Adele (Capítulos 32 e 33)

CAPÍTULO 32: A DECISÃO

Precisava escolher rapidamente o que eu iria fazer. A matrícula da usp é dia oito de fevereiro. Passei o dia sete, praticamente inteiro, na cama, pensando. Quando minha mãe chegou eu fui conversar com ela. Fizemos uma lista dos prós e contras para as duas faculdades. Por ela e pela minha razão eu iria para unicamp, mas minha emoção gritava cada vez mais no meu peito: USP, USP, USP!

Eu fiquei pensando até a noite. Se eu for para unicamp, o valor da passagem será menor, será menos cansativo e eu terei uma parte da minha família lá, minha avó, que há tempo não vejo. Se eu for para a usp, o valor da passagem será maior, será mais cansativo e eu não conheço ninguém lá. Mas um motivo era pior que todos os outros que passavam na minha cabeça, talvez tenha sido ele que me fez decidir de vez para onde eu iria.

Se eu for para unicamp, muita gente irá me achar idiota. Eu chorei o ano todo de 2011 para ir para usp, eu rezei, fiz promessa, não dormia direito, só sabia falar da faculdade, enfim eu vivi para passar no vestibular da usp, e agora, depois de todo o meu sofrimento, eu vou para unicamp. Não que esta universidade seja ruim, mas parece que todo o meu esforço foi para nada. Parece que eu menti todo esse tempo. Sei que não devo ligar para as pessoas, mas eu não sei, sou uma idiota e penso muito nisso. Por isso eu decidi, exatamente as onze e vinte da noite, que irei para usp.

Agora eu tenho que ir correndo até a rodoviária para comprar a passagem. Será que tem ônibus para a rodoviária ainda?

- Mãe, decidi. Eu irei para usp.

- Tudo bem, quando é a matrícula?

- Amanhã.

- Amanhã? Em cima da hora Adele.

- Ué?! Tive que pensar em muita coisa.

- Tem certeza que é isso mesmo que você quer?

- Ah,....tenho. Mas será que ainda tem ônibus para a rodoviária?

- Vou pedir para o Augusto nos levar.

- Augusto?

- Sim. Ele está no banheiro.

- E quando ele chegou?

- Adele, não seja indecente. Depois conversamos. Quanto é a passagem para São Carlos?

- Vou ver na internet. Mãe por que ele está aqui?

- Vai ver o valor da passagem por favor.

- Mas...

- Por favor!

- Está bem.

Augusto é nome do amigo/chefe da mamãe. Estranho ela chamá-lo de Augusto. Sempre na minha frente e na frente do meu irmão ela o chama de Senhor Mello. É, a intimidade aumentou. E agora ele está aqui, esta hora da noite. Por que será que ele está aqui? E quando será que ele chegou? Estranho, eu nem ouvi passos. Será que já faz tempo que ele está aqui? Esquece Adele, quando você ficar sozinha com sua mãe você pergunta. Dona Adelaide, já estava para acontecer algo mesmo.

O Senhor Mello, digo, o Augusto, rsrsrs, levou eu e minha mãe até a rodoviária. Coitada da minha mãe, precisou tirar dinheiro da poupança de emergência dela para comprar passagem para nós duas. É, ela irá comigo a pedido do Augusto. Ele disse que era perigoso e que minha mãe ficaria mais tranquila. Tudo bem eu nem ligo, tanto porque eu também ficaria mais segura com minha mãe indo comigo.

- Eu gostaria muito de levar você até lá Adele, mas amanhã eu tenho uma audiência então não poderei. Darei a sua mãe o dia de folga pois entendo que assim ela ficará mais tranquila, indo com você.

- Valeu senhor Mello. Acho que será melhor para nós duas.

- É filha! E eu também nem conseguiria trabalhar direito, logo não serviria como uma boa secretária para o Augusto.

- Que isso Adelaide? Você sempre é uma excelente secretária para mim, mesmo nos dias difíceis.

