Romeo - (1º Capítulo -primeira, segunda e terceira partes)

Olá, possíveis leitores. Já faz um tempo que eu não publico nada aqui no site: a vida, sempre corrida, às vezes não dá outra alternativa. Mas nos últimos dias eu decidi que apesar da correria eu precisava encontrar tempo para fazer o que eu gosto - escrever- e espantar também a preguiça das horas vagas de lado.

Bom, para começar, estou compilando os meus três textos publicados ano passado. Estou trabalhando em mais um para fechar o primeiro capítulo da história de Romeo (quando terminar dou um update), e vou prosseguir agora sem interrupções, publicando em intervalos regulares desta vez. Quem não havia lido os textos e de alguma forma gostar, por gentileza deixe um comentário porque isto me deixa muito feliz mesmo. Espero que gostem, faço tudo de coração.

So lets go!!!

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Prólogo

Eu não sou um macaco.

Esta é a primeira coisa que você precisa saber sobre mim.

Sei que pode ser um jeito estranho e até mal-educado de se apresentar, mas não me leve a mal: eu apenas estou poupando o seu tempo, já que todos que me conhecem pela primeira vez fazem esta pergunta, alguns intimamente, alguns de forma direta.

Quero dizer, pelo menos por dentro eu não sou um macaco. Por fora, qualquer um pensaria estar na frente de um simples chimpanzé... Sim, um chimpanzé, aquele primata encontrado nas florestas e savanas africanas, ou naquele zoológico decrépito da sua cidade. Agora, porquê exatamente eu me pareço com um, esta é a pergunta que me fiz durante toda a minha vida, e que só há pouco obtive a resposta.

Esta é a história de como eu soube de toda a verdade, e da inusitada e grandiosa aventura em que me meti até descobri-la.

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Capítulo 1

Confusão na Joalheria

Deixe me apresentar direito.

O meu nome é Romeo. Romeo Belafonte. Tenho 16 anos, e sou um garoto normal da minha idade. Gosto de videogame, de ir ao cinema, de música e, claro, ficar de bobeira na internet.

Quer dizer... pelo menos eu ajo como um garoto normal de 16 anos. Por que, como vocês já sabem, a vida resolveu me pregar uma peça de gosto muito duvidoso e eu, ao invés de me parecer como você ou qualquer outra pessoa no mundo ( partindo do pressuposto de que o leitor não seja nenhum dos mestiços espalhados por aí), tenho o visual peculiar e desengonçado de um chimpanzé.

Sei que talvez esteja curioso para saber o que eu sou –uma aberração genética, talvez?-, mas antes de chegarmos a este ponto, que está reservado para a parte final deste meu relato, foquemos por enquanto no fatídico dia em que a minha vida sofreu a ruptura que, talvez, estivesse há muito escrito nas estrelas para acontecer. Acredito nestas coisas de Destino agora, depois de tudo que vivi. Aliás, passei a acreditar em tanta coisa que às vezes até me surpreendo...

Bem, tudo começou em um dia ensolarado no meio do verão mais quente que já tive o desprazer de vivenciar.

Acordei tarde , como era de praxe aos sábados, quando não precisava levantar às sete para me submeter às sempre tediosas aulas do Sr.Torres, o meu professor particular, e depois de ficar um tempão olhando para o teto, refletindo se valia mesmo a pena sair do conforto da cama para encarar aquele dia quente e preguiçoso, me arrastei como um zumbi de filme de terror B para o banheiro. Um zumbi preto e peludo, com um péssimo humor ao acordar.

Estava a meio caminho quando algo me chamou atenção pela janela.

Meu estômago queimou de repente. O carro do filho do meu vizinho estava estacionado na entrada do jardim dele; um carro das antigas, todo reformado e reluzente, que certamente devia valer uma pequena fortuna, mas que me fazia ranger os dentes toda vez que o via. O motivo? Por que ele significava que o filho do Sr. Roland, aquele inglês pão-duro e mal encarado que insistia em me olhar como se eu tivesse acabado de pular do caminhão do circo, estava a visitá-lo, com sua trupe de metaleiros, e passariam a tarde toda enfurnados no antigo quarto do rapaz, tocando o tipo de som que me faz querer arrancar os tímpanos.

Revirei os olhos e me afastei rapidamente da janela. O dia já não tinha começado bem.

