RETRATOS DE INFÂNCIA - CAP. 10
As aulas eram sempre de manhã. Nunca os meninos da rua ou eu estudamos no período da tarde. Todos os dias acordávamos cedinho para a escola. Era até bonito ver todo
mundo descendo a rua para a escola do bairro. Naquele tempo era o melhor lugar do mundo, havia uma tranquilidade assombrosa e ninguém ficava chorando quando chegava lá. Talvez no primeiro dia apenas, até cada um se adequar ao ambiente. Particularmente eu amava a escola acima de tudo. Era bem melhor que minha casa. Ali, havia uma atenção especial a todas as crianças e eu tinha a oportunidade de conversar com alguém, visto que não convivia mais com os irmãos, que já eram grandes e cuidavam cada um de suas vidas. Eu fui o único filho único de uma família de vários irmãos.
Uns instantes parados e posso ouvir o barulho das brincadeiras da meninada feliz, descendo para a velha rua em direção à nossa escola. Encho de repente os olhos de água relembrando os fatos antigos que aquelas ruas e pedras guardavam. São como grandes segredos que ficaram gravados na memória e um dia, já adiantado na vida, recordados.
A Escola era muito simples. Naqueles anos educar as crianças não era uma grande preocupação do governo, mas as professoras se esforçavam ao máximo para conseguirem os resultados excelentes que hoje podemos comprovar. Eram de uma dedicação materna e de uma ternura que nos possibilitava um doce aprendizado. A escola era no final do nosso bairro e perto da cadeia pública. Apesar de a cidade ser pequena, a cadeia era uma construção imponente, talvez perdendo apenas para a velha matriz em beleza. Em estilo romano, ocupava todo um quarteirão, ao lado da escola. Sempre ouvíamos de um adulto que ali estavam os prisioneiros mais perigosos do estado. Mas curiosamente não tínhamos medo, embora uma vez houvesse passado na rua da cadeia com minha irmã, indo ao centro da cidade e vi vários prisioneiros com os rostos escondidos em camisetas amarradas na cabeça e batendo com pequenos objetos nas grades e mexendo com as pessoas na rua. As janelas apesar das pesadíssimas grandes no lado sul do prédio davam para a rua. O prédio era afastado da rua, mas não havia muro, então víamos os presos. Nesse dia eu tive medo, pois tive a sensação de que eles quando saíssem dali nos iria encontrar e nos matar. Coisa de criança boba de cidade pequena amedrontada por adultos que gostavam de nos ver apavorados.
Na verdade, eu quase nunca saía do bairro. Raros eram os passeios que eu fazia na pequena cidade. Tinha vontade de crescer, ficar adulto e poder sair para conhecer o mundo. Lembro-me de todo mundo comentar sobre um lugar que despertava minha infantil imaginação.
__ Lá no alto da capelinha a gente pode ver a cidade inteira.
Eu ficava muito curioso e morto de vontade de ir neste tal lugar. Mas era do outro lado da cidade, e embora nada fosse longe, para uma criança era quase uma viagem. Um dia, de tanto eu repetir que tinha vontade de conhecer esse lugar, meu avô adotivo (que eu adotei) disse que me levaria lá. No dia anterior ao dia marcado eu nem dormi! Fiquei acordado e parece que a noite não tinha fim. Enfim chegara o grande dia de atravessar a cidade e de poder ver de perto o lugar que só conhecíamos pela vista distante, a “outra banda” que sempre ficava branquinha nos dias de chuva.
Quando enfim o dia amanheceu, fui cansado para a escola e à tarde seria o grande momento. Meus Deus, vou num morro alto, de onde se pode ver toda a cidade! Eu não me continha de felicidade. A aula naquele dia parecia interminável. O velho sino da escola não soava e eu suava as mãos de ansiedade. Aquele dia devo ter preenchido um caderno inteiro. Mas enfim o sino da escola tocou e eu saí com o coração acelerado porque ia passear. Não me recordo de ter realizado passeios antes daquele dia. Havia no peito um coração que palpitava de ansiedade. Afinal, embora muito pequena, Santo Antônio da Bela Vista era uma vastidão para um garoto que não conhecia nada além do horizonte curto que se mostrava à sua frente, em planícies verdes e campinas mais adiante que terminavam na imponente serra que se via ao longe e que eu nunca cheguei a conhecer na infância.
Logo após o almoço, que foi corrido, meu avô adotivo que seria minha companhia chamou-me à porta de casa e disse:
__ Fiinho, vamo. Tá na hora!
Meu coração parecia não se conter de emoção. Hoje olhando para a velha casa dele, recordo-me daquele homem simples que me levou para lugares tantos e meu coração se aperta de saudade, uma saudade sadia. Observando todo esse cenário, surpreendo-me pensando em como, ainda hoje, a cada lugar novo meu coração se agita como naquela tarde de verão. Ainda sou um garoto dentro de mim.