Vivendo em um engano (Capítulos 31, 32, 33, 34 e 35)

CAPÍTULO 31

Eu estava sentada no canto de um cômodo, com meus braços amarrados em uma grade pendurada na parede. No mesmo lugar que eu, o Bernardo estava pendurado bem no centro do local, o amarraram pelos pulsos, com os braços abertos, em cordas que estavam presas no teto, deixando-o pendurado.

Não sei quantas horas se passaram, só sei que o Bernardo está sofrendo muito, o Xupeta mandou baterem muito nele antes de pendurá-lo e depois disso os capangas ainda lhe deram muitas pauladas com um pedaço de madeira. Eu apenas fui amarrada, mas a dor de ver o meu companheiro sofrer já bastou para eu ficar incapaz de fazer algo.

- Bernardo, você está acordado? BERNARDO! Diz que você tem um plano, por favor.

No cômodo estava eu, o Bernardo apenas, havia uma mesa com uma cadeira também, até que o velho nojento entrou com uns papéis na mão.

- Por favor, pare com isso, solta ele.

- Ele tem que ficar de castigo para aprender algumas coisas.

- Por quê? Olha, a gente vai embora, eu prometo que o Bernardo nunca mais irá te incomodar, prometo que não iremos fazer nada. Por favor o solte. Por favor!

- Você é uma idiota mesmo. Deixa ele! Não sabe o quão boba está sendo só por andar com este imprestável? Tenho vergonha dele ser meu filho. Você acredita que há um tempo atrás ele me prendeu? Que ele teve coragem de algemar O PRÓPRIO PAI?! (ele deu um soco na face do Bernardo) Me tratou como se eu fosse um criminoso! (deu um no na barriga do Bernardo).

- PARE! POR FAVOR, PARE!

Então ele olhou para mim, no canto do cômodo, e caminhou lentamente na minha direção.

- Se te conforta ele está desmaiado, rsrsrs.

Ele pegou a cadeira e sentou na minha frente, começando a narrar sua história.

- Ah algum tempo, quatro anos, mais ou menos, o Bernardo me pegou, ele descobriu que eu havia roubado um banco. Ele é um bom farejador, rsrsrs. A equipe dele apareceu em um hotel que eu estava, ele me prendeu rapidamente, sendo muito agressivo. Pensando em toda aquela humilhação que ele me fez, eu precisava me vingar, não é mesmo? Ele precisava saber como aquela penitenciária me tratava, como é ser incriminado, mas eu errei. Quando armei o plano, eu achava que ele sofreria na prisão, mas fiquei sabendo que assim como aconteceu comigo, ele também fora respeitado por todos, tinham medo dele. E é por isso eu preciso fazer ele sofrer aqui, ele precisa sofrer antes de morrer, senão não tem graça.

- Você é doente! Ele é teu filho, não é? Por que você está fazendo isso com ele? Por que machucar seu PRÓPRIO filho?

- Ele ERA meu filho. Na faculdade de direito eu conheci a mãe do Bernardo, ela era linda, mas muito nojenta, metida, mesmo assim a aguentei para roubar o dinheiro da família dela. Eu vim de uma família pobre AMÉLIA, trabalhei para pagar a faculdade, quis enriquecer rápido, ter tudo que eu sempre sonhei, mas as coisas não deram certo quando o dinheiro da minha mulher acabou. Eu sou advogado, mas amo contas, arrumar um emprego na área de finanças foi fácil, assim comecei a roubar a empresa que eu prestava serviços. Algum tempo depois meu império caiu, antes que a polícia me pegasse, eu fugi para a favela carregando a Bianca pelos cabelos. Aqui, eu descobri que traficar dava muito dinheiro se soubesse administrar. Entrei para uma gangue, me chamaram de Xupeta por ser novato em tudo, remetendo a criança, fui ganhando a confiança do pessoal, até que cheguei no posto máximo, claro que teve mortes neste processo. Ter o Bernardo foi a minha glória, fiquei muito feliz, achei que minha linhagem seguiria pelo morro, mas existia a Bianca no meu caminho.

- Você a matou?

- Não, ela morreu em um tiroteio, se bem que eu podia tê-la protegido, mas ela não me importava mais. Na época da morte dela, o Bernardo já era maior de idade, já estava na polícia, eu já o odiava. No começo da carreira dele, eu achei que estava fazendo isso para poder trabalhar para mim lá dentro, mas não foi assim, ele se tornou um deles, me traiu. Sabe de quem é a culpa? Da incrível e bondosa vaca, a Bianca, ela sempre fez a cabeça dele para ser careta e ele a escutou, principalmente depois que ela morreu, daí ele saiu da favela e mergulhou de cabeça, virando detetive.

- Você devia ter orgulho dele.