Depois de utilizar o banheiro (aproveitando para lavar bem o rosto para acordar de vez), desci para tomar o café da manhã. Olhei no relógio da sala, em cima do console da lareira: eram 10:30. Com sorte encontraria meu pai ainda na cozinha, comendo aquela comida integral que ele tanto gostava. Depois da ameaça de infarte na primavera passada, ele passou a ficar obsessivo com a saúde e boa forma, e comprava todo o tipo de livros e manuais imagináveis sobre o assunto. Quando voltava do supermercado, com as compras do mês, metade das sacolas vinham recheadas de coisas que indicavam conter menos sódio, calorias, açúcar ou qualquer outra dessas baboseiras alimentícias que bastavam para me fazer perder o apetite. Fora que, para mim, estas comidas saudáveis tem um gosto horrível! Mas gosto é gosto, não é?

Entrei na cozinha e lá estava ele, com seus braços musculosos recém-adquiridos se destacando de sua camisa regata com padrão do exército, já pronto para a sua habitual corrida pós-café. Estava lendo The London Times, e comendo uma torrada light com geléia light, com um saudável copo de iogurte light ao lado (ugh!). Ao me ver, sorriu e fechou o jornal.

- Oi filho, como vai? –perguntou ele, puxando a cadeira ao lado para eu me sentar.

-Bem... –respondi, me sentando, ainda com resquícios do meu mal humor matutino.

- Aceita uma torrada com geléia? É aquela de uva que falei que estava difícil de encontrar. Achei duas embalagens ontem no empório do Sr. Roland.

Nem precisei dizer nada. Pela minha cara de macaco entediado ele deduziu qual era a resposta.

Um longo silêncio se seguiu, no qual meu pai reabriu o jornal e eu me servi das coisas que realmente valiam a pena ali na mesa. Graças a Deus que Helena, a cozinheira, sabia que nem todas as pessoas na casa estavam dispostas a evitar um ataque cardíaco. Por essa razão fazia as panquecas, omeletes e vitaminas que eu mais gostava, e eu, com meu apetite adolescente, devorava tudo até o último átomo.

Alguns minutos de comilança selvagem e desesperada se seguiram até que meu pai finalmente quebrou o silêncio. Pensei que ele ia me aconselhar sobre calorias, ou ralhar diante da minha total falta de etiqueta à mesa; mas o que ele disse me fez ter esperanças de que o dia podia melhorar.

-Filhão, é o seguinte: preciso da sua ajuda. Hoje é o aniversário de casamento meu e da sua mãe, e queria fazer uma surpresa para ela.

-Hã, mas que tipo de surpresa? –indaguei, tentando imaginar algo bom o suficiente para que minha mãe pudesse se surpreender, nas atuais conjunturas.

-Bem... – Ele me passou o jornal que estava lendo, aberto em uma página específica. –Acabei de ter a idéia, na verdade. Olhe.

O que ele me mostrou não era um anúncio, como se podia esperar. Era uma matéria, mesmo, cujo título era: JOALHERIA LUX-MARION ABRE SUA PRIMEIRA LOJA NA CIDADE, COLOCANDO À VENDA RARÍSSIMO COLAR DE 1 MILHÃO DE EUROS. Tudo em majestosas letras garrafais. Quando terminei de ler o título quase engasguei. Por acaso o meu estimado progenitor enlouquecera de vez!?

-Pai, não me diga que quer comprar este colar para a mamãe! Faça-me o favor...

-Fala baixo! –exclamou ele, chegando mais perto. – Não quero que sua mãe nos ouça.

- Pai –disse eu, afastando o jornal o máximo que pude dele.- Sei que vocês merecem ter um aniversário de casamento memorável e tudo o mais, principalmente depois de tudo o que aconteceu entre vocês. Sei que quer reconquistar a mamãe. Mas um presente desse é um absurdo! Sabe quantas pessoas no mundo não tem um tostão nem para comer?

-Sei –disse ele, surpreso e visivelmente desapontado. Ele devia estar esperando uma reação mais positiva da minha parte.

De repente, fiquei com um pouco de pena dele. Eu entendia a sua posição: a de um homem que cometera um enorme erro matrimonial, e que queria restabelecer o casamento. Eu senti subitamente que precisava apoiá-lo nesta tarefa, mesmo em um ato de capitalismo imprudente como aquele.

-Bom, pai, quer saber, o dinheiro é seu, você trabalhou a vida inteira para tê-lo, e faz o que quiser com ele. Pelo menos é por uma boa causa. Acho que mamãe vai adorar. Então, estou dentro!

O rosto dele se iluminou de felicidade.

-E depois de comprarmos o colar, que tal uma tarde de pai e filho onde você quiser, topa? – Ele finalizou com uma piscadela cúmplice hilária.

