Vivendo em um engano (Capítulos 14 e 15)

CAPÍTULO 14

Estamos andando faz um tempão, acho que muitas horas, está escurecendo até. Nossa, são umas luzes aquilo, está bem longe, mas acho que são sim luzes. Apertei os meus olhos para ter certeza se o que eu estou vendo não é uma ilusão.

- Luzes!

- O quê?

- Olha, tem luzes ali na frente!

- É verdade! Vamos!

Corremos na direção das luzes e ao chegar mais perto percebemos que estávamos entrando em uma cidade.

- Onde será que estamos?

- Não importa o nome do lugar, o que importa é que achamos uma civilização, agora podemos achar uma oficina.

Senti um cheiro de pão de queijo no ar, meu estômago roncou, fazia horas que não comia, acho que a última vez foi na penitenciária. Parece que o louco também estava com fome, porque ele olhou para a lanchonete de um jeito como se estivesse faminto.

- Está com fome?

- Ah, bom, eu.....Na verdade eu estou com fome, faz um tempo que não como nada, acho que desde que saímos da prisão.

- Certo! Eu também. Vamos comer alguma coisa ali naquela lanchonete.

- Comer alguma coisa ali? Eu sei que você é louco, mas idiota é novidade.

- Não sou idiota, estou com fome, você também, vamos comer.

- Estamos algemados. Você acha que eles não irão perceber? Sem contar que não temos dinheiro.

O maníaco olhou para o chão, depois olhou para a lanchonete.

- Me acompanhe.

Não tinha como dizer que não iria acompanhá-lo, estava presa à ele.

Na porta da lanchonete o louco segurou minha mão algemada e a levou para dentro do bolso da calça dele junto com sua mão algemada.

- O que você está fazendo?

- Arrumando comida!

Entramos na lanchonete, fomos até a última mesa do lugar, perto da parede e dos banheiros, um local bem escondido. Ele olhou de um lado para o outro discretamente, tirou minha mão do bolso dele, sentamos um do lado do outro e ficamos com as mão algemadas debaixo da mesa.

- Oi, o que irão querer?

- Queremos pão de queijo, uns seis. Pode ser querida?

O que ele estava querendo dizer? Me chamou de querida? Ai meu Deus, isso vai dar errado.

- Querida? Pode ser ou você quer outra coisa?

- Não! Certo!

- Alguma coisa para beber?

- Dois cafés.

- Tudo bem, eu já venho.

Assim que a garçonete saiu de perto de nós dois, eu olhei indignada para ele e quis explicações, apesar de não estar nas condições de exigir muito, afinal ele pode me matar a qualquer hora.

- Eu só estou fingindo, coloquei sua mão dentro do meu bolso, pois assim não dá para ver a algema em nossos pulsos. Vamos fingir ser um casal, assim não precisamos explicar porque nossas mãos estão debaixo da mesa ou porque sua mão está no bolso.

- Não gostei da ideia.

- É o único jeito e eu também não estou gostando nem um pouco.

- Podia ter escolhido uma mesa melhor.

- Ninguém senta perto dos banheiro, pois não é higiênico.

- E fede muito.

- Logo estamos discretos aqui, ninguém nos verá, pois é bem escondido.

- Você não acha que se misturar com a multidão é melhor?

- Quando não está com uma algema na mão, acho que sim.

- E como vamos fazer para pagar?

- Vamos ao banheiro.

- Ao banheiro?

- Sim, agarramos algum cara, pegamos o dinheiro dele e....

- E mais nada! Eu não vou cometer um crime!

- Não vou cometer um crime, não vou matá-lo.

- Mas vai assaltá-lo!

- Somos roubados todo dia por políticos e eles não são presos, acho que roubar não é mais um crime.

- Eu não vou fazer isso!

- Então o que você tem em mente?

Não tinha nada em mente. O que eu poderia fazer? Não quero bater em um cara e assaltá-lo.

- Pensarei.

Um grupo de mulheres sentaram na mesa do nosso lado e começaram a conversar.

- Eu nem sei o que o meu marido está fazendo, o bom é ele trabalhar e me dar dinheiro, isto é o que importa, se ele está em uma obra ou se prostituindo, eu nem ligo, só quero o meu precioso dinheiro no final do mês.

- Eu também! Quero tanto comprar um guarda-roupa novo, já fazem seis meses que eu comprei o que eu tenho, está na hora de trocar.

