RETRATOS DE INFÂNCIA - CAP. 12

Campainha é um nome convencional, pois na verdade, naquela casa há um sininho pendurado na porta, que a gente, quando criança gostava de tocar. É um frade, feito em ferro batido que segura o sino nas mãos e a gente balança o homem que faz o barulho anunciar a chegada do visitante. Nada mudou naquela casa. Abro o portãozinho de ferro que faz o mesmo barulho de antigamente e começo a subir os oito degraus até o alpendre pequeno, mais alto por causa do desnível da rua. Cada degrau é uma lembrança. Subo e entro naquela varandinha. Toco a cadeira de balanço que se movimenta e igualmente faz movimentar minhas memórias de moleque da rua. Da varanda volto meu olhar para cima e vejo minha antiga casa de esquina e as outras da rua, reformadas, mas ainda assim muito familiares. A cadeira parece uma viagem no tempo. Sob aquele piso de ladrinhos coloridos que nossa imaginação infantil criava desenhos e figuras, agora desbotados pelo tempo e constantes limpezas com produtos modernos, decerto, a cadeira parece levar ao tempo em que nossos problemas era uma simples chuva que nos impedia de ir à rua.

Já é quase meio dia, e vejo as crianças descendo para a velha escola, ainda a pé, mas com mochilas da moda, provavelmente sem os caderninhos de papel grampeados e não levam mangas ou abacates como no nosso tempo. Balanço o frade e o som do passado me perpassa o corpo, agora frenético, metido neste uniforme de calça jeans e camisa branca, bordado no bolso o nome da mineradora em que trabalho. Ouço passos no assoalho de madeira antigo, que às vezes chegava a nos dar medo. Abre-se a porta sem muita solenidade, sem maiores preocupações. Aparece ela, Amália. Sim, ela ainda morava ali.

Ela sorri e eu, bobo, fico admirando-a. Está mais velha, algumas rugas, um vestido surrado, verde com alguns motivos florais e descalça, tal como sua mãe andava em casa. Nas mãos, um pouco de espuma de sabão acusava que eu a havia tirado da pia da cozinha onde lavava a louça. Em cidades miúdas almoça-se muito cedo. Diante da minha mudez e talvez estranhando aquele homem de uniforme ela pergunta:

__ Pois não senhor, que deseja?

__ És Amália? Interrogo eu de supetão e quase ofegante, claro, causando estranheza.

__ Sim, sou eu. Respondeu a senhora levando a mão ao rosto, desconfiada como todo mineiro e franzindo a testa. O que deseja? Continuou.

__ Nada, disse eu meio sem graça. Só passei para cumprimentá-la.

Claro, eu nem pensei nas palavras. Ela fez um gesto de afastamento, talvez por medo daquele estranho a chamar-lhe pelo nome. Dei logo um jeito de me identificar.

__ Não se assuste, me desculpe. Nós nos conhecemos na minha infância. Eu morei nesta rua. Talvez você não se lembre de mim, mas eu era moleque ainda e morava na casa da esquina...

Ela me interrompeu, aproximando-se para um abraço.

__ Fredo? É você? Disse sorrindo de contente.

__ Sim, sou eu. Nunca mais voltei depois que nos mudamos daqui. É a primeira vez. Trabalho na mineradora que está explorando a área. Sou engenheiro.

__ Menino, como você cresceu! E está gordo, bonito... Quem diria? Aquele magrelinho dar um moço tão bem afeiçoado!

E continuou falando, perguntando sobre meu trabalho e sobre se eu estava casado... coisas do tipo.

__ Minha nossa, que grosseria a minha! Nem lhe deixei falar, nem lhe convidei. Entre por favor, e sinta-se em sua casa.

Entrei. Era um lugar de minha infância e fui revendo os quadros antigos de pinturas comuns dos membros daquela família sentindo cheiro de almoço no ar. Sentei-me no sofá. O mesmo, ainda perfeitamente conservado.

__ Olha, foi dizendo ela apressada, repara não. To acabando de arrumar a cozinha, mas tem comida de sobra. Vou lhe arrumar um delicioso almoço. Aqui ninguém entra e sai sem comer nada.

Era esse um costume de sua mãe. E não aceitar era uma desfeita horrorosa. Aceitei o almoço, claro, mas não foi nenhum sacrifício. Fiquei sentado naquele sofra preto, de napa, com madeira torneada e fiz uma breve viagem às vezes que ali naquela casa corri por entre aquela mesa e cadeira do lado e tomei café com biscoito frito de polvilho. Perdido em meus pensamentos, vi Amália chegar sorrindo, com um prato vazio na mão e convidando-me a ir pra cozinha me servir. Meu Deus! O tempo não passou naquela casa! O fogão à lenha ainda existia, agora ao lado de um fogão moderno, mas ele estava lá, e o feijão, só nele.

Após o almoço, que já estava por demais me demorando, ela sentou-se na velha cadeira de balanço e começou a contar os casos da sua mãe, minha querida personagem da infância, Dona Francisca. De repente, ela se abaixa e segura algo que havia trazido de dentro da casa. Era o caderno de anotações com letras na capa, confeccionada em um papel veludo verde onde se lia: Histórias de mamãe. Ela abriu e começou a ler para mim. Fechei os olhos e mergulhei num passado não distante, mas já amarelado nas páginas de minha memória infantil.

LUCAS FERREIRA MG
Enviado por LUCAS FERREIRA MG em 11/05/2012
Código do texto: T3661451
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.