-Fechado. Depois podíamos ir a uma livraria, preciso atualizar a minha biblioteca de livros de fantasia e ficção científica.

Ele deu uma risada e se levantou.

-Então está combinado, filho. Agora preciso correr um pouco para queimar as calorias do café, e depois preciso dar um pulo no escritório. Uma das advogadas que contratei está dando problemas e preciso ver o que fazer com ela. Depois, umas três da tarde, venho te pegar, portanto esteja pronto. Não conte nada a sua mãe, heim.

E então saiu da cozinha, me deixando sozinho com aquelas assustadoras torradas integrais.

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Eu tinha um grande desafio pela frente: o que fazer até o meu pai voltar?

Sério. Ultimamente eu andava tão entediado com a minha vida! Pois ao contrário do que algumas pessoas podem imaginar, a vida pode ser um saco até mesmo para um rapaz preso no corpo de um chimpanzé...

Na realidade, este era o principal motivo da minha falta de motivação naquele momento. E digo isto não apenas pelos motivos óbvios, que existem e sempre existirão, envolvendo a minha aparência e as pessoas normais, mas também pelo que este bizarro acaso do Destino havia me tornado por dentro, como pessoa.

Antes de mais nada, gostaria de dizer que nunca fui uma pessoa complexada. Longe disto. Claro, eu também não sou como o Tony, o meu melhor amigo que, assim como eu, é um mestiço, e ao qual em breve o leitor será apresentado. Ele é um caso a parte para mim, e não liga a mínima para o fato de se parecer com um macaco-prego. Joga até banana nos outros quando está em um dia ruim, veja só!

Para dizer a verdade, eu demorei um pouco até saber que era diferente, quando criança, já que raramente saia de casa e tinha contato com os pequenos de aparência normal. Não culpo os meus pais por esta superproteção e por terem optado por me educar através de um professor particular ( o Sr. Torres). Não mesmo: isto certamente me evitou uma série de constrangimentos iguais aos que tive certa vez, aos treze. Mas mesmo tendo sido alienado por um bom tempo com relação a esta parte da minha vida eu podia sentir vagamente que havia algo errado comigo. Eu não me parecia com meus pais e nem com nada que já tivesse visto...

Consigo lembrar como se fosse hoje a primeira vez que vi a foto de um macaco.

Foi em um Hospital aqui em Londres, onde me consultei com um famoso pediatra e pesquisador. Era um cara renomado, com diversos artigos publicados em respeitáveis publicações científicas sobre casos raros da pediatria e coisa e tal, e que tinha um jeito engraçado de falar como se vivesse com duas maçãs alojadas dentro da boca. Seu nome era Dr. Marcus Sharpe. Um pilantra de marca maior, como descobriríamos mais tarde.

Esta havia sido a primeira vez que eu saíra para um lugar público como um hospital, e bem no dia mais cheio do ano, a maioria das pessoas pegas de surpresa por uma virose nova que se espalhara na cidade. Não preciso nem dizer o quanto causei ali, um pequeno chimpanzé-menino de cinco anos entrando de mãos dadas com um homem e uma mulher e se sentando na fila de espera.

-Mãe, por que tão todos olhando pra gente? –lembro de ter perguntado, baixinho, acanhado.

-Por que eles nunca viram um rapazinho tão bonito quanto você –ela respondeu, me pegando no colo. Acho que para sempre lembrarei dela dizendo isto, e de como tudo pareceu fazer sentido para mim.

Depois de bilhões de minutos na sala de espera, cercado de olhares curiosos, cochichos espantados e narizes escorrendo, enfim o médico resolveu chamar o meu nome.

-Romeo Belafonte!

Nós nos levantamos depressa e andamos até ele, que aguardava na porta, me observando atentamente com uma expressão muito gozada no rosto, algo entre chocado e maravilhado.

-Por favor, entrem – disse ele, abrindo caminho e desviando o olhar de mim somente para dar uma rápida checada na horda de pequenos catarrentos que ainda teria de atender naquela tarde.

