Vivendo em um engano (Capítulos 18 e 19)

CAPÍTULO 18

Parece que minha vida só funciona desse jeito ultimamente: correndo, correndo, sendo jogada e correndo. Minhas pernas já estão muito doloridas, o sol parece estar a pino, muito calor, meu corpo parece estar muito pesado, minha boca está suja, meu corpo está sujo, estou suada, minha roupa está encardida, rasgada, meu cabelo um nojo, este homem me dá calafrios e raiva, estou com muita fome e sede, sem contar que minha cabeça está confusa e dói muito.

- Pode.....Podemos parar? Por favor! Eu.....Eu preciso descansar....um pouco!

- Não podemos, precisamos avançar mais um pouco, eles podem nos alcançar.

Fiquei muito furiosa, tudo isto está acontecendo por culpa dele, minha vida está pior do que tudo que eu podia imaginar por causa dele, ele não pode me negar uma pausa, EU QUERO ME LIVRAR LOGO DELE!

Juntei todas as forças que me restavam e parei puxando o braço do Bernardo com força para trás, mesmo assim fui arrastada um pouquinho pelo movimento de ação e reação.

- CHEGA! EU PRECISO PARAR, ESTOU CANSADA!

Muito furiosa disse isso para ele aos berros.

- Precisamos ir Amélia!

- PRECISAMOS IR! PRECISAMOS IR! VOCÊ SÓ SABE DIZER ISSO?

- Para de gritar. Eu estou do seu lado, estou te ouvindo muito bem.

- ESTÁ? SINTO MUITO, MAS NÃO PARECE! EU PEDI PARA VOCÊ PARAR E VOCÊ NÃO PAROU!

- Porque precisamos fugir, não podemos deixar eles nos pegarem.

- NOS PEGAREM? VOCÊ QUER DIZER PEGAR VOCÊ!

Empurrei o Bernardo com as minhas mãos. Não sei o que está me dando, estou com tanta raiva, esqueci que ele é um assassino doentio, na verdade eu nem sei mais quem ele é, só tenho vontade de bater nele, como naqueles filmes do Jackie Chan, se eu soubesse bater daquele jeito.

- Calma Amélia, você me parece muito nervosa.

- NERVOSA? VOCÊ É UM IDIOTA! EU ODEIO VOCÊ! VOCÊ ACABOU AINDA MAIS COM A MINHA VIDA!

Enquanto eu falava com ele eu o empurrei mais umas três vezes.

- Tudo bem, você quer parar a gente para, mas se acalma.

Eu nem ouvi o que ele disse, estava cansada e com raiva de tudo aquilo, se nos pegarem ele sairá impune ou terá menos tempo de cadeia, pois é amigo dos policiais e eles irão protegê-lo, mas e eu? Eu pegarei muito mais anos por ter fugido, não terá ninguém para me defender e mais uma vez serei acusada por algo que não fiz, quer dizer, agora seu serei punida por algo que fiz contra a minha vontade.

- Você não podia ter fugido um outro dia? Por que tinha que ser justo naquela noite? Por que você tinha que me trazer?

- Amélia....

- Eu estou cansada Bernardo, cansada de pensar se você vai me matar, cansada de fugir, cansada de saber que a minha liberdade pode NÃO EXISTIR MAIS.

- Amélia não podemos ficar parados aqui com você gritando, irão nos achar.

- Eu estou nem aí se eles irão nos achar, afinal você é amiguinho dos policiais, não é mesmo? Ah, me esqueci, seu amigo não disse que irá adiar tudo para amanhã de manhã? Então você não precisa se preocupar, pois hoje temos o tempo livre para caminharmos na mata sem medo de sermos pegos.

- As coisas não funcionam assim.

- Tem certeza Bernardo? Porque eu acho que tudo funciona do jeito que você quer. Todo mundo da cadeia tinha medo de você pois achavam que você era um assassino perigoso, sangue frio, diziam até que OS POLICIAIS tinham medo de você. Acontece que eles não sabiam que você é AMIGO deles, que eles fingiam ter medo de você, que eles te ajudaram a FUGIR PARA TRABALHAR PARA ELES!

