Vivendo em um engano (Capítulos 25, 26 e 27)

CAPÍTULO 25

Depois de andar bastante de carro, resolvi deixar o automóvel no acostamento da estrada e entrar em um mata que havia ali perto, afinal já tínhamos andado muito, provavelmente os policiais já tinham nos localizado e para nos achar será rápido, principalmente se utilizarem um helicóptero.

Eu havia visto que os policiais, ao nos pegarem, colocaram as coisas, que a Amélia conseguiu, dentro do porta malas ao invés de devolverem aos civis, então eu e ela pegamos tudo e levamos conosco para a mata.

- Estamos onde?

- Eu não sei, mas é perto de Belo Horizonte.

- Eu morava lá, antes de ser presa.

- Achei que você fosse de São Paulo.

- Eu sou, mas quando deixei minha família adotiva eu fui morar em Minas, mais especificamente em Belo Horizonte.

- Ah.

- O homem que se chama Xupeta, ele mora lá?

- Mora. Mudando de assunto, precisamos trocar de roupa antes de prosseguirmos, ou melhor, você precisa, porque eu já me troquei.

- Mas eles já sabem como você está vestido, é melhor trocar também.

- Certo, então vamos mais para frente, mais para o meio da mata, daí a gente troca.

- Tudo bem.

Andamos mais um pouco e encontramos algo que deixou a Amélia muito feliz.

- Não acredito que tem uma cachoeira aqui.

- Não é uma cachoeira.

- É sim, a água está caindo das pedras.

- Mas cachoeiras são bem grandes, isso é apenas um pouco maior do que eu.

- Rsrsrs. Tudo bem, mas pelo menos podemos nos refrescar, ficarmos limpos e mais apresentáveis.

- Eu não vou entrar aí, não temos tempo.

- Está escurecendo já, as buscas irão acabar, não é mesmo?

- Provavelmente.

- Então! Já andamos bastante, estamos na frente, podemos nos limpar, dormir e amanhã continuamos.

- Temos que andar um pedaço bem grande ainda Amélia, estamos perto de Belo Horizonte, mas não sei o quão perto.

- Vamos de ônibus. A gente procura uma rodoviária, ou algum ponto e pegamos um ônibus para cidade.

- Precisamos achar alguém para nos "dar" dinheiro.

- Eu tenho dinheiro.

- Tem?

- Eu não disse que os senhores eram muito bonzinhos? Eles me deram 100 reais, eu acho que é isso, pois todo mundo deu um pouquinho, somando tudo acho que dá isso.

Não acredito que até dinheiro ela conseguiu, talvez não tenha sido uma má ideia ela vir comigo.

- Agora você me convenceu.

Tirei minha roupa e entrei nu na água, parecia um riacho ali. Nem percebi quando a Amélia entrou, na verdade eu nem podia senão ela ficaria brava comigo, ela é muito reservada, lembro-me no curral quando fomos trocar de roupa, ela quis que ficássemos atrás do lençol para nos trocar, um de cada lado, ela é muito boba, rsrsrs.

Quando me virei para falar com a Amélia, eu a vi levantando de um mergulho, ela estava de roupa, rsrsrs, eu sabia que ela faria isso. Nossa, ela é mesmo bonita, cabelo preto, comprido, liso, pele morena clara, olhos bem negros, grandes, ela é linda. Totalmente diferente da minha mulher, ela também era linda, mas era loira e bem branquinha, toda miúda, delicada, não que a Amélia não seja delicada, mas é que ela é mais "eu me protejo" do que "me proteja", como a minha mulher era.

Ah, melhor afastar estes pensamentos e me concentrar em chegar na favela do Xupeta. Me levantei para sair da água, então a Amélia chamou.

- Ei Bernardo! Você já vai sair?

- Preciso fazer planos.

- Agora?

Ela veio ao meu encontro e segurou delicadamente o meu braço.

- Ei, eu sei que precisamos nos organizar, mas relaxa um pouco.

- Não estamos de férias Amélia, isto aqui é sério.

- Eu sei! Olha, você não acha que se ficar nervoso e agressivo toda hora, quando encontrarmos esse tal de Xupeta, ele estará mais disposto do que você? Você precisa descansar, amanhã chegaremos lá e você poderá saber a verdade, vai dar tudo certo.

A luz da Lua estava iluminando muito bem o rosto dela, deixando-a ainda mais bela. Ela estava bem próxima de mim, então eu não consegui me segurar, agarrei a Amélia e a beijei ardentemente. Depois de um tempo nos separamos, ela sorriu e ficou me olhando docemente.