- Orgulho? Nunca. Ainda bem que eu adotei o Gabriel, filho de um parceiro que morreu em um assalto. Este menino sim seguiu meus passos, ele me ajudou a acabar com esse aí, que se diz ser meu filho.

O quê? O tal de Gabriel que o Bernardo diz tanto gostar, ELE AJUDOU ESTE VELHO?

CAPÍTULO 32

- O Gabriel nunca gostou do Bernardo.

- Não! O Bernardo sempre gostou dele, sempre o protegeu, os dois são irmãos, o Bernardo o ama.

- Pode ser por parte dele, mas não por parte do meu filho Gabriel, tanto é que ele ficou muito feliz ao me ajudar a colocar o Bernardo na cadeia.

- O Bernardo foi preso por causa dele? Ele ma....Ele matou.....

- Sim! O Gabriel matou a família do Bernardo sim.

Isso é HORRÍVEL! O BERNARDO AMA ELE, o Bernardo disse que faz tudo por ele e ele o apunhalou pelas costas.

- O Gabriel fez o que eu queria, ele entrou na polícia para ser meu informante.

- Isto é errado!

- E o que é certo neste mundo? Agir na legalidade e ser preso injustamente Amélia?

O que ele está insinuando? Agora que eu reparei, ele sabe meu nome, mas como? Eu não disse para ele, nem o Bernardo.

- Você vê como o sistema é falho, como podemos roubar, matar e fazer o que bem entendemos sem sermos pegos? Você vê como é fácil ser criminoso e deixar que os homens de fé paguem pelos nossos crimes, as vezes sem precisar serem presos, só com impostos altos, greves, entre outas coisas, e eu não falo só de pessoas como eu não, que agem ativamente, existem os corruptos, que aí é pior, pois eles matam a pobre credibilidade que a população coloca neles, fazendo-a de idiota.

- Nada justifica o que você fez E está fazendo com o Bernardo.

- Eu preciso me vingar, preciso vingar a minha prisão, preciso vingar a vergonha que ele dá para o meu nome.

- Você é um MONSTRO!

- Monstro? Ah Amélia, você tem mesmo certeza de que eu sou o monstro? Olha, eu posso até concordar com você, mas acho que o seu amado não é diferente.

- O Bernardo não é um Monstro.

- Sabia que você estava APAIXONADA por ele.

- Eu....

- Mulher burra mesmo, aposto que ele não te contou que poderia ter te livrado de ficar na cadeia, não é mesmo? Que ele poderia ter testemunhado a seu favor?

Hã? Como assim? O Bernardo nem me conhecia antes, como ele poderia ter me livrado da cadeia? Olhei incrédula para ele, com certeza estava mentindo, aonde ele queria chegar com esta conversa?

CAPÍTULO 33

- Sabe o que significam estes papéis Amélia?

O Xupeta jogou os papéis, que estavam em suas mãos, para perto de mim, não pude tocá-los, pois estava com minhas mãos amarradas, mas reparei que havia umas fotos minhas e alguns papéis com informações sobre a minha vida, como data de nascimento, nomes da minha família adotiva, etc.

- Estes papéis são sua vida impressa, sei tudo sobre você, nome dos seus pais, da sua irmã, sei que você foi adotada com 8 anos, que seus pais biológico morreram em um acidente, que você ti.....

- POR QUÊ? POR QUÊ VOCÊ ESTÁ FAZENDO ISSO? POR QUE VOCÊ SABE SOBRE MIM?

- Calma, não precisa gritar, ninguém irá te ouvir mesmo, rsrsrsrs. Este é um trabalho do meu filho, o Gabriel, ele será um grande detetive, apesar de eu precisar admitir que não tão brilhante quanto o Bernardo, pois ele tem sede de matar, quando acha um criminoso pensa que este é o único jeito de puni-lo, se bem que eu não discordo dele.

- Eu não quero saber do Gabriel.

- Calada! Quando eu dei meu jeito para mandar o Roberto para penitenciária, foi na intenção dele matar o Bernardo, mas este daí ainda tem muito amigos, ficou sabendo do meu plano antes e ajudaram ele a fugir. Também, confiar em idiotas para fazer um serviço que deve ser feito por você mesmo, não dá, eu fui burro de pensar o contrário. O Roberto é o cara mais corrupto que eu conheço, muita gente tem medo dele, e ele tem medo de mim, por isso faz tudo que eu mando. Conseguir esta posição na sociedade foi duro, mas valeu a pena, é só eu abrir a boca que fazem o que eu quero. Enfim, aquele balofo retardado resolveu se divertir e fazer aquela festa ridícula, os amigos do Bernardo o ajudaram e ele fugiu, mas o plano não deu muito certo quanto ele espera, não é mesmo? Ele precisou carregar um fardo: VOCÊ. O mundo dá voltas Amélia, muitas voltas. Você acredita em destino? ACREDITA?