A sala dele não era muito grande, mas lembro que tudo ali era imaculadamente branco, limpo e bem arrumado. Minha mãe tem mania de limpeza e arrumação (às vezes tão excessiva que chego a pensar ser um T.O.C dela), mas aquele médico ali devia ser neurótico. Não havia uma única folha de papel fora do lugar. As paredes, brancas como houvessem sido pintadas naquela manhã, tinham uma série de pequenos quadros coloridos entre as estantes de livros, o único toque alegre do ambiente, alinhados de modo tão milimetricamente correto que chegava a ser perturbador. Havia também alguns potinhos de vidro na mesa, todos devidamente etiquetados com nomes como “Algodão” e “Palitos” –este último aqueles malditos pedaços de madeira que os médicos adoram colocar na nossa goela só para nos deixar com vontade de vomitar. Observei tudo com muita curiosidade, até que ele se sentou em sua poltrona com um baque surdo e resolvi que era hora de prestar atenção.

-Boa tarde Sr. e Sra. Belafonte, que prazer tê-los finalmente aqui –ele começou, com sua voz entalada, visivelmente ansioso. Seus olhos não desgrudavam de mim, e isso estava começando a me irritar. Fechei acara. - E você, pequeno Romeo, como vai? –Ele se esticou para frente na mesa e me estendeu a mão, para que eu a apertasse. Eu não apertei.

-Fale comigo, vamos? Mostre o rapazinho educado que você é.

-Eu não sou educado! –eu respondi, cruzando os braços.

Ele arqueou as sobrancelhas e voltou a atenção para os meus pais. Parecia satisfeito com a minha resposta.

-Pois bem, senhores. Primeiro, peço desculpas; eu simplesmente não pude agendar uma consulta particular para o pequeno aqui. Estou totalmente sem horário disponível por esses tempos. É consulta, palestras , aulas no Imperial College... Se continuar assim vou ter de agendar até as minhas refeições!

Meus pais riram, mas percebi que estavam nervosos. Podia sentir a tensão entre eles.

-E também –ele continuou-, devo ser sincero ao dizer que até ver vocês ali na fila de espera há poucos minutos eu não acreditava que estavam falando sério. Quero dizer, o rapazinho é um caso raríssimo na medicina, e...

-Espere! –interrompeu a minha mãe de repente, tão alto que eu quase pulei no ventilador de teto. Meu pai, à época ainda bem pançudo, se inclinou para frente, também aturdido. –O que o senhor quer dizer com “um caso raro”? -prosseguiu ela.- Pensei que ele era o único!

-Não, ele não é –disse com firmeza o Dr. Sharpe, e com um movimento rápido sacou um notebook de uma das gavetas de sua reluzente mesa branca.

O doutor levantou a tampa do computador, digitou algumas coisas e então disse:

-Quando vocês me ligaram, há três dias, como eu disse, pensei que fosse um trote. De verdade, a história de vocês é de fato incrível. Um menino humano, com a aparência de chimpanzé: não é algo que se ouve todo dia! Juro que estava quase a desligar quando, então, lembrei de um artigo que havia lido há muitos anos, ainda na faculdade. Em resumo, o artigo era uma compilação de relatos sobre um raro caso em que bebês animais nasciam de mães humanas. Os relatos datam do começo do século 18 até o fim da Primeira Guerra Mundial, e na verdade são tão inacreditáveis que eu apenas li por que sempre fui muito curioso. E justamente devido à minha inexcusável curiosidade que fui compelido a marcar a consulta, mesmo sabendo que podia ser algum tipo de piada.

Ele deu uma pausa dramática desnecessária e continuou:

-Fato é que, ao desligar, perdi toda a longa noite de sono que havia planejado pesquisando sobre o assunto na internet. Como a senhora me disse por telefone, Sra. Belafonte, a senhora havia feito muitas pesquisas particulares sobre o assunto, inclusive na Rede, mas compreendo por que teve tanta dificuldade para encontrar algo a respeito -é um assunto muito obscuro, e acho que estava procurando da maneira errada. Eu mesmo levei algumas horas até finalmente encontrar algo, uma página que continha exatamente este artigo que falei. Trata-se de um fórum sobre casos... bem, casos bizarros da medicina. E qual não foi a minha surpresa ao ler os comentários do fórum! A maioria era bobagem de adolescentes, que adoram escrever besteira na internet, mas dois deles me soaram particularmente curiosos. Ao que parecia, duas pessoas afirmavam ter amigos de aparência animalesca: um deles, um rapaz indiano chamado Abhay, aparentemente nascera como um lobo, e Tony, um garoto brasileiro, nascera como um macaco-prego. Resolvi, diante disto, entrar em contato pelos e-mails que eles forneceram no site. O que obtive destes contatos foi, digamos... muito interessante...