Ficamos nos olhando por um tempo, então eu voltei a realidade e percebi que havia feito uma burrada. Tudo isto é muito sério, não pode haver sentimentos, não pode haver casos, não pode haver nada além da minha vingança, principalmente se for com a Amélia.

Virei as costas para a Amélia sem dizer nada, precisava pensar sobre o que estava acontecendo comigo, preciso manter o foco, não posso me distrair com estas coisas.

CAPÍTULO 26

Coloquei a roupa limpa que a Amélia conseguiu com os senhores da estrada e fiquei deitado olhando para o céu.

- Está tudo bem?

Olhei para a Amélia, ela ainda estava com a roupa molhada, havia acabado de sair da água.

- Está sim. Você não vai trocar de roupa?

- Por que você ficou assim?

- Amélia, vai trocar de roupa.

- Você não pode evitar o que aconteceu. Eu e você nos beijamos, eu gostei, você também, mas agora você fica assim, eu....

- Amélia, o que aconteceu foi um erro.

Ela abaixou a cabeça, acho que eu não devia ter dito aquilo.

- Você ainda gosta da tua mulher, não gosta?

Se ela estava indo por aquele caminho, eu iria segui-la, não posso lhe dizer o real motivo, pois além de eu não poder me envolver para não perder o foco, eu também não posso porque ela estará ficando com alguém que poderia tê-la livrado da cadeia, mas não livrou.

Balancei a cabeça positivamente, a Amélia se levantou e foi trocar de roupa, depois eu a vi se deitando perto de uma árvore, distante de mim, para dormir, resolvi fazer o mesmo.

CAPÍTULO 27

No outro dia acordamos, comemos a comida que a Amélia havia conseguido com os senhores da estrada de terra, pegamos o dinheiro e largamos o resto ali mesmo. Andamos muito até que achamos uma trilha que nos levou a uma pousada. Lá, a Amélia pediu informações, contra a minha vontade, e pegamos um ônibus que nos levou até a rodoviária.

Compramos passagens para Belo Horizonte, claro que eu precisei pedir, do meu jeito, a algumas pessoas um pouco de dinheiro, pois 100 reais não dava para pagar a minha passagem e a da Amélia.

No ônibus a Amélia acabou dormindo, colocando a cabeça no meu ombro, olhando-a comecei a sentir um pouco de dó, acho que ela nunca vivera desse jeito, deve ter tido sempre uma vida calma, certinha. Eu já estava acostumado com a correria, afinal eu trabalhava com isso.

Chegamos na rodoviária de Belo Horizonte e pegamos um ônibus para chegar até a favela.

Eu e a Amélia não nos falávamos desde a noite passada, ela me seguiu até aqui, mas sem dar um gemido, ainda deve estar magoada por eu ter dito que o beijo foi um erro, afinal acho que nenhuma mulher gosta de ouvir isso. Todavia, brava ou não, ela precisava ouvir meu plano, precisamos agir perfeitamente, pois senão algo pode dar errado.

- Amélia, a gente vai entrar na favela. A partir daquela calçada do outro lado da rua a gente já corre perigo, tudo aqui é vigiado e perigoso, precisamos nos misturar, não podemos deixar eles suspeitarem de nada.

- Certo, agirei corretamente, serei uma deles.

- Não, esquece. Amélia é melhor você ficar aqui. Me espera que eu já volto. Vou lá, falo com ele e pronto.

- E eu vim até aqui para assistir apenas? E se algo acontecer contigo? Você é forte, corajoso, já passou por muitas coisas quando trabalhava, já passou por muitas coisas nestes dias, mas você não é o super homem, você é mortal, você pode morrer. Eu sei que não tenho capacidade de segurar uma bala antes dela te atingir, mas eu também sei que posso empurrar o atirador antes dele atirar em você. Eu não vou te deixar sozinho, eu vou com você, quer queira, quer não queira.

Ela não tem razão, ela não sabe do que está falando, mas eu ficarei preocupado em deixá-la aqui, longe dos meus olhos, melhor eu levá-la.

- Você está errada, mas não tem outro jeito, vamos então. Sabe atirar pelo menos?

- Não.

- Bater?

- Não muito bem.

Não tivemos tempo para eu ensiná-la a lutar. Tudo bem, paciência, é só eu ter paciência.

- Olha Bernardo, eu não sei muita coisa, mas posso aprender, na hora do desespero eu faço qualquer coisa para me dar bem.

Pelo menos ela se empenha, é corajosa e teimosa, sempre querendo para ajudar, talvez dê certo.

- Vamos então!

Saímos em direção ao morro. Precisamos nos misturar, meu objetivo é chegar ao topo e encurralar aquele homem que diz ser meu pai, algo que a Amélia não precisa saber.