareira até os tons das paredes dos cômodos. Estava tudo perfeito.

Victoria não era afinal um lugar tão longe assim. Quando disseram que ficaríamos mais perto dos Denali, imaginei uma casinha de madeira em uma reserva florestal bem no meio do Alaska. A ideia de ficar “mais próxima” aos Denali já não era de todo agradável. No meio do nada, perdidos no gelo atemporal daquela região era infinitamente menos apetecível do que a cidade de Victoria. Pelo contrário, uma cidade paradisíaca, ensolarada e turística – e a menos de duas horas de Forks ou Seatle – era exatamente o que eu precisava.

A noite passou alegre e barulhenta, com todos conversando animadamente na sala principal, Renesmee não deixou o meu colo um instante sequer, mas a verdade é que eu já estava cansada de sorrir e fingir que estava tudo bem. Eu precisava de um pouco de silêncio, de um tempo comigo mesma pra poder ordenar as ideias. Quando percebi que minha pequena ressonava no meu colo, encontrei a desculpa perfeita para me retirar.

“Nossa, eu nem vi a hora passar. Renesmee dormiu.” eu comentei, já me levantando da poltrona.

“Pobrezinha, já passou da sua hora de ir pra cama.” Emmett disse, já com a menina no colo, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa.

Ele percebeu a minha falta de reação, então se pôs a caminhar sala afora, apenas dizendo “Vamos Bella, eu te mostro o lugar.”

Eu dei boa noite a todos e sai no seu encalço.

“Obrigada” eu disse, meio sem jeito.

“Eu percebi que você já não estava acompanhando.” ele riu. “Vai ser bem cansativo no começo, porque eles vão te perguntar o tempo todo se você está bem, mas é só porque a gente não sabe exatamente o que podemos fazer por você. Por isso, quando você precisar, é só chamar! A gente fala pra todo mundo que vai caçar uns ursos e a gente pode ir pro meio do nada só pra ouvir o silêncio.”

Eu abracei Emmett de leve. Ele tinha esse jeito totalmente desajeitado de falar as coisas certas de forma engraçada.

“É sério!” ele insistiu. “Antes de conhecer você, Edward sempre pedia para irmos caçar. Acho que viver perto de todo mundo, com todas as vozes na sua cabeça, era cansativo demais para ele. Às vezes ele pedia pra sairmos, só pra ouvir o silêncio.” Ele olhou para o céu estrelado e respirou fundo.

Instintivamente, respirei fundo, copiando seu gesto. Eu podia sentir o cheiro de tudo à nossa volta, dos diversos tipos de madeira, folhas de árvore, o frescor do lago e da terra úmida. Havia muita pureza no ar. Era o tipo de lugar para onde Edward provavelmente fugiria quando precisasse de um pouco de paz.

Você é a minha paz. Eu pude ouvir a voz dele ecoando em minha mente, como se sussurrasse ao meu ouvido. Por causa do meu escudo, eu sempre silenciava o pensamento dos demais da casa, e ele podia relaxar, porque não tinha de se esforçar tanto para não ouvir o pensamento dos outros.

Ouvi barulhos em volta do lago, e num segundo já estava preparada para o combate. Emmett riu.

“São os lobos, bela.” ele explicou. “Os garotos fazem a ronda todas as noites.”

Uma pontada de saudade bateu do meu grande amigo. Pensar que ele havia se disposto a mudar de país só para garantir a proteção de Renesmee, deixava-me muito mais segura. Eu sabia que podia contar com ele, por Jacob daria sua vida pela nossa filha. Edward e eu jamais poderíamos agradecê-lo o suficiente por tudo o que ele fazia.

“Bem, essa aqui é a sua nova casa.” Emmett disse, parando de frente para a terceira casa. O grupo de chalés consistia num grande casarão no alto da estrada, mais distante do lago, e mais três chalés menores ao longo da sua margem. Eu contei as casas novamente – um outro chalé, mais distante e simples havia sido adicionado ao complexo mais adiante.

“Essa é a casa dos garotos, Bella.” Emmett percebeu que eu prestava atenção a outra coisa.

