Proeminência Selvagem - Laya
Ela pode ouvir mais do que os outros. Enxergar além. Correr mais. Camuflar. Voar. Respirar sob as águas. Escalar grandes alturas. No entanto, parece ser a mais frágil das criaturas. Uma jovem, loira, de cabelos lisos, olhos verdes. Pele branca, semblante sereno. Laya havia se deitado em mais uma noite tensa – era a véspera do ano lunar. Mesmo assim, vestiu sua camisola branca, subiu a enorme árvore em que sempre repousava e caiu no sono. Quando acordou, já era dia, embora o céu estivesse cinza. Via o céu, e achava estranho. Desde que seu povo decidiu habitar as partes mais densas da floresta, a copa das árvores milenares era todo o céu que possuía. Agora via aquela coisa deslumbrante que diziam ser o céu e parecia estar nervoso. Sentia um vento alterado, daqueles que as árvores sopram em dias de chuva. Ao seu redor, não havia árvores. Pelo menos, não perto.
Era trigo. Ela sabia o que era trigo, mas nunca tinha visto além dos livros. Era um campo de trigo, dourado, que balançava com o sopro do vento. Ficou deslumbrada com o céu por tanto tempo que nem se preocupou em se levantar. Quando conseguiu, pôde avistar outras pessoas, igualmente deitadas sobre o campo de trigo. Conseguia ver ao longe umas cinco. Uma delas era um garoto, de cabelos médios, castanhos, porte atlético. Ele estava de pé e a avistava.
Laya não teve muito tempo. Viu o garoto abrir suas mãos e fazer algum tipo de movimento com elas. Foi o suficiente para que, rajadas vermelhas de fogo saíssem de sua mão e começassem a tomar o campo de trigo. Ela não se conteve e soltou um grito agudo. Percebeu que o grito certamente chamou a atenção de outros, mas a esta altura a fumaça já tampava quase que totalmente o campo de visão. Não restou escolha, e Laya correu para longe do incêncio. Não entendia nada, e mal conseguia ver seus pés caminhando.
A gravidade não ajudava, principalmente em queda livre. Foi quando ela percebeu que estava em queda livre. A fumaça havia tampado todo o seu campo de visão e correndo desesperadamente Laya havia caído em um precipício rochoso. O chão seria questão de segundos. A jovem loira teve de pensar rápido e usar suas habilidades, e tornou-se uma águia branca, voando por sobre o precipício. Ainda desorientada, parou sobre a ponta de uma rocha ao lado oposto ao que caiu. Envolta por uma leve brisa dourada, tornou-se a garota loira novamente. Estava cansada. Nunca teve de se materializar sob tanta pressão. Na verdade, nunca se materializava de forma defensiva.
Seu povo, os Siriahnos, habitavam tranquilamente a parte mais densa das florestas, onde raramente eram incomodados. Quando alguém conseguia encontrá-los era por puro acaso. Andarilhos e fugitivos que se perdiam na floresta por dias e por sorte – ou azar – acabavam invadindo território Siriahno. Fora isso, era um povoado tranquilo. Mas isso não os tornava imune a guerra. Estavam escondidos justamente por terem sido fortemente perseguidos durante os anos iniciais de batalha. Sabe-se que os Sriahnos controlam os animais e podem assumir todas as habilidades e formas que estes possuem. Ou seja, têm uma infinidade de poderes, que em uma guerra, eram traduzidos como ameaças. Foram dizimados. Praticamente tornaram-se alvos de todos os povoados e em um ato de esperteza, refugiaram-se nas florestas. Viviam tranquilos, mas ainda assim, era uma vida escondida.
Laya acreditava fielmente na lenda do Purgatório dos Deuses. No último ano lunar, seu próprio irmão havia desaparecido. Alguns diziam que ele havia sido o escolhido daquele tempo, outros simplesmente preferiram continuar descartando a lenda e atribuindo o sumiço do jovem a outras causas. No entanto, ela acreditava que o irmão havia sido escolhido pelos deuses para salvá-los. Sua crença só se foi quando um novo ano lunar se aproximou e seu povoado ainda estava lá, no meio da floresta, vivendo as consequências da guerra. Seu irmão havia falhado? Ou ele nem se quer havia sido um escolhido?
De fato, se seu irmão, jovem, forte e habilidoso havia falhado ao salvar seu povo, Laya começou a se desesperar, imaginando que ela não teria a menor chance. Tentou se distrair. Para um lugar com nome tão pesado a paisagem era bonita demais para um purgatório. Via a fumaça, vindo por detrás do precipício pelo qual havia caído. Não conseguia ver movimento. Na verdade, agora via. Ao longe, em um extremo do lado oposto do precipício, Laya viu um garoto se ajoelhar. Pressentindo o perigo, ela decidiu que deveria fazer o melhor que os Siriahnos faziam – esconder-se. Em uma nova brisa dourada, Laya transformou-se em uma puma, e começou a correr o mais rápido que pôde. Se ela poderia salvar seu povo, ela tentaria. Quem sabe até encontraria seu irmão perdido por ali.