Adele (Capítulos 76 e 77)

CAPÍTULO 76: INCONSCIENTE

*AJUDA

- Essa garota! Esta semana ela usou o fogão todo dia. Gasta gás! Eu sou calma, gosto de ajudar, cobro baratinho o aluguel do quarto, com direito a almoço e janta, mas ficar usando o fogão todo dia, aí já é de mais, meus filhos ficam brigando comigo por causa disso. Que menina louca, saiu correndo da cozinha, coitada, tão magrinha, acho que está doente, sempre pálida, sem cor, sem vida, deve ter se assustado com o que eu disse. Estou com dó dela, eu disse para minha filha que essa história de chá engordar seria ruim. Chá engordar? Como ela foi boba de acreditar, disse aquilo para ela parar de usar o fogão. Esse mundo, a menina é estudada e não sabe que chá não engorda? Por isso que eu falo que no meu tempo era melhor, a gente aprendia em casa e aprendíamos tudo certo. Ai, consegui chegar, um dia essas escadas vão acabar com minhas pernas. Pelo menos agora ela irá beber o chá e eu irei conversar sobre o uso do fogão. Ficou assustada, coitadinha!

A senhorinha bateu na porta da Adele para deixar o chá, mas a hóspede não atendeu, então a dona da pousada resolveu entrar, ao abrir a porta e encontrar a menina caída no chão, derrubou a bandeja com o chá, estava assustada, nervosa, a única solução era ligar para hospital, principalmente depois de ver a cabeça da desmaiada sangrando, suadouro nenhum ajudaria naquele momento.

* HOSPITAL

A ambulância chegou bem rápido na pousada e levou Adele para o hospital, foi a maior agitação no estabelecimento, pois não era todo dia que se via alguém saindo de maca daquela moradia.

No hospital os médicos deram os primeiros socorros para a menina, mas ela não acordava, ficaram cuidando dela até obterem algum resultado um pouco positivo. Adele acordou depois de muitas horas desde a queda, mas foi lhe dado um sedativo, pois a dor dos pontos levados na cabeça era intensa. Foram sete pontos feitos pelos médicos na cabeça da Adele, pelo que foi percebido pela senhorinha no quarto, ao bater com a cabeça no chão, esta foi cortada, pelo quê? Isso ainda era um mistério, uma possibilidade é o piso do chão que é de taco e está quebrado em vários lugares, talvez houvesse um pedaço lascado ou algo do tipo.

Os médicos conversaram com a senhorinha para avisar os pais da Adele, essa não tinha contatos com o pais da moça, mas por um milagre lembrou que a mãe da menina havia ligado mais cedo, então correu até a pousada olhou no identificador de chamadas e procurou por um número que tivesse um DDD diferente do DDD de São Carlos. Depois de umas cinco tentativas, a senhorinha conseguiu conversar com a dona Adelaide.

Desesperada, dona Adelaide chegou o mais rápido que pode ao hospital de SC, o senhor Augusto acompanhou a senhora Braga, não largando-a em nenhum momento. O Fernando ficou na cidade natal da adoentada, afinal as provas dos vestibulares estavam ocorrendo e apesar de sua preocupação com a irmã, ir até SC e deixar o momento para o qual se preparou o ano todo, não iria melhorá-la rapidamente.

Depois de tanto chorar na beira da cama da filha, dona Adelaide foi conversar com o médico Guimarães, acompanhada do Augusto.

- A Adele está com problemas sérios de saúde.

- Mas como doutor? Minha filha sempre foi saudável, pratica esportes, tomou todas as vacinas, não entendo porque ela está doente.

- Sua filha, senhora Adelaide, não está saudável, ela está com déficit de proteínas, vitaminas, e outros componentes que o corpo necessita. Ela está com anemia, avitaminose, sem contar que está abaixo do peso que lhe é recomendado.

- Abaixo do peso? Eu percebi que ela estava muito magra na última vez que apareceu em casa, mas não falo mais nada para ela sobre seu corpo, pois ela sempre fica muito brava e acabamos discutindo.

- Entendo, isso explica algumas coisas. Recolhemos o sangue dela e estamos fazendo exames, mas tudo indica que sua filha apresenta transtornos alimentares.

- Transtornos alimentares?

- Isso mesmo. Senhora, Adele está em uma situação complicada, ela está a base de sedativos no momento, acordará pela manhã provavelmente, então iremos conversar com ela, mas como seu estado de saúde se encontra grave, possivelmente ela não irá nos contar nada, teremos que ter paciência.