Ele me entregou Renesmme nos braços, me deu boa noite e voltou para o chalé principal.

“Chalé dos garotos.” eu ri comigo mesma, me perguntando o que Edward acharia dos novos projetos da família Cullen. Minha pequena já não era mais tão pequena assim, percebi que ela mal cabia nos meus braços agora, além de ter ganho algum peso e altura. Ela parecia ter quase cinco anos.

Cheguei em casa. O alpendre da varanda havia sido desenhado por Edward, para recriar a casa de seus pais. Ela circundava toda a lateral da casa, e funcionava como uma extensão da sala de estar. O hall de entrada era pequeno e simples, paredes bem claras, como eu queria, com apenas uma mesa de vidro e um espelho de adorno. Logo ao lado havia a porta da sala e a escadaria. Subi até o primeiro andar, onde eu sabia que se localizava o quarto de Renesmee. Acendi a luz do corredor para poder me encontrar melhor. O quarto já não possuía berço, mas uma cama com guarda na lateral, já que ela crescia rápido demais. Acendi o abajur na mesa de cabeceira e a coloquei na cama. Troquei sua roupa para algo mais leve, tomando imenso cuidado para não acordá-la. Fiquei observando a nossa pequena, que ressonava tranquila na sua nova cama. O seu coraçãozinho batia forte e ritmado no peito.

“Ela é bonita como o pai.” eu pensei em voz alta.

Ela tem o seus olhos. Relembrei as palavras de Edward, eu podia até mesmo senti-lo ao meu lado.

“Ela tem os meus olhos, o seu nariz e o seu sorriso.” eu ri.

“Você costuma falar sozinha sempre?” uma voz falou, me pegando de sobressalto.

“Jake!” eu pulei da cama e dei-lhe um murro certeiro no ombro, muito menos forte do que eu pretendia.

“Nossa, se você me receber assim com tanto carinho, vou achar que você estava morrendo de saudades!” Jacob riu, me pegando num abraço esmagador.

Eu retribui o gesto – já havia me esquecido de como era confortável esse abraço amigo. Ouvi Resnesmee se mexer na cama, então disse “Vamos sair daqui antes que a gente acorde o bebê”, e desci até a varanda, para conversarmos melhor.

“Você demorou.” ele comentou, preocupado.

“Eu precisava de um tempo.” respondi, meio incerta. “Obrigada por cuidar de tudo. Por ficar do lado dela.”

“Você bateu com a cabeça?” ele me deu um croque de leve. “Nessie, você, os Cullens... agora são minha família.”

Eu jamais imaginei que algum dia essa frase sairia da boca de Jacob Black. Jacob percebeu minha expressão surpresa e minha boca entreaberta. Eu simplesmente não sabia como responder aquilo. Ele ficou sem jeito.

“Renesmee é meu mundo. Portanto sou eu que tenho de agradecê-la por ter insistido nessa loucura até o fim. Eu me pergunto o que ela vai pensar de mim quando souber que eu queria que você...”

“Ha! Deixa de ser bobo, Jake! Se não fosse por você, pelo imprinting, por todos os cuidados, as rondas e por estar sempre por perto, nós não mais estaríamos aqui. Tenho certeza de que você vai ser sempre o herói da vida dela.”

Jacob riu. Balançou a cabeça daquele jeito de moleque como quem quer espantar pensamentos absurdos. Eu conhecia aquele gesto e não me contive.

“Cinco centavos pelos seus pensamentos.” brinquei.

“Não é nada.” Ele riu sem jeito.

“Ah não, agora eu insisto.” olhei feio para ele. “Seja lá o que for que você diga, que mal pode fazer? Eu não sou sua maior, mais forte e melhor amiga?”

“Bem, eu ainda concordo com o maior e mais forte...” Jake era sempre Jake. “Eu estava pensando... em todas as coisas que passamos juntos. Todos os problemas que eu já causei a você e Edward, e todos os outros problemas em potencial que um dia eu ainda irei causar.”

O meu queixo caiu. Lembrei-me imediatamente do murro que ele merecia por deixar Renesmee cavalgar em suas costas e minha mão respondeu prontamente com um soco na boca do seu estômago.