Conversas fúteis e ridículas. O que este tipo de gente vem fazer em uma lanchonete? Falar sobre a próxima compra. Fala sério? Elas são idiotas e só pensam em gastar.

- Você viu? Estão construindo um shopping aqui perto, parece que novas lojas virão para cidade.

- Novas lojas? Ai que ótimo! Assim poderei fazer mais compras, espero que venham coisas de São Paulo, uma vez eu fui para lá e achei tudo muito lindo, tem de tudo lá.

Fui para São Paulo? Virá um shopping? Onde eu estou? Que lugar é esse que não tem shopping e nem é São Paulo?

A garçonete trouxe o nosso pedido e olhou estranho para gente.

- Senhor e senhora, me desculpem falar, eu sei que vocês são um casal, mas é que meu chefe viu vocês com a mão embaixo da mesa e me pediu para avisar que não é permitido atos sexuais aqui dentro, pois é uma lanchonete de família. Eu sei que está de noite já, não há crianças aqui, mas vocês poderiam ir a um outro lugar, não é mesmo?

Fiquei chocada! Que horror ela nos dizer aquilo, não estamos fazendo nada!

- Ah, não! Eu não estou fazendo nada!

- É, estamos só de mão dadas, nada mais.

Ele levantou um pouco nossas mãos que estavam juntas, ainda escondendo a algema.

- Viu? Nada de errado.

- Tudo bem! Me desculpem o transtorno, é só que meu chefe pediu para avisar.

- Sem problemas, eu entendo.

A garçonete saiu de perto de nós dois.

- Ei, você ouviu a conversa dessas senhoras que estão perto da gente, aqui na mesa ao lado?

- Não! Come aí!

- Vou perguntar à elas.

- O quê?

Deixei ele sozinho com o pão de queijo dele e me virei de lado um pouquinho.

- Com licença senhoras, eu não pude deixar de ouvir que irá abrir um shopping aqui. Bom, eu e meu marido, estamos em lua de mel e nos recomendaram esta cidade, por isso viemos para cá, mas eu achei que havia shopping, afinal estamos em São Paulo, não é mesmo?

As senhoras começaram a rir de mim, me olhando com desdém.

- Me desculpe querida, mas se te indicaram este lugar para passar a lua de mel, eu acho que estavam brincando contigo. Primeiro que aqui não é São Paulo, estamos em Minas Gerais. São Paulo, não é longe daqui, mas demora um pouco.

- E esta cidade é muito pequena para ter um shopping, estamos crescendo ainda, ele só será construído porque houve um abaixo assinado feito por mulheres com dinheiro, como a gente.

- Obrigada!

Me virei novamente para minha mesa.

- Você ouviu?

- Estamos em Minas. Acho que pegamos o caminho errado.

- Você acha? Certeza que pegamos, ou a penitenciária não é no lugar que diziam ser.

- Possibilidades.

Ai que raiva! E agora? Estou em um lugar que nunca ouvira falar, sem contar que estas senhoras riram de mim como se estivessem me desprezando, por que elas fizeram isso? Umas delas, a que está sentada bem atrás de mim, me lembra a senhora Melo, deve ser da mesma tribo que aquela lá, isso me dá mais raiva ainda.

- Você não vai comer? Já comi os meus, deixei esses três para você.

- Já estou comendo, é só que eu estou com raiva, apenas isso.

- Beleza. Vamos dar um jeito de nos soltar e depois você volta para São Paulo. Acho que é até bom termos vindo para cá, porque aqui talvez as pessoas ainda não saibam o que aconteceu.

- Talvez.

- Como eu disse. Mudando de assunto, já pensou em como pagar isto tudo?

- Não, eu nã.....Quer dizer, acabou de me ocorrer uma ideia.

Terminei de comer, me virei de lado e vi a bolsa da mulher fútil que estava sentada atrás de mim, estava pendurada na cadeira. Como não tinha habilidade com estas coisas, o cara assassino pegou a bolsa com delicadeza, a abriu e pegou a carteira da senhora.

- Não pega tudo.

- Não vou fazer isso.

Ele pegou cinquenta reais, que estava no meio das notas de cem e cinquenta que havia ali, depois devolveu a carteira na bolsa e esta na cadeira.

A garçonete veio até nossa mesa, a pedido do meu acompanhante.

- Você tem troco?

- Claro! Já trarei.

Alguns instantes depois, eu e o louco fugitivo estávamos andando pelas ruas da pequena cidade de Minas, sem fome e com muito sono, pelo menos eu estava.