Eu o empurrei novamente, agora com todas as forças possíveis, então ele me segurou com força pelos pulsos, eu me debati, consegui soltar minha mão direita e dei um soco na cara dele (quando estamos com raiva a força parece que multiplica umas cem vezes, isso me foi muito bom na hora). O Bernardo olhou para mim com aquele olhar raivoso, eu não liguei e continuei batendo nele, agora com tapas.

- EU TE ODEIO! VOCÊ É UM IMBECIL! IDIOTA!

Então o Bernardo me derrubou no chão, ficou em cima de mim, pressionando meus pulsos contra o chão.

- ME SOLTA SEU ASSASSINO! ME SOLTA SEU DOENTE! EU TE ODEIO! TE ODEIO!

Chorava de raiva, de tristeza, de dor! Chorava por causa de tudo que estava acontecendo, mas sentia que o medo havia passado, se ele quisesse me matar não me importava mais, prefiro morrer do que viver deste jeito.

- PARA AMÉLIA! PARA!

- NÃO!

- VOCÊ PERDEU A NOÇÃO DO PERIGO? SE ESQUECEU DE QUEM EU SOU?

- EU NÃO PERDI A NOÇÃO DE NADA! EU NÃO TENHO MAIS MEDO DE VOCÊ! QUER ME MATAR? ME MATE ENTÃO! ME MATE! PREFIRO MORRER DO QUE FICAR DO SEU LADO MAIS UM SEGUNDO SE QUER! SEU ASSASSINO!

O Bernardo estava vermelho, me fitava com muita raiva. Acho que agora chegou o momento, encontrei o limite da paciência dele e que assim seja, se terei que morrer, morrerei feliz por saber que me livro desta ingrata e injusta vida para encontrar com meu pai e meu amigo.

CAPÍTULO 19

- É isso que você quer? Quer mesmo que eu te mate?

- QUERO! EU NÃO SOU UMA CRIMINOSA COMO VOCÊ! EU SOU INOCENTE!

- Inocente?

- EU NÃO QUERO APODRECER NA CADEIA POR CAUSA DISTO TUDO!

- Amélia.....

- Se formos pegos, você ainda pode sair limpo por ter amigos lá dentro, por ser da laia deles, mas e eu? EU SEREI CONDENADA A MAIS ANOS DE PRISÃO! E TUDO POR TUA CULPA! SEU ASSASSINO DOENTIO!

- CHEGA!

Ele pressionou meus pulsos ainda mais, o que me fez gemer de dor. Então ele mudou a feição e me olhou de um jeito estranho, parecia arrependido por ter me causado dor. Simplesmente saiu de cima de mim e deitou do meu lado. Eu estava muito acabada, muito cansada de tudo, só sabia chorar, então continuei caída ali mesmo, sem me importar se ele estava deitado ali perto.

- Eu não sou um assassino. Eu não tenho amigos lá dentro. Eu não vou te matar.

Não quero falar com ele, ele que diga o que quiser. Não quero mais fugir, só quero ficar em paz.

- Eu não sou um assassino. Eu não matei minha família, armaram para mim.

De repente parei de respirar, fiquei pasma, sem reação. Como assim ele não matou a família? Ele era conhecido como o assassino mais perigoso da penitenciária, ele era o mais temido.

- Na cadeia, quando eu entrei, eu não sei como, mas todos os detentos e policiais já sabiam que eu havia sido preso por matar a minha família. Eu não conversava com o pessoal e eles não conversavam comigo. Em uma visita do Edgar, ele me contou que a história que todos sabiam sobre mim era que eu havia matado minha família a sangue frio, que meu prazer era matar, que já havia matado muitas pessoas, que eu era líder de uma gangue de São Paulo que saía matando por prazer, que eu tomava banho com o sangue das minhas vítimas. Eu fiquei indignado com aquilo tudo, não porque falavam que eu era um assassino doentio, mas porque disseram que eu matei a minha família, as pessoas que eu mais amava neste mundo.

Então foi por isso que quando ele falou da esposa na noite passada, ele se emocionou.