- Ela terá que fazer terapia, não é mesmo?

- Com certeza, senhor Augusto. Eu sinto muito.

- Ela irá....irá....Eu posso perder minha filha, doutor?

- Senhora, eu não posso afirmar nada no momento, peço-lhe apenas que tenha paciência.

- Podemos transferi-la para o hospital da nossa cidade?

- No momento não, como eu disse, senhor Augusto, o caso é complicado então é arriscado transferi-la agora.

- Doutor, seja sincero por favor, este hospital é público, na nossa cidade os pacientes enfrentam muito problemas por causa disso, pois não existe assistência para algumas doenças, etc. Me responda francamente, este hospital possui equipamentos e pessoas preparadas para resolver o caso da Adele?

- Eu entendo a sua preocupação, fizemos o que estava ao nosso alcance senhor Augusto, os primeiros socorros foram dados à ela, agora temos que esperar, faremos tudo que pudermos para curá-la. Se mais para frente, quando ela estiver uma pouco melhor, o senhor achar que não está bom o nosso atendimento a paciente, darei a permissão para levá-la a um hospital mais apropriado na sua cidade. Senhora Adelaide, sua filha está muito fraca, ela caiu e bateu com a cabeça, fazendo um corte, que não é profundo, por isso ela está com uma faixa na cabeça, acho que a enfermeira te explicou isso.

- Sim doutor.

- Então, percebemos que ela está com um dos dedos fraturado também, porém isso já é de dias, tanto é que está cicatrizando mas erroneamente, então tivemos que quebrar novamente o dedo e enfaixá-lo corretamente. Espero que a senhora entenda o nosso trabalho.

- Entendo, mas....ah, ela é minha filha doutor, eu estou sofrendo muito.

- Estamos trabalhando para reverter o quadro da paciente, só peço calma, por favor. Agora vocês me dão licença?

- Claro doutor, obrigada por tudo.

- Se acalme.

O doutor se afastou do casal, dona Adelaide chorava muito no ombro do senhor Augusto, este, ainda de cara fechada por causa da resposta que o doutor lhe dera sobre a transferência, disfarçava para poder acalmar a amada.

CAPÍTULO 77: NÃO QUERO ESTAR AQUI!!!

- Bom dia Adele!

- O eu estou fazendo aqui?

- Filha, esse não é jeito de falar com o doutor.

- Eu odeio hospital, você sabe disso. Eu estou bem, me leva para casa por favor.

- Não! Eu te darei alta Adele, não agora.

- Pronto!

- O quê?

- Já se passou dez segundos, pode me dar agora a alta.

- Esperta, mas não lhe darei alta até eu perceber que você está em boa condições para isso.

- Mas eu estou bem doutor.

- Eu não acho.

- Fala sério? Mãe fala para ele.

- Sinto muito meu bem, eu quero que você melhore, concordo com o doutor.

- Bom, meu nome é Gabriel Guimarães, mas pode me chamar apenas de Guimarães.

- E por que não de Gabriel?

- Adele! Desculpa doutor, ela ainda está zonza.

- Sem problemas, pelo que parece terei uma paciente bem engraçadinha.

- Não sou palhaça para ser engraçada.

- Eu sei que você está com raiva, mas você irá passar um tempo aqui, portanto terá que se acostumar, e quando mais respostas grosseiras você me der, mais dias ficará no hospital.

- Tudo bem! Desculpe, eu só não quero ficar aqui. Doutor Guimarães, existem muitos pacientes aqui neste hospital, pessoas que precisam de mais atenção do que eu, estou roubando a vaga de alguém que precisa muito estar aqui, por favor me libera.

- Discurso errado, já o usaram ontem mesmo. Terá que ser melhor do que isso. Bom Adele, você acordou hoje de manhã certo?

- Foi doutor, eu estava aqui, chamei a enfermeira, ela examinou minha filha e disse que não há nada de errado.

- Entendo, ela já me relatou tudo. Já comeu Adele?

- Aquela sopa horrorosa? Não, eu não estou com fome. Se tivesse uma fruta, eu até pensaria em comer.

- Certo. Você quebrou o dedo há alguns dias, certo?

- Eu cai. Nem me lembrava. Ele já estava curado antes de eu vir para cá.

- Sei.

