Vivendo em um engano (Capítulos 16 e 17)

CAPÍTULO 16

Abri meus olhos e vi que minha mão esquerda, a que está algemada a mão direita do fugitivo, estava levantada, então percebi que o Bernardo já estava acordado e acho que faz tempo, pois ele estava sentado na cama escrevendo algo no papel higiênico.

- Oi!

- Oi, Amélia.

- O que você está fazendo?

- Achei um pedaço de lápis na gaveta do criado mudo.

- E está escrevendo no papel higiênico?

- Este é o único papel que possuímos, preciso escrever um plano.

- Plano?

- Coisas minhas. Bom, eu já terminei e como você já acordou, podemos seguir em diante para ver se nos livramos disto.

- Certo! Será que aqui não tem creme dental?

- Creme dental? Acho que não e se tiver deve estar bem vencido.

- É, você deve ter razão. Ai, eu não gosto de ficar com bafo ruim, faz um tempão que eu não escovo os dentes.

- Vamos perguntar para senhora da pensão, talvez ela tenha.

Aposto que a senhora da pousada não tem nada, nojenta do jeito que ela se apresentou ontem para a gente. Sai de um lado da cama e ele do outro, logo não saímos da cama, pois estávamos algemados.

- Temos que decidir, Bernardo.

- Vai, eu pulo a cama.

Quando estávamos saindo do quarto, o Bernardo me segurou.

- Espera!

- O que foi?

- Polícia.

- Hã?

- Escuta!

- É verdade, eu estou ouvindo a sirene. Vamos voltar para o quarto.

- Não! Temos que sair daqui.

- Mas talvez eles não estejam vindo atrás da gente, se sairmos correndo irão perceber que existe algo de errado conosco.

- A cidade não tem delegacia, ela é super tranquila, por que os policiais viriam para cá se não estivessem atrás de fugitivos como a gente?

- Mas se eles estão atrás da gente mesmo e suspeitam que estamos aqui, por que eles chegariam com a sirene ligada nos avisando? Você não acha que eles viriam sorrateiros para nos pegar de surpresa?

- É melhor a gente ir.

Ouvimos passos na entrada da pousada, afinal estávamos em um quarto bem ali perto da recepção.

- Vamos Amélia!

Eu fui para o lado da recepção, achando que iríamos sair dali normalmente para eles não suspeitarem de nada, mas o Bernardo foi do lado contrário, então mais uma vez senti um puxão em meu braço esquerdo, olhei para ele, ele virou e me olhou furioso.

- O que você está fazendo?

- Não vamos sair normalmente para eles não suspeitarem de nada?

- Não! Vamos logo!

Fui obrigada a segui-lo, ele é mais forte, não há como eu forçá-lo a fazer alguma coisa.

No final do corredor havia uma porta, mas estava trancada, então o Bernardo a chutou com muita força, arrombando-a, olhei para trás e uns dois policiais nos viram e começaram a correr na nossa direção.

A porta dava para um quintal, pensei que estávamos presos, mas então olhei para onde o Bernardo olhava: um muro. Sem me perguntar nem nada, o louco me pegou no colo e me jogou por cima do muro, enquanto pulava caindo confortavelmente com os dois pés no chão (acho que me ocorreu um déjà vu). Continuamos a correr e chegamos em uma rua sem saída, onde no final dela, havia um carro de polícia com dois policiais que, na minha opinião, não sabiam o que estava ocorrendo, pois estavam dentro do automóvel conversando, sem estarem em alerta, não notando que estávamos ali no meio da rua parados, prontos para sermos pegos.

- O que faremos?

- Aqueles caras parecem que não sabem de nada.

- Você vai falar com eles?

O Bernardo me olhou parecendo indignado, abaixei a cabeça envergonhada, afinal a pergunta foi mesmo idiota.

Ouvimos um barulho de rádio vindo do automóvel, eles nos olharam pela janela e um dos policiais saiu do carro gritando.

- SÃO ELES! PARADOS!

