Vivendo em um engano (Capítulos 47 e 48)

CAPÍTULO 47

Já se passou um ano e meio desde que eu e a Amélia nos entregamos para a polícia. Eu precisei ficar alguns meses na cadeia e fazer trabalho voluntário depois que sai, por causa do assalto a joalheria, ter agredido o policial quando fugi da penitenciária, ter fugido, coisas poucas, mas que me fizeram ver o Sol nascer quadrado por um tempo, o importante é que eu consegui provar a minha inocência e voltar para o meu cargo, foi difícil, mas já faz um mês que eu voltei a ser detetive, atuando ao lado do Edgar, meu amigo.

Depois do julgamento, o Gabriel foi preso, além das provas ele confessou tudo, todos os crimes que cometeu, o que ajudou muito a Amélia ser inocentada e eu também, nem sei quantos anos ele pegou, só sei que foram muitos. Fiquei sabendo que ele sofre muito na penitenciária, o Edgar que me contou, mas eu nem ligo, não quero saber dele, só de pensar em seu nome eu sinto um ódio.

O Xupeta morreu e muitos da gangue dele foram presos, outros fugiram, a casa dele foi demolida e a polícia tomou conta do morro, pacificando-o.

A Amélia foi inocentada, mandaram ela cumprir serviço voluntário por uns três meses apenas, parece que foi porque ela fugiu da penitenciária, mesmo eu me culpando por isso, e também por ela invadir domicílios, como o da senhora Brandão, mesmo sendo para conseguir a confissão da mulher e ter a inocência provada. Ela iria ficar presa, mas o advogado dela falou umas coisas, recorreu a alguns artigos e conseguiu isso, bem melhor do que ficar presa novamente, isso provavelmente ela concorda.

A senhora Brandão foi incriminada pelo mandato da morte do irmão, haviam testemunhas e provas, inclusive a própria confissão que a esperta Amélia conseguiu, no entanto os advogados dela conseguiram que ela respondesse em liberdade depois de três meses de prisão cumpridos. Atualmente a Joana é garçonete de um bar em São Paulo, depois que fora revelado que o testamento era falso, ela foi obrigada a mostrar o verdadeiro, a Amélia ficou com uma parte do que sobrou, que foi bastante ainda, e a instituição de caridade com a outra. Assim a senhorita Brandão não tinha nada, mas já estava livre, então para pagar os advogados, teve que começar a trabalhar, por isso se mudou, não aguentou o vexame, segundo ela, dos amigos de Minas a verem trabalhando por aqui.

- E aí, cara?!

- Oi Edgar.

- Meu pai te convidou para ir lá em casa hoje, almoçar.

- Certo, agora que ele gosta de mim novamente, irei aproveitar com certeza de ir lá almoçar a deliciosa comida da tua mãe.

Passo o fim de semana em Minas, eu e o Edgar dividimos um apartamento, é bom voltar para a minha cidade natal e poder ver algumas pessoas.

- Sabe quem eu vi hoje?

- Quem?

- A Amélia.

- A Amélia?

- Faz tempo que você não a vê, não é mesmo? Um ano e meio?

- Mais ou menos.

- Por que você não foi na casa dela ainda?

- Porque eu tenho muito trabalho para fazer.

- Ela é dona de uma confeitaria agora.

- Eu sei, foi uma das heranças que o amigo dela deixou.

- Sabe bastante, aposto que fica mexendo na vida dela.

- Claro que não.

- Bernardo, somos amigos, fala aí, eu sei que você sente algo por esta mulher, eu sei que a Amélia mexe contigo.

- Mexe nada, para com isso Edgar, eu preciso ver uns casos, não tenho cabeça para estas coisas.

- Você é muito sério, depois que a sua família se foi você ficou mais ainda, mas você precisa parar com isso, admita logo que você gosta dela.

- Não tenho que admitir nada.

- Desde que a sua mulher morreu você não ficou com mais ninguém.

- Eu estava preso. Agora eu preciso trabalhar.

- Me esqueci, desculpe, mas que você sente algo pela Amélia, você sente e toma aí.

- O que é isto?

- Uns doces que eu comprei na confeitaria da Amélia, aliás ela continua linda, igualzinha como estava há um ano e meio, mas você já deve saber, não é mesmo? Você já deve ter visto algumas fotos dela, enquanto pesquisava sobre ela.

- Tenho que trabalhar Edgar.

- Eu sei, mas não namora o trabalho não e pare de ser insensível.

Eu não gosto da Amélia, apesar dela mexer comigo, e eu não fico pesquisando a vida dela, só quero saber como ela está. No entanto, o Edgar deve ter razão, podia pelo menos ir vê-la, comer uns doces ótimos como este que ela vende.