CAPÍTULO 15

Depois de andarmos na cidade, vimos que ela era bem pequenina mesmo, a lanchonete que estávamos parecia ser a única dali, isto explica o fato daquelas senhora estarem lá, porque se houvesse um lugar mais chique, elas estariam nele. Havia pequenas casas e as ruas eram de paralelepípedo. Pelo que pudemos observar tinha apenas um mercadinho, um banco e uma rodoviária. Não encontramos uma delegacia, o que me deu um pouco de alívio, afinal eu era uma fugitiva, mesmo tendo sido obrigada.

Estava com muito sono e cansada, então acabei bocejando muitas vezes na caminhada.

- Vamos encontrar um lugar para a gente dormir.

- Não, precisamo achar uma oficina, temos que nos soltar.

- Bocejando desse jeito? Não vamos conseguir andar por muito tempo, percebo que está com sono e cansada. Além disso, está escuro, as pessoas parecem já estarem indo dormir, não haverá uma oficina aberta. Vamos achar um local para descansar.

Segui o louco até um casa no final da rua.

- Você vai fazer o que? Pedir abrigo?

- Não! Isto é uma pousada.

Estava com tanto sono que nem percebi o letreiro em cima da casa, o qual dizia "POUSADA TIA JUJÚ".

- Você acha uma boa ideia? Quer dizer, e se perceberem o que somos?

- Ninguém vai perceber.

Entramos no local, meio antigo e escuro. No balcão havia uma senhora, toda estranha, sem contar que cheirava muito mal, parecia que não tomava banho a dias.

- Olá, nosso carro quebrou no caminho, não temos lugar para passar a noite, será que a senhora tem um quarto sobrando?

- 30 reais, com direito a lençol, travesseiro e banheiro. Banho de vinte minutos no máximo.

- A senhora não pode abaixar um pouco o preço, estamos com o carro quebrado, estamos desprevenidos e .....

- 30 reais, nem mais, nem menos.

A voz da senhora é grossa e molenga, parece uma voz de bruxa e ela é muito nojenta, cuspiu no chão nas duas vezes que o louco falou com ela, e ela masca um negócio, tipo uma varetinha, muito nojento.

- Tudo bem. A senhora pode nos levar ao quarto.

- Toma a chave. É aquela segunda porta ali.

- Obrigado!

Entramos no quarto que não estava nem um pouco iluminado.

- Está escuro aqui, eu não enxergo nada.

- Deve ter alguma luz por aqui. Vê se acha um interruptor.

- Não encontro nada. Ai!

- Que foi?

- Você!

- Hã?

- Você me puxou, bati a perna em algum móvel.

- Me acompanhe certo da próxima vez.

Que cara imbecil! Odeio ele de todas as formas possíveis, apesar de meu medo ser maior.

- Achei!

- O interruptor?

- Não, parece um lampião.

Ele acendeu o lampião, então pudemos ter uma ideia de como era o quarto, pois não fora iluminado totalmente o quarto. Pó não era surpresa, mal iluminado daquele jeito, com lampião como única fonte de luz, estava claro que aquele lugar não fora visitado se fazia muito tempo.

- Como você acendeu o lampião?

- Do lado dele tinha uma caixa de fósforos, você não viu?

- Não fico olhando para você toda hora.

- Melhor assim, pois quando eu quiser te matar será uma surpresa.

Senti um frio na espinha. Não acredito que ele disse isso. Ai meu Deus!

- Agora vamos dormir, amanhã acordamos cedo para encontrarmos uma oficina ou um açougue.

- Açougue?

- Lá é onde eles cortam os bois, não é mesmo? Deve ter uma faca muito boa para cortar uma parte do corpo.

Ai meu Deus, de novo! Ele está pensando em cortar o meu braço! O que eu faço? O que eu faço?

Acompanhei ele até a cama, que para o meu desespero era de casal, mas não reclamei, pois ele já tinha dito aquelas coisas, a outra parte agora será realizá-las, não posso dar motivos para ele ficar com raiva de mim e me matar o mais rápido possível. Deitamos no colchão, tentei ficar o mais longe possível dele. Depois de um tempo, alguns minutos eu acho, ele começou a conversar.

- Eu sei o que você está pensando, muita gente daquela cadeia pensava a mesma coisa, "Quando será que ele vai me matar?", principalmente o pessoal da minha cela.