- Então por que agora ele está enfaixado novamente? E a minha cabeça, o que aconteceu com ela?

- Seu dedo não estava bem, você nem foi ao médico pelo que parecia, precisamos tomar algumas providências. Quanto a sua cabeça, você possuía um corte.

- Um corte? Ah, me lembro vagamente, eu cai e senti umas dores na cabeça, coloquei a mão e percebi que estava sangrando. Foi profundo?

- Não, mas você levou uns pontinho. Você disse que se tivesse uma fruta você comeria? Então você come?

- Que pergunta idiota doutor, claro que como. Olha eu sei o que o senhor está pensando, mas eu já lhe aviso que sou saudável.

- Sabe o que eu estou pensando?

- Sei, todo mundo pensa isso. Eu tenho tontura, caio e dizem que eu estou doente, falam que eu estou magra de mais, fraca, pálida, etc.

- Então as pessoas te falam isso? E o que você pensa sobre o que elas falam.

- Nada, eu não penso nada. Que conversa idiota, mãe me tira daqui.

- Conversa idiota? Adele, estou querendo te conhecer melhor.

- Para quê?

- Para sermos amigos.

- Eu não quero ser sua amiga. Mãe!

- Que isso Adele, vamos conversar. Eu vou te contar uma coisa sobre mim, eu como todo dia, cinco vezes ou mais por dia, cada coisa, muito bom comer. E você?

- Não vou falar sobre isso. Mãe me tira daqui!

- Você está na faculdade, né? Menina estudada, já ouviu falar de transtornos alimentares? Minha filha está fazendo um trabalho sobre isso, tem 20 anos, ela faz nutrição.

- E eu com isso?

- Podemos debater o assunto, o que você acha.

- Faço exatas, não humanas. Vai debater com sua filha!

- Nutrição é biológicas.

- Eu sei, mas ela não está fazendo o trabalho? Então? Vai falar com ela, não comigo, não estou fazendo trabalho sobre isso. Ai meu Deus, falando em trabalho eu preciso entrega um motor, cara você precisa me liberar, por favor doutor, eu vou ficar com nota baixa e ficar de rec. Me libera!

- Já avisamos a faculdade sobre seu estado de saúde, a sua matrícula foi trancada.

- Mas eu quero sair daqui. Mãe!

- Você não pode Adele. Infelizmente ou felizmente, você irá ficar aqui!

- Você é um idiota! Eu sei porque você está me deixando aqui, transtornos alimentares?! Eu não sou burra, vocês acham que eu estou doente, acham que eu tenho isso. EU QUERO IR EMBORA, ME TIRA DAQUI MÃE, POR FAVOR, EU ESTOU ÓTIMA, EU NÃO ESTOU DOENTE, ELES ESTÃO MENTINDO PARA GANHAR DINHEIRO.

- Adele, se acalma! Precisamos saber de tudo. Como você já disse não tem porque ficar enrolando, você está doente sim, está abaixo do peso, está fraca. Você precisa de cuidados Adele, nós iremos te tratar, mas primeiro você precisa admitir para si mesma. Adele, se acalma!

Eu estava com raiva, como ele vem dizendo que eu estou abaixo do peso, eu estou obesa, horrível. Sai da cama, estava indo em direção a minha mãe, ela estava chorando, não gosto de vê-la assim, ela precisa me levar para casa, assim ficaremos felizes como antes. Antes de chegar na minha mãe o doutor me segurou, ele me ergueu e me colocou na cama novamente, eu comecei a me debater e bater nele, não quero ficar aqui, eu quero ir embora. De repente apareceram uns três enfermeiros, os três mais o médico me seguraram e me trancaram na cama. Gritei muito, chamei pela minha mãe, a procurei no quarto mas ela não estava mais ali. Eles dizem que eu estou fraca, mas eu não estou, sou forte o suficiente para bater neles todos, minhas aulas me ajudam, sei lutar. Cadê minha mãe, eu estou chorando, será que ninguém se comove? ME SOLTEM! Um enfermeiro entregou uma seringa para o médico, os outros dois seguravam meu braço esquerdo, consegui morder um deles, mas parece que ele não sentiu dor, ainda continuava me segurando muito forte, me deixando imóvel. Senti uma picada no meu braço esquerdo, ainda estava mordendo o braço do enfermeiro, comecei a senti gosto de sangue na boca, fui me sentindo cada vez mais mole, perdendo minhas forças, fechando os olhos.