- As pessoas da cadeia pensavam que eu simplesmente cheguei em casa, todo nervoso por não ter matado quem eu queria, e matei minha esposa e minhas duas filhas, pois precisava matar alguém. Todos tinham medo de mim, eu via nos olhos deles, principalmente depois que um cara, o "perigoso" da prisão, veio até mim e começou a falar coisas horríveis, na verdade ele estava querendo me provocar para provar que era o melhor dali, que eu era só mais um preso, então ele me chamou de assassino e matador de criancinhas, fiquei com tanta raiva que dei um soco na boca dele, foi tão forte o golpe que ele perdeu dois dentes e desmaiou. Todos, a partir daquele momento, passaram a nem olhar no meu rosto quando eu passava perto, tinham muito medo de mim. Eu poderia recorrer, mostrar ao presos que sou inocente, mas a cadeia não é lugar para isso, lá a gente aprende a sobreviver, ou você manda, ou você obedece. Preferi deixar como estava, preferi mandar e não ter companhia, do que obedecer e ser obrigado a fazer coisas horríveis, afinal eu estava ali para cumprir pena e não para fazer amigos.

Depois de um tempo em silêncio, eu decidi perguntar algumas coisas mesmo com a voz ainda chorosa, pois ele estava se abrindo para mim, tinha que aproveitar a ocasião.

- Mas você obedecia os policiais, ainda hoje obedece, não é mesmo?

- Eu era policial Amélia.

Policial? Ele era policial? Como? O que aconteceu então?

- O Edgar foi meu parceiro, resolvemos muitos casos juntos, eu o ensinei muitas coisas, ele me chamava de professor. Até hoje me chama. Fiz muita história nesta profissão, alguns policiais me respeitam acreditando que sou inocente, outros têm medo de mim, por saber a minha história como detetive e por achar que sou mesmo um assassino. Eu sempre fui uma pessoa boa, mas depois do que fizeram eu só penso em vingança, não acredito em mais ninguém.

Nossa ele é muito amargo, não acredito que tenha sido uma pessoa doce, na verdade eu sei o que ele passa, pois acho que me identifico com ele neste aspecto.

- Eu comecei minha carreira cedo na polícia, com 18 anos, era apenas um policial de rua antes, mas eu gostava da parte de investigação, conversava muito como o pessoal mais velho, mais experiente, até que eles me falaram para fazer uma prova. Quando eu tinha 19 anos, eu estudei muito, então eu consegui passar na avaliação, eu ajudava um homem, nem me lembro o nome dele, mas eu o ajudava em alguns casos. Eu ainda não era detetive, eu tinha muitas coisas para aprender para chegar no lugar que eu queria. Com 21 anos eu consegui, da minha academia eu fui a pessoa mais nova a conseguir me tornar detetive, também eu tinha muito empenho.

- Faz quando tempo que você é detetive?

- 7 anos. Hoje eu tenho 28.

Incrível, eu posso sentir a paixão dele em ser policial só de ouvir a tom de voz dele me contando. Mesmo assim, não consigo entender, se não matou a família, o que ele fazia na cadeia?

Já havia parado de chorar, minha voz estava em tom normal agora, sentei perto dele e o olhei profundamente perguntando algo que poderia ser possível, mas que não fazia sentido depois de tudo que ele já tinha falado. As vezes preciso ficar quieta mesmo.

- Então você está a trabalho na cadeia? Investigando algo? Se passando por preso?

- Não! Eu já te disse, armaram para mim. Não planejaria inventar toda uma história de super perigoso para isso, ainda mais de ter matado a minha família.

- Ah, desculpe, eu achei que seria idiota, mas é que eu quero saber o motivo de você estar preso, já que não matou a sua família.