Desta vez a pausa foi para procurar alguma coisa dentro do computador. Aproveitei e olhei para os lados, paras os meus pais. Eu, particularmente, não estava entendendo droga nenhuma do que aquele doutor maluco estava dizendo, mas eles pareciam estar, inclinados para frente como se fossem alunos em uma importantíssima aula de revisão antes das provas finais. Nunca tinha visto minha mãe tão calada deste jeito, então supus que a coisa deveria ser séria. Mas não me importava: eu só queria era sair daquele lugar estranho com aquele doutor mais estranho ainda e voltar para casa para jogar videogame.

Com um pigarro, o doutor prosseguiu:

-Bem, aqui eu acho que preciso fazer uma pergunta a vocês, Sr. E Sra. Belafonte. Por telefone, vocês me informaram que nunca haviam permitido que Romeo tivesse acesso à imagens, seja na internet, em livros, ou até mesmo na televisão, que o fizessem perceber com o que ele de fato se parece. Na verdade eu compreendo o cuidado de vocês, a preocupação de não fazê-lo se sentir diferente das outras crianças, e coisa e tal. É uma atitude muito positiva e mostra o quanto vocês o amam. Mas, por outro lado, do meu ponto de vista, acho que ele já está grandinho o suficiente para começar a compreender certas coisas. Por isto a pergunta: os senhores me autorizam a mostrar algumas fotos a ele?

Um silêncio completo baixou como uma névoa no consultório. Meus pais pareceram gelar, e se entreolharam com olhos comicamente arregalados. Eles não estavam muito falantes naquele dia. Entre eles, percebi, havia algum tipo de comunicação com o olhar, e então depois de alguns segundos minha mãe concordou com a cabeça.

-Sim, doutor, pode mostrar para o Romeo a verdade. Acho que eu e Jorge fomos longe demais com essa história de protegê-lo. De qualquer forma, mais dia, menos dia, a vida se encarregaria mesmo disto. –Sua voz de repente soou embargada, como se ela estivesse segurando para não chorar na minha frente.

-Então está certo. Vai ser melhor desta forma.

E com mais um gesto rápido ele virou a tela do computador para mim.

Deste momento eu me recordo com certa vergonha hoje em dia, assumo, já que foi uma das poucas vezes em que deixei meu lado símio aflorar. Pois no momento em que vi pela primeira vez a foto de Tony, peludo e fazendo uma careta para a câmera, eu me enxerguei nele, eu compreendi que de fato eu era diferente e que ele era igual a mim, e comecei a pular na cadeira, gritando e apontando para aquilo como se tivesse feito a descoberta mais fantástica do universo. Eu nunca havia visto um macaco na vida, e obviamente já havia me visto no espelho. As semelhanças eram óbvias.

-Mãe, mãe, olha, ele é igual a eu! Ele é igual a eu! –eu disse, gritando, histérico.

Minha mãe, coitada, já estava chorando, e meu pai a estava consolando. A cena parecia tirada de algum bizarro dramalhão mexicano.

-É sim, Romeo, ele é bem parecido com você –disse o Dr.Sharpe, com um sorriso.- O nome dele é Tony e ele mora em um país bem longe daqui. Vocês se parecem muito, ele também é um garotinho muito legal, pelo que conversei com os pais dele. Ele gosta muito de videogame também. Você gostaria de conhecê-lo algum dia?

-Doutor, já chega por hoje! –exclamou meu pai, que pareceu finalmente ter readquirido a língua. – Acho que já houve emoções fortes o suficientes para um dia, e a Estella precisa tomar um copo de água com açúcar. Não podemos marcar uma consulta para a semana que vem?

Dr. Sharpe pareceu desapontado.

-Tudo bem, Sr. Belafonte. Tudo bem. Agora que sei com o que estou lidando, posso começar as minhas pesquisas sobre esse caso, e espero poder ajudar a entender melhor o Romeo. Vai ser um longo caminho, tortuoso, mas estou muito excitado para percorrê-lo. Um caso desses... nas minhas mãos!

-Só que o senhor se recorda do que eu e minha esposa dissemos, não é? –advertiu meu pai, sério.

-Sobre não contar sobre Romeo e a situação dele a ninguém? Podem ficar tranquilos, eu sou muito zeloso com relação ao sigilo da minha profissão. E garanto que as minhas pesquisas ficarão somente entre os interessados, e apenas serão dirigidas por mim.

-Assim esperamos!

Meu pai nunca falhou tão miseravelmente em confiar em alguém.

[Continua...]

Felipe Lundgreen
Enviado por Felipe Lundgreen em 10/04/2012
Reeditado em 10/04/2012
Código do texto: T3605180
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