- Ah! Obrigada Augusto.

Eca! Que coisa mais.....Eca! Namoro de pessoas velhas não deveria existir. Está bem, minha mãe não é velha, mas isso foi tão....Eca! Olha lá, minha mãe está toda vermelha, e eles estão se olhando, apaixonados, como nos filmes. Isso nunca irá acontecer comigo. Eca, Eca, Eca!

Na volta para casa eu estava com muito sono, então eu adormeci um pouquinho. Sabe aquele cochilinho que se fecha o olho mas se ouve tudo? Então estava assim e ouvi a conversa da minha mãe com o "Augusto".

- Acho que a Adele dormiu um pouquinho.

- Ela está cansada, né?

- Não dormiu a nada de ontem para hoje e passou a tarde toda pensando. Ai meu Deus, estou tão preocupada.

- Vai dar tudo certo Adelaide. Calma. Adele está crescendo, sair da cidade para estudar fora faz parte do seu amadurecimento.

- Mas Augusto é muito longe, e você sabe, eu não tenho condições de pagar a passagem sempre para ela. Minha filha ficará longe de mim durante muito tempo, acho que só voltará nas férias e em feriado prolongados. Nunca fiquei muito longe dela.

- Eu sei meu bem, mas você precisa se acostumar. Se te tranquiliza eu lhe prometo que iremos visitá-la uma vez por mês ou duas ou quantas vezes você quiser.

- Rsrs. Você é muito bom para mim Augusto. Mas não irei me aproveitar de você. Na verdade eu acho que preciso me acostumar. Adele já me disse que depois de formada irá trabalhar na Capital. Tenho que me acostumar de ficar aqui no interior mesmo e vê-la só Deus sabe quando.

- Mas quando ela se formar a gente se muda para lá também, se você quiser. E você também tem que pensar no Fernando também Adelaide. Ele está com quantos anos mesmo?

- 17.

- Então, daqui a pouco ele entrará na faculdade também. Você precisa se acostumar.

- Se o Fernando se interessar em entrar para a faculdade, eu irei agradecer muito aos céus, porque aquele menino só quer saber de namorar e de arrumar um trabalho. Ter uma profissão, só a Adele que quis. Estou muito orgulhosa dela. Minha filha é um tesouro.

- Rsrs. Mamãe coruja! Adele é ótima mesmo e o Fernando, ainda tem tempo. Mudando de assusto, acho que temos que dar uma notícia a eles, não é mesmo?

- Ah, havia me esquecido! Desculpa Augusto, com tantas coisas para resolver. Podemos deixar isso para resolver depois? Até o final do mês eu te prometo que conto à eles. Deixa passar a matrícula e resolver as coisas da Adele, pode ser?

- Eu espero o tempo que for por você Adelaide. Já esperei 15 anos, esperar mais um pouco não irá me matar.

- Você conta o tempo desde que me conheceu?

- Desde que te conheci, você sabe disso.

- A estrela mais bela que já na minha vida.

- É, você é minha estrela.

- Ah Augusto. Assim você me deixa sem graça sabia?

- Sempre.

- É, sempre. Ah, já estamos chegando. Depois conversamos mais. Vou acordar a Adele.

Minha mãe me acordou do meu fingimento de sono. Rsrsrs. Ela e o tal do Augusto estão mesmo tendo um caso. Mas por que mamãe não contou para os filhos dela ainda? Poxa, nós apoiamos tanto isso. Que bonitinho, apesar de eu achar Eca, é bonitinho. Estou super feliz por ela.

Hoje foi mais um dia da minha complicada vida. Pelo menos uma coisa parece estar resolvida, A FACULDADE. Será que eu fiz certo? Estou ficando com mais medo. Parece que eu fiz a escolha errada.

CAPÍTULO 33: MATRÍCULA

Na matrícula foi tudo muita zuação. Me sujaram toda de tinta, jogaram um monte de coisas em mim: trigo, pó de café, tinta, água. Foi tudo uma verdadeira brincadeira. Lógico que tudo isso foi depois que eu fiz a matrícula. Me diverti bastante, foi bem legal. Também depois de um tempinho de viagem, estava precisando mesmo me distrair um pouco.