- Acre.....Não sei, depende.

Estava aflita, ele é doente, não consigo entender mais nada.

- Bom, por ironia do destino, o balofo uniu você e o Bernardo, mas você provavelmente não deve saber qual a ironia, né? Você e ele já se viram antes, Amélia, em um certo jardim de uma casa.

- Eu não estou entendendo onde vo....

- Lembra da noite em que o senhor Eduardo Brandão morreu? Lembra do homem que você viu perto do corpo dele naquela noite?

Não! Isto que ele está dizendo tem que ser mentira! Ele está dizendo que o Bernardo era o....que o Bernardo É O ASSASSINO...DO....EDUARDO.....

- AMÉLIA!

CAPÍTULO 34

Ai que dor na minha cabeça...meu corpo...ele está dolorido...gosto de sangue...sangue na minha boca. Ah, o que está acontecendo? Eu só me lembro do Xupeta, ele estava com a arma na cabeça...na cabeça da Amélia...Ah! E tinha uns capangas me segurando....Não, também tinham algumas pessoas batendo em mim. Droga! Eu desmaiei! Devo ter desmaiado várias vezes, pois eu me lembro de acordar.....acordar e olhar para uns homens....eles estavam segurando pedaços de madeira.....batiam em mim e.... Tenho que sair daqui, achar o Xupeta.......O quê? Por que o chão está longe dos meus pés? Droga, estou pendurado.

- .....os amigos do Bernardo o ajudaram e ele fugiu, mas o plano não deu muito certo quanto ele espera, ele precisou carregar um fardo: VOCÊ. O mundo dá voltas Amélia, muitas voltas. Você acredita em destino? ACREDITA?

Xupeta? Esta voz é dele.

- Acre.....Não sei, depende.

Amélia? É a voz da Amélia.....da Amélia e do Xupeta!

Tentei olhar para o lugar de onde as vozes vinham, era atrás de mim, mas não deu para virar muito a minha cabeça, então tomei um pouco de fôlego e gritei.

- AMÉLIA!

Silêncio. Passos. Choro.

- Fica longe....longe da Amélia, Xupeta.

- Ela precisa saber a verdade Bernardo.

- Que....Que verdade?

- Você mentiu para mim, Bernardo.

- Menti?....Não, Amélia, não chore! O que...você disse...para ela...Xupeta? Amélia...Amélia não...não acredite nele...não acredite...não.

- Sei perfeitamente que você matou o Brandão, não tenho motivos para mentir. Eu já estou te vendo sofrer, daqui a pouco você irá morrer, o que mais eu quero? Por que mentir para esta mulher que você ajudou a colocar na cadeia?

Eu estou esgotado...nem falar....nem pensar...nem....O que eu faço? Ideias...Eu preciso de ideias.

O Xupeta veio para frente de mim, mas ficou afastado, tive vontade de socá-lo até a morte, mas só fiquei na vontade, pois a minha situação não favorecia muito.

- Eu li o depoimento que a Amélia deu na polícia antes de ser presa, ela disse que viu um homem perto do corpo. Na noite da morte do Eduardo você estava fora da prisão, tentando responder em liberdade, mas foi pego por assaltar uma joalheria. Contudo, eu fiquei sabendo que você matou um homem também, fato que a polícia não sabe.

- Eu...Eu não matei ninguém.

- Então não foi você quem a Amélia viu?

- Não.

- Veremos.

Ele voltou para fundo da sala, ouvi um barulho de corrente, um pequeno momento depois, ele estava novamente na minha frente segurando a Amélia. Ele levantou a cabeça dela, deixado-a olhando para mim.

- Solta....Amélia.

- Diz na cara dela que não era você o homem que ela viu naquela noite ao lado do corpo do Eduardo.

- Amélia, eu....

Silêncio. Choro.

- Você mentiu para mim.

- Não....eu omiti....omiti.

- Ah, tudo bem, isto torna tudo mais fácil, você esconder que é o assassino do meu melhor amigo.

- Eu....Eu não sou....

- Ele está fraco Amélia e eu não estou com vontade de ouvir briguinhas. O seu amado de traiu, agora você sente o que eu senti quando o Bernardo me deixou para a polícia? Você não sente ódio por saber que ele matou teu melhor amigo? Ele é assim mesmo, sempre decepcionando as pessoas que gostam dele, foi assim comigo, foi assim com a família, está sendo assim com você. Agora vamos.

- Para onde...?!?!?!

- Calado.

- Solta ela! SOLTA!

Ele saiu com ela da sala, me deixando sozinho.

- Amélia...eu não...assassino...AMÉLIA!...Amélia.....Amé...

CAPÍTULO 35

- Fica aqui. Alexandre!

- Sim senhor!