Eu iria ficar parada, mas o Bernardo me puxou para esquerda e mais uma vez começamos a correr entrando por uma portão em uma casinha, no fundo dela pulamos o muro, o famoso jeito de pular alguma barreira do meu companheiro. Caímos em um lugar cheio de caixas, parecia um depósito, olhei para os lados, era enorme aquele lugar, não conseguia encontrar onde começava, nem onde terminava o local.

- Vamos por aqui.

Começamos a andar, chegamos em um dos muros do depósito, mas uma surpresa nos desagradou e nos deu um desespero.

- Este muro é muito grande, mesmo que eu te jogue, você não vai conseguir ultrapassá-lo.

Apesar de estar desesperada, agradecia o muro ser grande, assim não seria jogada novamente.

- O que vamos fazer?

O Bernardo olhou para os lados, então parou visando algo bem longe. Olhei para a mesma direção e vi um portão muito grande.

- Ali está o portão, vamos ir até lá e tentar sair sem sermos percebidos.

Quando estávamos chegando perto do portão enorme do depósito, mais uma surpresa: ele se abriu de fora para dentro e alguém entrou.

CAPÍTULO 17

Meu coração batia rapidamente, minha respiração estava muito acelerada. Muito medo, eu estou com muito medo!

O Bernardo segurou minha mão, fez um gesto para que eu fizesse silêncio e nos escondemos atrás de uma caixa. No lugar que eu estava tinha um vão bem pequenino entre a parede e a caixa que nos escondia, olhando com apenas um olho pelo vão percebi que quem entrou foi um homem bem vestido, estava de terno e com uma arma na mão.

Acho que o Bernardo não conseguia ver o homem bem vestido, pois em uma tentativa de acabar com ele, jogando-lhe a caixa que nos escondia, ele errou a pontaria, então me puxou pela mão e começamos a correr pelo depósito.

- Acho que você errou, pois ele não caiu nem nada.

- Não era para acertá-lo, era apenas para atrasá-lo até chegarmos a porta.

Olhei para a direção que ele apontou, estávamos correndo para o outro lado do depósito, para uma porta que ele vira quando estávamos escondido. Contudo o plano não deu muito certo, pois a porta estava trancada.

- Chuta!

- É de ferro, mesmo que eu chute não vou conseguir arrombá-la. Vamos nos esconder.

Corremos mais um pouco e encontramos uma caixa grande o suficiente para que nós dois entrássemos e ficássemos ali até o homem ir embora. Todavia enquanto o Bernardo entrava na caixa, eu olhei para o lado, para verificar se o homem não estava vindo, então levei um susto, ele já havia nos encontrado, ou melhor, me encontrado, pois o Bernardo conseguiu entrar e se esconder, eu é que estava para fora.

Parei toda assustada, estava em choque, o bem vestido me apontava uma arma e fez um gesto com ela para eu levantar as mãos. Levantei a mão direita e olhei para o Bernardo, não sei o que deu em mim, nem sei se iria adiantar eu falar, só sei que disse a coisa mais ridícula que eu poderia dizer.

- Eu estou sozinha aqui, não há mais ninguém aqui.

- Rsrsrs, então por que você não levanta a outra mão? Será que é porque ela está algemada ao OUTRO CRIMINOSO?

Comecei a tremer, estava com medo, mas também com raiva. EU NÃO SOU CRIMINOSA!

O Bernardo então levantou as nossas mãos algemadas, ele ainda segurava a minha mão, ao invés de deixá-la presa a sua apenas pela algema. Quando ele saiu da caixa, ele olhou para o homem e sorriu. O outro por sua vez retribuiu o sorriso, abaixou a arma e abraçou o Bernardo.

- Suspeitei pela voz que seria você mesmo, mas agora tenho certeza, achei que eles não deixavam você pegar casos grandes.

- Casos grandes? Sou o detetive mais esperto que existe por estas áreas, seu malandro, agora eu evolui como meu grande professor. Quando me contaram como o preso fugiu, eu suspeitava que era você, agora confirmo que é você mesmo o SUPER criminoso.

- SUPER? Acho que eu também evolui nestes três anos então.

