Vivendo em um engano (Capítulos 22, 23 e 24)

CAPÍTULO 22

- Bernardo! Espera!

Hã? O que ela quer? Não estamos mais presos, ela pode seguir o caminho dela e eu poderei seguir o meu. Ela está vindo para perto de mim, só espero que não seja mais uma de suas perguntas ridículas.

- Aconteceu alguma coisa?

- Eu....ah! Eu vou com você.

O quê? Ela é louca? Eu não posso levá-la, não tenho tempo para cuidar dela, já passamos por muita coisa juntos, as vezes ela é esperta e corajosa, mas eu não posso levá-la, ela irá me atrapalhar, o Xupeta e a gangue dele são muito perigosos, ela vai se machucar.

- Então? Você me ouviu? Eu vou com você.

- Amélia, você não vai comigo.

- Eu não tenho para onde ir. Meu objetivo, desde que saímos da prisão era me soltar de você e voltar para lá, dizer que você me obrigou a ir, falar com o Thales e tentar ser solta o mais rápido possível, mas você me falou deste tal de Roberto, eu não quero ser a mocinha dele, se ele é mesmo deste jeito que você falou, serei obrigada a muita coisa, mesmo que eu denuncie, tente fazer algo, não adiantará, ficarei na penitenciária por muito tempo e sofrendo muito.

- Você vive foragida então.

- Não! Eu não consigo, você sabe como eu sou. Neste pouco tempo que você me conhece, você já deve ter percebido que eu não tenho perfil de ser criminosa, não vou ter lugar para dormir, não vou comer, eu......Eu serei pega rapidamente.

Existiam tantas pessoas que podiam ter ficado presas comigo, que gostariam de fugir comigo, que saberiam sobreviver sozinhas e eu tive o azar de pegar alguém como a Amélia.

- Eu não vou te levar. Adeus.

Virei as costas para ela e continuei andando.

Ela é uma mulher diferente, acho que é a inocência dela que a torna assim e é verdade, ela nem parece ter 23 anos, as vezes é tão madura, mas as vezes é tão.....Boba! Essa mistura de personalidades, esse jeito meio imprevisível dela. Ontem, quando discutimos, eu olhei nos olhos dela e percebi que estava sem medo de mim. Desde a morte da minha família ela foi a única pessoa que me olhou assim, sem medo. Agora parece que eu não a assusto mais, me sinto confortável com isso, me sinto um humano e não um animal assassino.

Olhei para trás e ela estava sentada na beira da estrada, de cabeça baixa. A Amélia não vai sobreviver como fugitiva, ela será pega e não irá conseguir ficar bem na cadeia. Eu vi o jeito que aquele cretino olhava para ela, também, bonita do jeito que é, se ele não a tivesse visto naquela hora da "festa", iria vê-la com o tempo e se aproveitar dela. Eu tenho duas opções: deixá-la ser pega pela polícia, já que como fugitiva ela não sobreviverá, ou levá-la comigo e pelo menos ensiná-la a dar um soco. Lembrando daquele soco que ela me deu no dia anterior, acho melhor levá-la comigo.

Comecei a caminhar em direção a Amélia, então parei e pensei melhor. O que você está fazendo Bernardo? Sempre durão, decidido, sem pena dos outros. Esta mulher só vai te trazer problemas!

Dei as costas para ela novamente, mas lembrei do sorriso dela, das coisas que ela me disse que já viveu. Sofreu tanto, coitada. A Amélia sempre foi desprezada pela família, perdeu o único amigo que tinha, sem contar este tal de Eduardo deve ser a vítima daquela noite e o homem que ela viu, ele........Eu devo isto à ela, afinal ela está nisto por minha causa.

- AMÉLIA!

Ela levantou a cabeça e me olhou, fiz um gesto para vir até a mim, aceitando-a para se minha companheira.

- Então eu posso ir contigo?

- O que você acha?

- Obrigada!

- Certo, vamos encontrar alguma coisa para comer então.

Fomos andando pela estrada de terra, em algum lugar ela teria que dar.