- Olha esta mulher aqui, vou conversar com o Cabeção sobre o que fazer com ela.

O Xupeta saiu para frente da casa e eu fiquei sentada em um local que quando eu cheguei se chamava sala, com um homem segurando uma metralhadora, eu acho, não entendo de armas.

Depois que o Xupeta me falou do Bernardo, que era ele que estava lá, que foi ele quem eu vi naquela escuridão, eu fiquei mal, mas nem tanto, achei que aquele velho estava mentindo, contudo o Bernado olhou para mim e confirmou, tudo bem que ele não falou, mas a feição de "eu sinto muito" que ele fez, demonstrando que fora ele mesmo, me já bastou para eu entender tudo e agora eu só tenho ódio dele. Como ele pôde matar meu melhor amigo? Pior, como ele pôde fugir e me deixar ser incriminada por algo que eu não fiz? Ele, uma pessoa da lei, um homem que devia ser justo, me fez sofrer uma injustiça e viver em um engano cruel. Eu sou uma burra mesmo, uma azarada, tudo dá errado para mim, TUDO. Eu me odeio por gostar dele, eu o odeio por matar o Eduardo, eu...eu...

- Leva ela para onde eu falei.

Levei um susto ao ouvir a voz do Xupeta, havia até me esquecido que ainda estava naquele lugar e que eu iria morrer, provavelmente.

Os capangas do criminoso-mor me colocaram em um carro e me levaram para um campo, achei que seria morta ali quando eles pararam com o carro, mas para minha surpresa eles apenas me largaram no campo, sozinha, sem nada.

Algum tempo depois, já estava escuro e eu ainda estava ali, naquele lugar onde me deixaram, agora com muita raiva da vida, dos acontecimentos da minha vida.

Minha vida não era MARAVILHOSA, mas eu conseguia levar. Agora...ai meu Deus, agora eu não sei mais o que fazer. Não acredito que tudo isso está acontecendo, é impossível.

- IMPOSSÍVEL!

Não importa se eu gritar ou pensar que é impossível, eu não vou acordar na minha cama amanhã, preciso admitir que esta é a mais pura realidade, eles cometeram um engano e agora eu estou vivendo em um engano. Quando será que tudo isso vai acabar? Daqui 12 anos, foi o que me disseram. "Que bom, passa rapidinho, melhor do que 20 anos", aquele cara imbecil, como ele pôde me dizer isso? Claro que ele pôde, não é ele que ia perder a vida trancado.

Precisava ter bom comportamento, mas agora?! Aaaaaaaaaaaah! EU ODEIO ISSO TUDO QUE ESTÁ ACONTECENDO!

- EU ODEIO!!!!!

Tinha tantos problemas, então o maior de todos aconteceu, quem diria que as coisas não podem piorar? Minha vida está de cabeça para baixo, o Sol cada vez mais quadrado, agora nem tanto, afinal estou em um lugar qualquer de Minas, em alguma hora da noite, logo não há Sol, nem quadrado e nem redondo. Ai, só me resta rezar para que nada de ruim aconteça, afinal estou perdida.

Pensando bem, eu estou sozinha aqui, minha vida já está um bagaço, não tenho mais nada a perder a não ser....morrer. Sempre fui quieta e nunca fiz nada valer a pena, eu encontrei um homem legal, bonito, estranho e eu sei que no fundo ele é fofo. NÃO AMÉLIA! Tira isso da cabeça, o Bernardo matou o Eduardo, este sim era um homem legal, este sim era um homem que valia pena. Por que então eu não consigo sentir ódio dele? Apesar de eu dizer que eu sinto ódio, eu realmente não sinto, são somente palavras.

Vou deitar aqui, olhar para o céu estrelado e ver as minhas estrelas, afastar estes pensamentos.

- O que eu faço Edu? Pai? Me deem uma luz, algum sinal, qualquer coisa para que eu possa seguir em frente.

Estou com fome, se o Bernardo estivesse aqui ele......NÃO! Tudo bem, já parei. Esquecendo! Mas em dinheiro eu tenho pa...espera um minuto, o que é isso?

Havia colocado a mão no meu bolso do shorts, mania para ver que não tinha dinheiro mesmo, foi aí que percebi que tinha uma coisa no meu bolso, algo amaçado. Peguei, ajeitei para ficar mais visível e percebi que era o cartão do Edgar, amigo do Bernardo.

- Mas como isto veio.....Já sei, quando o Edgar deu o cartão para o Bernardo, ele me deu para guardar no bolso do shorts, então quando eu troquei de roupa, eu passei tudo que estava na roupa antiga para a "nova". Nossa, eu tinha até me esquecido. Será que isto é um sinal? Sendo ou não, eu sinto que eu preciso sair daqui, ligar para um certo detetive e ajudar uma certa pessoa. O problema é: para onde eu vou?