“Awww, Bella!” ele gruniu de dor. “Você está ficando mais ágil ou o quê? Eu não vi isso chegando!”

“Isso foi por você cavalgar pela floresta com Renesmee nas costas.” olhei de soslaio para ele.

Massageando a região do estômago, ele respondeu. “Tudo bem, eu acho que eu vou merecer isso um dia. Vou por na conta.” Jake não continha o riso. “Você costumava ser mais delicada antigamente. Tsc. Tsc. Eu me pergunto como é que eu fui me apaixonar por uma brutamontes dessas.”

Eu cai na gargalhada. Jake estava impossível. Era muito bom poder conversar assim com o meu amigo de novo. Ainda mais com o peso da ausência de Edward e a dupla responsabilidade pela criação de Nessie em minhas mãos. Eu soltei um suspiro profundo – queria muito que as preocupações de hoje fossem tão simples como as de antigamente. Eu me perguntava se ia chover, se havia pegado meu casaco ou se as correntes estavam firmes no pneu pra neve. Era tudo muito mais prático, mais leve.

“Hey. Que suspiro foi esse? Acho que eu vi o seu espírito esvaindo do corpo agora a pouco.”

“Você agora é algum tipo de xamã quilleute?”

“É só que eu não quero mais ver a Bella-morta-viva, por assim dizer. Eu sei que não é fácil. Hoje em dia eu nem consigo imaginar como seria minha vida sem Nessie. E ela existe há, sei lá, menos de um ano. Eu entendo porque Quil quis ficar em La Push com Emily. Os planos mudam, mas o nosso mundo continua girando em torno das pessoas que amamos. Vai ser difícil? Vai. Mas vocês duas tem a nós. Nunca se esqueça disso, ok?”

“Jake, obrigada por você ser o Jake de sempre.” eu disse espontaneamente, encostando no seu ombro quente.

“Obrigada por você continuar sendo a Bella de sempre também, apesar de todas as coisas que aconteceram.”

“Muita coisa aconteceu, tão rápido que a gente nem teve tempo de colocar tudo em pratos limpos, não é mesmo?” Eu olhei no fundo dos seus olhos. Ele entendeu o que eu queria dizer.

“Vamos deixar que o passado fique no passado, Bella. Há muita coisa pela frente ainda, uma eternidade inteira pela frente. A gente ainda vai brigar muito e rir muito e eu vou continuar sendo o seu velho amigo Jake. Isso eu prometo a você.”

Eu sorri, porque me senti muito feliz ao ouvir essas palavras. As coisas começaram a sair dos eixos de um jeito que eu pensei que não teria mais volta. Mas eu estava aqui, num novo país, numa nova casa, com a eternidade inteira pela frente e com meu velho amigo ao meu lado para me apoiar. Todo o resto não importava mais.

“Bem, eu só queria ver se você está bem.” ele afagou minha cabeça, desarrumando o meu cabelo.

“Eu estou viva. É isso o que importa por hora.”

“Tá certo. Mas nada de motocicletas e mergulhos de penhasco, ok?” nos rimos juntos dos velhos tempos. “Eu só queria te avisar que nós estamos aqui ao lado agora.” ele disse apontando para o chalé que ficava a pouco mais de trinta metros da minha varanda.

“Se precisar, é só chamar a mim ou um dos garotos, ok?”

“Garotos? Você diz o Seth e a Leah?” perguntei intrigada.

“Somos cinco agora, Bella. Paul e Embry se juntaram a nós... Bem, tem a Rae também. Você vai vê-la sempre por aqui, ou em Victoria. Ela conseguiu um estágio no laboratório de pesquisas da universidade.”

“Hum... Essa Rae é a Rachel, sua irmã?” eu fiquei surpresa.

“Essa mesma.”

“O que ela faz aqui?”

“Bem, ela sempre dizia que La Push era pequena demais para si. Quando eu disse que me mudaria às pressas para o Canadá, ela veio atrás. Ela até trouxe Paul consigo. Rae acha que Sooke é uma boa cidade, e que Billy deveria construir uma cabana em algum lugar aqui por perto.”