Uns veteranos me chamaram para participar de uma festa que iria ter depois da matrícula. Minha mãe toda preocupada fez todo o interrogatório nos veteranos, perguntando local e hora de término. Com a aprovação dela, eu fui à festa.

- Uhuhu! Está gostando bixete?

- Sim. É bem divertido.

- Legal. Você vai amar a facul.

- Acho que pode ser.

- Joga?

- O quê?

- Qualquer coisa. Algum esporte.

- Ah, futebol.

- Legal. Quer entrar para o time?

- Da facul.

- É! Participar de campeonatos e tal.

- Claro. Eu irei amar.

- Legal.

- Desculpa, mas você só sabe falar isso: "Legal"?

- Não! Falo "Da hora" também.

- Ah!

- Meu apelido é Legal.

- Sabe que eu não conseguido entender o porquê. Rsrsrs.

- Rsrsrs. Vou te apresentar o pessoal.

Conheci muita gente na festa. Havia muitos calouros, meus colegas de classe. Achei uma menina caloura, foi difícil, tinha muito homem lá. Mas sem problemas com isso.

Fui embora antes da festa acabar, era umas cinco da tarde. A festa ia ficar até de madrugada, eu acho. Minha mãe ficou andando pela faculdade, conhecendo as coisas, enquanto eu estava na festa. Um veterano levou eu e minha mãe de carro até a rodoviária e lá pegamos o ônibus.

Cheguei bem tarde em casa. A única coisa que me vinha a cabeça era tomar banho e dormir.

- E aí como foi lá?

- Divertido. Conheci bastante gente. Gostei da facul. Essas coisas.

- Usp mesmo?

- É Lucas. Usp mesmo.

- Mas você está bem com a decisão?

- Se eu disser que sim você acredita?

- Acho...que...não!

- Garoto esperto! Rs.

- A última vez que nos falamos você estava toda duvidosa. Mas conseguiu escolher, por que está mal então?

- Eu escolhi por motivos que agora eu desconheço.

- Adele.

- Não Lucas, agora eu não posso me arrepender, já foi.

- Mas por que você está arrependida?

- Problemas. Quer dizer, eu escolhi a usp, lá é bem legal, as pessoas, os veteranos. Tudo é bom, mas não está sendo do jeito que eu achei que seria. Eu estou pensando desde o momento que sai de lá: É isso mesmo que eu quero para mim?

- Não entendo!

- Ninguém entende! Lembra quando você me disse para ver o teatro não foi somente um encanto? Então, não foi. Minha vida é tão complicada.

- Não, ela não é. Você é quem complica.

- Então EU sou tão complicada. Quando eu achei que a minha vida estava resolvida porque consegui entrar na faculdade, quando eu achei que seria agora eu seria feliz, percebi que não é assim. Não estou feliz, tenho momentos felizes, mas felicidade plena, nem um pouco.

- Calma Adele. Olha, ainda tem muita coisa para acontecer. O que você vai fazer? Não vai para faculdade?

- Pensei nisso, mas seria loucura. Eu vou para a faculdade mesmo. Vou cursar um ano, não sei, vou conhecer, estudar, vivenciar isso por enquanto, depois eu vejo o que eu faço.

- E eu vou estar do seu lado para tudo. Apesar de eu achar que ficar na usp é a melhor escolha, tipo fazer sua graduação, pegar seu diploma, fazer pós. Mas a escolha é sua, se você acha que atuar é tudo para você, mesmo eu achando que não é, eu te apoio.

- Obrigada. A sua sinceridade me dói, mas ao mesmo tempo me conforta, você é um amigo e tanto Lucas.

É agora eu tinha que continuar. Pelo menos uma parte está concluída, mas ainda me resta um grande caminho para construir.