CAPÍTULO 23

Enquanto andávamos pela estrada de terra, decidimos trocar de roupas, afinal estávamos sujos e nossas roupas estavam rasgadas. Lá no curral, quando pegamos estas roupas, precisamos abrir um lado das blusas inteiro, eu o lado direito e a Amélia o lado esquerdo, pois ela não entraria em nosso corpo já que estávamos algemados. Depois de colocá-las amarramos os pedaços com um nó, para ficar mais decente, mas depois de tanta correria, nem o nó havia mais.

A Amélia teve a ideia de bater nas casas, que se encontravam ao longo da estrada, e pedir comida e roupa.

- Eu não vou fazer isso.

- Mas é um jeito bom de se fazer as coisas, não estaremos cometendo um crime.

- Agora estamos livres, você não precisa me seguir, faça o que você quiser para arrumar as tuas coisas que eu dou o meu jeito para conseguir o que eu quero.

- Você é teimoso! Se você fizer algo errado, os policiais podem aparecer e seremos pegos.

- E se nas portas das casas os moradores te reconhecerem como fugitiva, os policiais também irão aparecer e também seremos pegos.

- É um risco que eu terei que correr, pois há a possibilidade de eles não me reconhecerem e me darem roupas e comidas.

- Idem.

- Então está bem, eu vou fazer isso e você faz o que quiser.

Estava indo de um lado, para poder entrar em uma casa, pulando um muro.

- Bernardo.

- O que foi?

- Onde nos encontramos?

- Não sei.

- Ah. Temos que ter algum lugar, não temos?

Eu sabia que ela seria um problema, não teria que me preocupar com um lugar para nos encontrar se não a trouxesse comigo.

- Nos encontramos lá na frente.

- Onde?

Olhei para frente procurando um ponto de referência, vi uma árvore bem alta, então apontei o local para ela e enfim pude voltar a minha concentração em arrumar roupas e comidas, quem sabe até um dinheiro.

Algum tempo depois, eu havia conseguido o que eu queria. Em lugares pequenos assim, onde é muito difícil de ocorrer crimes, as pessoas deixam tudo aberto quando estão em casa, algumas pessoas que acreditam muito na segurança do local, até quando não estão em casa, deixam tudo aberto. Consegui uma camiseta, uma calça e até sapatos e meias, entrando nos domicílios sem ser percebido. Em outras casas eu consegui comida, muita comida, principalmente queijo, estava bem satisfeito.

Pensando na minha companheira, resolvi pegar algumas coisas para levar para Amélia, sabia que ela não iria conseguir nada, então peguei um vestido e mais comida, coloquei tudo em um saco plástico e fui rumo a árvore de encontro.

Chegando no local eu não acreditei no que estava vendo.

- Oi!

- Oi.

- Consegui bastante coisa, uma mulher até me deu uma mochila para carregar a comida que me deu. Tenho bastante frutas, queijo e uma garrafinha de leite, em outro lugar consegui água. Ganhei um vestido, uma camiseta e um short. Ainda tive tempo de conversar com uma senhorinha muito adorável. Você acredita que ela tem 93 anos? Eu não acreditei, mas ela me mostrou uma certidão de nascimento, muito antiga por sinal. Ah, já estava me esquecendo, olha! Estou sem a algema, você conseguiu nos soltar um do outro, mas não tirou a algema, não é mesmo? Eu conversei com um senhor e ele me soltou, peguei um pouquinho de óleo sem ele perceber para trazer à você, dói e demora um pouquinho, mas sai, isso é ótimo.

Estava pasmo, ela conseguiu tudo aquilo e ainda teve tempo para conversar com as pessoas, tiro o chapéu para ela, estou admirado e muito surpreso. Contudo, ela disse que conversou com as pessoas, será que ela disse algo comprometedor?

- Amélia o que você conversou com as pessoas?

- Sobre tudo, a vida deles, a minha, o futuro.

- Amélia, o que ESPECIFICAMENTE você conversou com eles? O que você explicou para eles sobre a algema?