- Armaram para mim, há três anos. Eu não sei o que aconteceu. Eu e minha esposa brigamos por causa do meu emprego, ela tinha medo, ficava brava pois eu passava mais horas na rua do que em casa, mas eu não tinha culpa, ou melhor, eu tinha, só que não havia o que ser feito. Ser detetive é muito pesado, ainda mais para mim que amava o que eu fazia, o pessoal jogava um monte de caso para cima de mim, eu gostava, achava divertido, sem contar que, modéstia a parte, eu era muito bom. Acontece que na noite do assassinato eu não estava sendo. Eu havia acabado de chegar em casa, era de madrugada, fiquei o dia todo tentando resolver um caso, que parecia não ter solução, estava tudo muito estranho, então ela já começou a discutir, dizendo que eu perdi a apresentação da peça de teatro na escola da minha filha mais nova. Eu estava estressado por causa do trabalho, levantei a voz com para ela, eu nunca tinha feito isso antes, ela perdeu a cabeça e veio para cima de mim, eu a segurei e a derrubei, prendendo os pulsos dela no chão com as minhas mãos. Ela gemeu de dor e eu voltei para realidade, percebi que a estava machucando. Levantei desnorteado, eu havia machucado a minha mulher, coisa mais ridícula. Sai de casa, fui caminhar um pouco, esfriar a cabeça.

A cena que ele acabou de descrever, foi a mesma cena que acabou de ocorrer. Será que ele se lembrou da mulher enquanto discutíamos?

- Eu fiquei umas duas horas na rua, fui para um bar, comprei muitas cervejas, sentei em um morro que havia perto de casa e comecei a beber. Quando eu voltei para casa, minha mulher estava morta, ela e minhas filhas, mortas com dois tiros na cabeça cada uma.

Estava emocionada, chorava de pena dele, ele dizia cada palavra com um sentimento muito doloroso. Ele não chorava, mas olhava para o céu enquanto falava, se esquivando de mim para esconder a dor.

- Eu liguei para a polícia, eles chegaram e vasculharam tudo, nada havia sido roubado, não tinha porta arrombada, simplesmente entraram e mataram a minha família. Eu fui depor, chamaram dois vizinhos para depor também e dois dias depois eu estava sendo preso. Acusação: matei minha própria família.

- Mas não foi você!

- É, mas eles encontraram minha arma enterrada no morro, que para mim, até aquele dia, estava dentro da minha gaveta do criado mudo. Havia os depoimentos dos meus vizinhos dizendo que ouviram eu e minha mulher brigando. Eles falaram com o dono do bar que eu fui, ele disse que eu comprei muitas cervejas, confirmando que fiquei bêbado com o tanto de álcool consumido. Teve um depoimento anônimo dizendo que eu estava estressado com o trabalho. Para ajudar na acusação, eu não tinha ninguém para provar que eu passei duas horas no morro. Conclusão: as pessoas pensam que eu cheguei estressado em casa, discuti com a minha esposa, sai para beber, voltei bêbado, peguei minha arma no criado mudo, matei a minha família, fui até o morro e escondi a arma.

- Nossa! Eu sinto muito, eu........

- Não precisa sentir nada. Eu irei vingar a morte delas, eu preciso fazer isso.

- Mas você sabe onde está o assassino?

- O Edgar está me ajudou nisto tudo, ele nunca acreditou que eu matei minha família. Descobri sobre o Xupeta, ele é criminoso com muita influência em uma favela aqui de Minas.

- E você acha que foi ele quem matou sua família?

- Quase certeza. Eu peguei ele uma vez, por causa de tráfico de drogas, ele fugiu e deixou um recado, dizendo que minha família iria acabar.

- Mas você acha que ele fez mesmo tudo isso? Você disse que tem QUASE certeza, o que faz você duvidar?

- O depoimento de alguém do trabalho. O Xupeta é um cara odiado por todos, não sei porque alguém depôs contra mim, encobertando ele. Sem contar que quando minha família foi morta, eu estava no morro, por que eles jogariam a arma lá? Lógico que é porque sabiam que eu estive lá, mas como eles sabiam? Entraram na minha casa sem arrombar a porta, se fosse ele sozinho, ele não entraria com tanta facilidade. Existem outras coisas também, só sei que há mais gente envolvida, pessoas de perto. Irei até o morro para fazer umas perguntas ao criminoso.

Não sabia o que pensar, eu estava com tanta raiva dele, mas agora estou tão triste por ele. Estamos na mesma situação, vivendo em um engano.