Ele lê mentes agora? Devo ter demonstrado o meu medo, mas o que eu faço? Eu estou realmente com medo dele.

- Não fique pensando nisso. Eu não vou te matar.

- Difícil de acreditar.

- Principalmente depois do eu falei. Eu estava brincando, não quero achar um açougue, não vou cortar um pedaço de você.

Brincadeira? Ele é um louco doentio mesmo! Onde já se viu fazer uma brincadeira dessas?

- Como você disse lá no curral, quando estávamos pegando as roupas, eu repito: eu sei que a gente não tem se dado muito bem desde que eu te joguei por aquela grade e te forcei a fugir comigo, mas acontece que agora estamos aqui, juntos, precisamos nos unir para nos proteger.

- Proteger? Eu quero voltar para lá, eu iria sair semana que vem, eu iria ser liberta por bom comportamento.

- Acontece que o Roberto não iria te libertar.

- Roberto?

- O gorducho que estava falando com a gente, nos obrigando a dançar.

- Você o conhece?

- Você não sabe muita coisa sobre mim.

- Então explica.

- Agora não é o momento. Só quero que a gente se dê bem e acredite: eu te livrei uma coisa muito ruim.

- O meu advogado está com um documento assinado pelo juiz, eu teria que ser libertar se eu estivesse lá, se isso tudo não tivesse acontecido.

- Pode estar assinado pelo presidente, você não seria liberta se estivesse lá. O Roberto tem muita influência, quando me contaram que ele viria, já me disseram como ele seria: o terror. Eu vi o jeito que ele olhou para você, o jeito que ele falou contigo, você seria a mocinha dele, seria OBRIGADA a ser a mocinha dele, não seria liberta, pelo menos não enquanto ele te quisesse.

Fiquei quieta, estava tentando assimilar tudo que ele me dizia. Aquele gorducho parecia ser muito perigoso.

Não sei se o louco estava mentindo, parte de mim estava com medo e achava que tudo que ele dizia era um joguinho, mas outra parte estava acreditando, pois não via motivos para ele inventar aquela história.

- Você então tinha contatos com policiais?

- Amigos! Eu não vou contar a minha história para você. Só quero que você saiba que eu não vou te matar, que eu não sou o assassino que todos dizem que sou. Espero que você e eu possamos nos dar bem a partir de agora, porque precisamos nos ajudar.

- Então está errado eu pensar em me libertar de você e voltar para a penitenciária, dizendo que fui obrigada a fugir e que sou inocente?

- Não existe errado ou certo, você faz o que quiser depois que nos libertamos, mas saiba o que te espera lá. Você pode não acreditar em mim ou pode acreditar, tudo depende de você.

Acho que aquilo significava um não. Respirei fundo, talvez estivesse dando um passou errado, mas agora só me restava me juntar a ele.

- Meu nome é Amélia e saiba que meu medo ainda é grande, mas depois desta conversa, não é tão grande como antes.

O louco assassino deu um sorrisinho por causa do que eu disse.

- Meu nome é Bernardo.

- Bernardo! Legal.

- Você nunca imaginou que eu pudesse me chamar assim, não é mesmo?

- Não! Rsrsrs. Pensava em um nome mais agressivo, próprio para assass....Esquece.

- Rsrsrs, eu sei.

- As pessoas nunca acreditam?

- Não, minha mulher foi a primeira delas.

A mulher dele? Como assim? Como ele pode falar desse jeito se ele a matou?

- Esquece! Vamos dormir, boa noite!

- Boa......Noite!

Estanho, muito estranho, quem é este homem? Depois desta conversa, depois de ver o jeito que ele falou da mulher dele, pensativo do jeito que ficou depois de falar dela, acho que há alguma coisa mal explicada nisso tudo.

- A propósito Amélia, você disse que não queria assaltar ninguém, que era um crime, mas na lanchonete foi o que fizemos com aquela senhora.

- Ela mereceu, é uma senhora fútil que me olhou com desdém e se sente superior a tudo e a todos, aquele tipo que quanto mais tem, mais quer. Não gosto de pessoas assim, que têm muito dinheiro e não gastam com coisas importantes, como ajudar uma instituição de caridade, tantas pessoas famintas e elas só pensam em comprar roupas. Aposto que nem percebeu que sumiu cinquenta reais da bolsa dela. A gente não roubou dela, só a ajudamos a fazer uma boa ação para o mundo.

- Boa justificativa para um roubo.

- Rsrsrs. Ela mereceu!

- Pode ser.