Estava incrédula. Como assim eles se cumprimentam e zoam um com o outro? Ele é um detetive, por isso não está vestido como um policial. Isso! Ele é um detetive, um homem da lei, por que ele e o Bernardo, um fugitivo assassino, estão conversando como se fossem os melhores amigos do mundo?

Cof cof.

O Bernardo me olhou e entendeu errado a minha interrupção a conversinha deles, ou pelo menos fingiu que entendeu errado.

- Ah, me desculpe Amélia, este é o Edgar.

Fiquei mais indignada ainda, ele me apresentou para o amigo dele com se estivéssemos em uma festa e não em uma perseguição.

- Acho que não é isso que ela quer saber, Bernardo.

- Não temos tempo para isso. Ed, eu preciso saber se você descobriu algo, eu irei para lá o mais rápido possível, eu só preciso me soltar dela. Aliás, você não tem uma chave para fazer isso por mim.

- Deixa eu ver a algema.

Ele pegou nossos braços e analisou a algema.

- Nossa cara, me desculpa, mas não posso te ajudar. Pelo que parece esta é um modelo das novas algemas que eles estão criando, aquele tipo que só a chave dela mesma que pode abri-la, não é como antigamente com a tranca universal.

- Bosta! Vou ver se eu acho algo para cortá-la, algum maçarico em alguma oficina.

- Pode ser. Olha, sobre o negócio lá, aquilo que te passaram, me desculpa, mas eu não consegui muita coisa, só sei que foi ele mesmo, pelo que tudo indica.

- Então é para lá que eu irei.

- Mas toma cuidado, eles são muito perigosos. A favela é vigiada desde o morro mais alto, onde ele fica, até a última rua da parte de baixo.

- E o meu irmão? Ele também está atrás disso, não é mesmo? Não deixa ele se envolver, eu não quero isso, não quero que ele se machuque.

- Ele está bem, está na polícia como antes.

Irmão dele? Ter que ir para uma favela? Como assim? Quem é este homem? O Bernardo é mais estranho e misterioso do que eu imaginava!

O rádio pendurado na calça do Edgar começou a 'falar'.

"Detetive Braga, já chegamos. Conseguiu pegar os criminosos? Podemos entrar?"

O detetive ignorou o chamado e continuou falando com o Bernardo.

- Existe algumas coisas que eu preciso te contar Bernardo, mas isto ficará para depois. É melhor vocês saírem daqui, os policiais estão vindo por este lado, vocês terão que ir por ali, de onde eu vim, aquele portão enorme, do lado esquerdo tem uma mata, fujam por ali, pois é certeza que nenhum policial estará lá, eu garanto, conseguirei enrolar as buscas até amanhã de manhã. Agora amigo, saiba que as coisas estão mais confusas do que imaginamos, existem coisas muito mal explicadas na tua história.

- Eu sei, por isso eu irei para lá, eu preciso descobrir.

- Dê um jeito de avisar quando chegar no morro, assim eu vou te ajudar, você sabe. Pega o cartão, precisei trocar de número. Ah, e espero que você tenha gostado, como eu suspeitava que era você, eu decidi ligar a sirenes para avisar a minha chegada e te ajudar a fugir, mas da próxima vez toma cuidado, eu vim sozinho agora pois sabem como sou teimoso e que gosto de sair como herói, por isso insisti e eles deixaram, só que depois podem não me deixar vir sozinho e você já sabe o que pode acontecer, apesar de eu saber que você daria um jeito.

- Valeu Ed, você é um amigão mesmo. Eu tentarei ligar sim. Até.

- Até e se cuida. Até mais também Amélia.

Nem respondi aquele detetive corrupto, que tem amizade com criminosos.

Saímos correndo em direção ao portão, pude ouvir o Edgar falando pelo rádio com os policiais.

- Aqui é o detetive Edgar Braga, fui atingido pelos criminosos, por favor entrem aqui, estava desacor.....

Não pude ouvir mais nada do que ele falava, saímos para uma rua de terra, viramos para a esquerda e entramos na mata.

Preciso me livrar o mais rápido possível desta algema, eu não quero ficar com este homem, alguém que eu não conheço, alguém que além de assassino faz parte de um grupo de corruptos de policiais. Eu quero me livrar logo disso!