RETRATOS DE INFÂNCIA - CAP. 11
Mas fomos para o tal mirante. Para ser mais agradável o passeio tomamos um ônibus que atravessava a cidade e para mim era uma aventura a mais. O sol brilhava lindamente no céu, e juntamente com a alegria da nova descoberta eu via várias cenas da cidade que me eram desconhecidas. Na cidade que vive sua vida tão simples, eu via uma mãe com criança de colo caminhando pela rua despreocupadamente. Via senhoras de vassouras na mão, varrendo calçadas ou conversando tranquilamente em seus portões. A vida ia passando tão lentamente em contraste com a velocidade do ônibus que me levava ao sonho. Quantas lojas, letreiros que eu ia lendo em voz alta para mostrar que eu já sabia ler perfeitamente. Ele sorria tão feliz quanto eu e se alegrava com a palpitação do meu coração, possivelmente perceptível diante do rosto inocente de uma criança.
Como Santo Antônio da Bela Vista é uma cidade bem pequena, a viagem demorou apenas alguns minutos. Lembro-me de contemplar a velha matriz com sua praça e, embora eu já tivesse passado por ali várias vezes, foi uma experiência diferente, pois a vi passar diante de mim, com a velocidade da modernidade e o olhar atento aos rápidos detalhes só vistos às pressas. Olhando para trás, via as casas diminuírem ao passo que um novo conjunto de lares para mim ainda desconhecidos se me apresentava à frente. A partir da Matriz tudo era novidade naquele instante mágico.
Chegamos então ao tal Morro da Capelinha, de onde se podia ver a cidade inteira. Desci eufórico do ônibus.
__ Vovô (assim eu chamava aquele homem bondoso que não tinha nenhum parentesco comigo), é aqui?
__ Sim fiinho. É aqui o lugar. É bonito não é?
__ Sim. É lindo!
Eu admirava na verdade uma simples praça, tão comum como qualquer outra e com nada de bonito ou diferente que pudesse chamar a atenção. Firme, segurando em suas mãos eu contemplava a cidade que se via por trás do morro, de onde minha vista de casa não conseguia admirar. Na verdade, é uma vista tão banal, que nem cheguei muito a me entusiasmar. Apenas um bairro como qualquer outro, como aquele que eu morava. Casas comuns, gente comum, nada de mais. Não me lembro de ter ficado sorrindo, pois na verdade eu não entendia o que era a tal vista da cidade inteira.
Uns dez anos depois, eu percebi que a tal praça, que hoje é uma rua com um canteiro central, leva a uma praça muito maior, desprovida de qualquer coisa, apenas um espaço, onde há um beiral de onde desce uma escadaria dupla. De lá sim, se vê toda a cidade à frente e um lindo horizonte a oeste, com a bela serra ao fundo de onde várias tardes adolescentes contemplei o por do sol. Naquele dia de minha infância eu não havia visto a cidade. Eu não fui levado à praça principal. Na verdade eu não vi foi nada aquele dia. Como não havia nada para comparar, nem percebi. Criança é mesmo assim. Não vê o que viu e viu o que não estava ao seu alcance. Mas voltei pra casa feliz aquele dia. Até hoje não sei se meu “avô” algum dia viu a cidade inteira, ou somente aquela parte que se esconde do nosso lado da cidade. Eu só vi anos depois.
Num súbito instante perco-me em pensamentos enquanto observo a varanda da casa de Dona Francisca e fico observando a velha cadeira de balanço onde ela gostava de passar as tardes tranquilas nesta cidade ainda do sossego. Sua filha ainda mora lá. Sei que estou a trabalho, mas tento resistir e é inútil. Ela é uma personagem de minha infância e não sei o que aconteceu com ela. Viva, obviamente ela não está, pois já era bem velhinha em nossa infância. Mas é instigante ver a cadeira de balanço na velha varanda. Parece que vejo aquela senhora tão cheia de rugas, um lenço amarrado à cabeça como se fosse um chapéu, um cigarro de palha na boca, de maneira transversal, sua voz rouca contando os casos para as crianças que se assentavam ao chão, junto àquela cadeira para ouvir o que pouco entendíamos. Sinto um arrepio no corpo olhando aquele lugar intacto de minha infância. Falta apenas a samambaia que, pregada no teto, descia até o chão, como se fosse o cabelo de uma dama.
Ali ainda mora sua filha? Dona Francisca deixara alguma memória diferente e curiosa, alguma lembrança? Amália deveria ainda estar lá. Era jovem quando éramos crianças e cuidava de sua mãe com zelo e carinho. Ela tinha o costume de anotar num caderno as histórias que a mãe contava. Lembrando tudo isso bateu-me uma enorme curiosidade.
Não resisto. Paro-me diante de sua casa e toco a campainha.