“Eu acho uma ótima ideia.” eu ponderei. “Quem sabe assim Charlie não se aposenta mais cedo e vem morar desse lado da fronteira?”

A ideia era reconfortante. Ter Charlie por perto me traria mais paz e segurança, e eu não privaria Renesmee de crescer com o avô. Ela teria essa lembrança para sempre.

“Bem, por via das dúvidas, é apenas uma hora de balsa de Sooke à Port Angeles.”

“Edward pensou em tudo.” entendi o porquê da nova casa. Assim Renesmee poderia frequentar uma boa escola numa grande cidade, ter uma vida normal, com se avô e seu par por perto, e eu ainda poderia ir para a faculdade, me formar, viver uma vida plena como Isabella Swan, com todas as experiências que eu poderia ter como humana.

“Eu já vou me deitar. Minha ronda acabou agora a pouco, eu preciso muito de uma boa noite de sono. Eu fico mais tranquilo com você aqui agora. Qualquer coisa, Leah e Seth saíram a pouco na ronda. Se precisar, nós estaremos alertas.”

“Está tudo bem, Jake. Obrigada. Eu poderia usar uns minutos como humana. Eu precisava era de um bom banho e uma boa noite de sono também.”

“E desde quando vampiros fazem essas coisas?” Jacob parecia incrédulo.

“Não sei... eu ainda escovo os dentes todas as manhãs, tomo banho e lavo o rosto. Acho que é uma questão de costume. Faço isso pra me sentir mais normal, talvez.”

Eu nunca havia me dado conta que vampiros não precisavam mesmo de nada disso. A ideia de não poder fazer essas coisas era muito estranha, como se eu perdesse em parte alguns dos prazeres de estar viva – mas dai eu me lembrei que eu não estava. Isso era tão esquisito. Levantei-me e fui estrear o meu novo banheiro, não exatamente como eu esperava, já que uma das minhas poucas exigências havia sido um imenso banheiro do tamanho de um quarto, com uma linda banheira enorme para mim e para Edward. O closet gigantesco havia sido ideia de Alice.

A banheira gigante não teve a mesma graça sem ele. O quarto e a cama pareciam grandes demais para uma pessoa só. Vesti umas roupas antigas e resolvi fazer alguma coisa que não ficar deitada em minha cama king size solitária. Havia muito por fazer por aqui.

A casa em si era igual ao projeto, havia apenas alguns detalhes a serem cuidados, como a ausência de móveis em alguns cômodos da casa, cortinas nas janelas e chuveiro no andar superior. No andar de baixo estava uma cozinha integrada com o a sala de jantar, a sala de estar, o escritório e a área do nosso quarto, com closet e banheiro privativo. No andar de cima havia o quarto de Renesmee, o quarto de hospedes, o meu escritório com varanda e vistas para o lago e uma sala de TV. A maioria das coisas ainda estavam nas caixas, e eu não fazia a menor ideia de por onde eu ia começar, nem de como eu instalaria aquela televisão gigante e todos os fios dos aparelhos. Na sala de estar, os únicos móveis posicionados eram o conjunto de sofás e o piano.

A sala estava escura, mas eu conseguia ver a silhueta do piano da escada. Por um breve momento, que mais pareceu uma eternidade, me sentei no piano de Edward e deitei a cabeça sobre ele. Seus dedos há muito haviam dedilhado aquela peça, e essa ideia me fez companhia. Eu tentei cantarolar suas músicas, num hum-hum desajeitado, e percebi que precisava urgentemente de aulas de piano. Eu poderia nunca ser boa cantora, mas agora eu tinha todo o tempo e coordenação necessárias para aprender a tocar um piano. Seria uma surpresa e tanto para Edward.

Eu precisava anotar a ideia. Lembrei-me que deixei a mochila no banco de trás do carro e resolvi buscar na garagem-oficina que ficava ao lado da casa principal. Havia ainda muita movimentação na casa, e eu tive medo de ser ouvida por alguém e ser forçada a “fazer um social” novamente. Tinha muitas coisas em mente no momento, e sorrir para Tanya e Carmen não estava em meus planos. Ainda sim, precisava falar com Eleazar sobre alguns detalhes, e pedir informações a Edward, mas eu teria a companhia deles por mais dois ou três dias antes que eles partissem novamente para o Alaska e não estava com pressa.