- Eu disse que havia fugido de um cativeiro. Falei que era filha do dono de uma empresa de computadores, que eu fui sequestrada, que no cativeiro, quando eu percebi que o criminoso estava distraído, eu consegui pegar um maçarico e cortar a corrente da algema que estava no meu braço e em uma grade, então fugi e fui parar ali, naquela estrada.

- E eles acreditaram?

- Claro! Eu uma péssima mentirosa, mas depois que vi que tudo estava dando certo eu comecei a falar sem parar, como se tudo tivesse mesmo acontecido. Lembrei de um filme e comecei a colocar as partes no meio da história. Bom, eu fiquei com dó deles, logo a primeira casa que eu bati era dois senhores, daí eles começaram a conversar comigo, depois chamaram os vizinhos, foi um movimento. Aliás Bernardo, eles levantam muito cedo aqui, quatro horas da manhã já estão de pé. Tivemos muita sorte de ninguém ter te escutado.

- É! Agora precisamos ir, você foi uma bela mentirosa.

- Não, eu tenho que trocar de roupa ainda, eu.......Ai droga!

A Amélia estava olhando por cima dos meus ombros com um olhar de assustada, me virei e vi que tinham dois policiais e um três civis apontando armas para a gente.

- Parados! Vocês estão presos, não se mecham, não pensem em fugir pois vocês estão cercados. Não queremos que ninguém se machuque.

CAPÍTULO 24

Qualquer criminoso ficaria com medo, ou talvez não, mas pensaria duas vezes antes de fazer algo. Eu, que já estive no lugar destes dois fardados, sei que não estamos cercados, pois se realmente estivéssemos o policial não iria dizer, ele iria querer nos pegar de surpresa se tentássemos fugir. Pensando em tudo isso, eu poderia simplesmente pegar a Amélia, correr para o lado e fugir, mas eu quero algo então deixarei eles me prenderem.

Levantei meu braços, nem olhei para a Amélia, na verdade eu a culpo, com certeza aqueles senhores a estavam fazendo de boba, segurando-a o maior tempo possível até a polícia se aproximar. Sabia que ela traria problemas, mas agora não adianta lamentar.

Fomos levados até o carro de polícia, o policial com a ajuda de um dos civis deram um jeito de tirar a algema que estava presa no meu braço direito, para poder colocar uma outra. Antes dos policiais algemarem a Amélia e eu, eles nos colocaram dentro do carro e começaram a conversar com os civis que estavam com eles, deviam ser novatos provavelmente.

- Obrigado senhor policial, a gente acreditou na mocinha, tão novinha e suja, nos parecia mesmo que havia fugido de um cativeiro, ela estava dizendo tudo com uma convicção que para mim era sincero o que falava, fiquei com tanta dó.

- Não podemos acreditar neles, eles fazem de tudo, são fugitivos de uma penitenciária. Nos passaram um rádio e viemos ver se eles....

- Ei! Esqueça senhor, agora está tudo bem, você.....

Então quer dizer que eles não chamaram os policiais? Esta Amélia, ela conseguiu enganar mesmo aquelas pessoas. Melhor eu colocar o meu plano em ação, antes que os policiais me algemem.

- Amélia, quando eu der o sinal, você fecha a sua porta e abaixa o pino.

- Hã?

- Faça o que eu disse.

Esperei mais um pouco, tomei fôlego e analisei a situação. Os policiais estavam a uns dez passos da minha porta, as armas deles estavam no cinto da calça, a chave está pronta para ser dada a partida. Com certeza eles são novatos.

- Agora!

Fechei a minha porta com tudo, pulei para frente e dei partida, o carro pegou rapidinho, antes que os policiais pudessem apontar para atirar, eu e minha companheira já tínhamos virado uma esquina da estrada de terra.

- O que você está fazendo?

- Nos salvando.

- Você não acha que eles irão nos achar? Provavelmente este carro tem GPS.

- Temos algum tempo até isso, quando eles chegarem no carro eles só acharão O CARRO. Assim avançaremos bastante.

Andamos por um tempo até que chegamos em uma rodovia, segui em direção a Belo Horizonte, afinal era este o meu destino.