CAPÍTULO 48

Um ano e meio, minha vida deu um pulo bem alto, fui inocentada, recebi uma herança de um amado amigo, sou dona de uma rede de doceria, vivo em Minas, uma cidade maravilhosa e não vivo em um engano, não mais.

Minha mãe adotiva veio conversar comigo depois que tudo se resolveu, disse que eu deveria ajudá-la por tudo que ela fez por mim durante anos, em outros tempo eu daria dinheiro para ela e suportaria as coisas que ela me disse, mas agora, depois que eu passei por muitas coisas e vi do que sou capaz, eu não abaixei a cabeça, disse para ela sair da minha casa e me esquecer, não dei nada para ela, ela recebeu para depor contra mim, com eu poderia ajudá-la agora? Não tenho mais nenhum vinculo com aquela família, não depois que meu pai faleceu.

Tenho muitas coisas, mas sinto um vácuo ainda, as vezes parece que quando eu vivia aquele sufoco todo de fugir dos policiais, eu era um tanto mais feliz, agora, parece que falta algo e eu sei o que é, ou melhor, quem é: o Bernardo. Nunca conheci alguém como ele e talvez nunca conheça.

Hoje o Edgar veio até a minha doceria, ele sempre vem, a gente senta e conversa, tento não deixar muito explicito e pergunto discretamente sobre o Bernardo, como sempre o Edgar me responde que ele está trabalhando. Já passei meu telefone, meu endereço, já até chamei para ir ao cinema, mas somente o Edgar aparece ou liga, o Bernardo nunca vem. Talvez tenha que ser assim mesmo, a gente nunca daria certo, melhor eu esquecê-lo, ficar aqui em casa, assistindo um filme, comendo pipoca, sonhando acordada.

Dindon.

Quem será? Ah, deve ser o Edgar, ele sempre aparece de surpresa nos finais de semana.

- Ed...Ah, oi!

- Oi Amélia!

O Bernardo apareceu, só porque eu estava pensando em esquecê-lo.

- Posso entrar?

- Claro, entre.

- E ai como você está?

- Bem. E você?

- Bem também, vim te chamar para ir ao cinema.

- Ah, tudo bem, mas eu preciso me arrumar, você espera um momento?

- Espero.

Ele aparece do nada e me chama para ir ao cinema, será que aconteceu alguma coisa?

Tomei banho e coloquei um vestido, então apareci na sala novamente.

- Pronto, vamos?

- Va....Vamos.

Por que ele gaguejou? Parece meio nervoso.

Estávamos saindo quando eu parei e resolvi perguntar.

- Bernardo, desculpe mas por que você apareceu agora? Faz um ano e meio que não nos vemos e agora você aparece e me chama para sair.

- Certo, pelo jeito você continua falando o que não devia.

- Isso eu devia falar, aliás estamos.....Talvez não, você pode ter vindo aqui apenas como um amigo, estamos APENAS saindo, não é mesmo? Ah, eu pensei qu...

Ele colocou o dedo indicador na minha boca, me silenciei e ele começou a falar.

- O Edgar todo final de semana me fala de você, eu tento esconder mas ele é meu melhor amigo e percebe as coisas melhor do eu, na verdade eu não sei o que eu sinto, só tenho medo de arriscar, é que....

Agora é ele, ele está se complicando todo falando, dizendo coisas sem sentido, até que é bem fofo. Me aproximei e o beijei, silenciando-o. Depois que nos afastamos, ele sorriu, e eu também, lógico.

- Podemos começar assim?

- Rsrsrs, desculpe, faz muito tempo que não me envolvo com alguém, me tornei meio insensível, nervoso, confuso. Você vai se acostumar?

- Já me acostumei, esqueceu que ficamos um tempo juntos, fugindo da polícia?

- Você é linda!

Fiquei muito quente, toda encabulada, devia estar vermelha, tentei disfarçar.

- Vamos, então?

- Vamos.

Acho que ele não percebeu minha timidez.

- E não precisa ficar envergonhada, você precisa se acostumar a ser elogiada.

Cedo de mais, calor de novo, acho que estou vermelha novamente.

E assim nós dois saímos para ir ao cinema, o primeiro encontro de muitos que virão, depois de viver em um engano, depois de correr como uma louca com este homem, depois de pensar que tudo estava perdido, agora as coisas estão dando certo, estou conseguindo ver a luz no fim do túnel, estou sendo capaz de tomar minhas decisões com confiança. Sai de um engano junto com o Bernardo para viver uma certeza de felicidade e paz.