Subi sorrateira até o carro de Edward, peguei a chave no painel e em questão de segundos já estava de novo em casa. Eu tive de prender a respiração para entrar no carro, porque não suportaria uma choradeira novamente. Peguei na mochila um pequeno caderno de anotações, onde havia escrito todas as coisas que havia pensado no Brasil, e anotei mais algumas que haviam me ocorrido, como pedir a Emmett que instalasse o sistema de home theater e a Esme para me ajudar com as cortinas.

Olhei para a mochila novamente. Pela primeira vez, esvaziei o todo o seu conteúdo e o examinei. Lá estavam a bolsa de lona batida com o notebook e o livro de couro marrom do Dr. Joham. Eu queria ter compartilhado com todos sobre o que eu carregava comigo o tempo todo, mas guardei para mim pois eu sabia que seria a única pessoa que poderia guardar esse segredo. Assim como eu havia escrito no meu pequeno caderno, uma das minhas prioridades seria aprender a ser a melhor mentirosa de agora em diante, se isso me garantisse o futuro de nossa família.

O notebook era de um modelo bem antigo, percebi que faltavam os cabos de energia e o mouse. Isso entrou para a minha lista de providências, e eu os compraria na cidade pela manhã. O livro de couro marrom era muito velho, eu abri com cuidado e comecei a folheá-lo. As primeiras anotações datavam de 400d.C, em folhas muito velhas e destacadas. Tive medo de esfacelar o papel com as mãos. A escrita era à pena, escrita num idioma que eu não pude reconhecer. Outra providência a ser tomada seria levar o diário a um conhecedor desta área.

Guardei tudo com cuidado embaixo da cama e me pus a resolver coisas mais práticas e imediatas. Ser uma vampira era muito vantajoso em partes, pois eu não precisava dormir, nem de ajuda para carregar móveis imensos, e fazia pouquíssimo barulho. Quando dei por mim, já era de manhã. Olhei pelas janelas de vidro da sala, onde o Sol nascia. O vermelho amarelado inundou a ambiente, o chalé já estava com mais cara de “casa”, com os móveis no lugar, sem caixas pelo meio do caminho. Sentei-me no sofá e fiquei apreciando a vista, agradecendo por mais um dia poder ver o Sol se levantar.

Sem que percebesse, Renesmee se esgueirou até a sala, e se aninhou comigo no sofá. Era tão estranho ver minha filhinha de apenas um ano fazendo coisas de criança de cinco. Eu a abracei e ninei, enquanto observávamos a graciosidade do nascer do Sol. Renesmee ficou em silêncio por um tempo, me observando. Deposi escondeu o rostinho no meu peito. O seu cabelo parecia pegar fogo. Então, contrariando o seu hábito, ela resolveu falar com suas próprias palavras.

“Mamãe, quando o papai volta?” aquelas palavras tocaram fundo o meu coração. Senti uma pontada no peito.

“Isso é algo que temos de conversar, meu amorzinho. Mamãe lhe deve uma boa explicação.”

Ela levantou a cabeça e prestou muita atenção.

“Papai teve de viajar. Porque você é única e especial, e porque ele nos ama muito, papai teve de fazer uma escolha para nos proteger. Por isso ele vai morar na casa de outra pessoa para trabalhar.”

“Mas quando o papai volta?” ela insistiu.

Respirei fundo diversas vezes – eu não poderia chorar na frente dela. Abracei sua cabeça contra o meu peito.

“Ele volta daqui duzentos anos, meu amor.”

“Quanto é duzentos anos? Isso é muito tempo?” ela perguntou ainda sem entender muito bem.

“Não se preocupe, minha filha. Duzentos anos passam rápido.”

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N.A.: Consegui um local para postar que permite a formatação original do texto. Se for do seu interesse, continue lendo em:

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