Poemas
Escrevo em caneta neste papel, pois não quero sofrer com a dúvida de transformar ou não essas palavras em uma novela para os olhos dos leitores alheios - que não se importam. Minha cidade me assiste e, de tanto ouvir meus questionamentos, parece se indagar também. Há um carro avançando pela estrada, não sei ao certo para quê. Possui os olhos determinados a chocar e o sorriso de sempre - me atingindo vez ou outra nessa tarde que, em qualquer outro dia, não passaria de uma tarde de sexta-feira qualquer. Não pretendia pensar em nada disso, mas às vezes um livrinho de poemas pode ser bastante persistente. Guiou-me até o armário e sorriu triunfante ao me ver voltar com papel e caneta na mão, lendo minha expressão que dizia "não ajudará em nada, já passou". Mas quando finalmente o convenci de que seria perda de tempo, o branco da folha me perturbou e, bem, aqui estou. A culpa é do livrinho inquieto aqui a meu lado.
Faz tanto tempo, já não ouso tentar lembrar. Não devo e não posso. Mas o que passou nunca se irá, e isso se refere a (quase) todas as vezes. Não sei, vocês que tem coração forte e pulsante que me provem o contrário. Sou razão, mas ignorar isso é ser desumana. E repito, pode ir, não é mais questão disso. É comigo, esquecendo o que deveria ser ou ter sido dito. Não dói, não perturba ou me tira o sono, só fica ali parado e se recusa a ir embora enquanto eu não lhe olhar e dizer coisas verdadeiras que normalmente, costumam se esconder atrás dos "não sei ao certo". Finge que não sabe, mas só quer me forçar a dizer e me acostumar a não sentir vergonha.
Que o dia de amanhã me reserve o esclarecimento de coisas que importam, mas não sei como dizer. Ou o que deveria pensar. Que a música antiga se encarregue de me fazer refletir. E que os poemas encrenqueiros me mostrem qualquer indício de identificação que, no fim do dia, acredito que estará tudo certo.
Não sei se entenderam. Na realidade, me surpreenderia um bucado se o fizessem. E a você que me julga, nem que seja bem no fundo, procure entender. É o máximo que ouso falar. Longos foram outros fins de tarde e outras noites, dessa vez será rápido. Não entendo, nem quero entender, mas talvez tenha sido isso e nada mais:
"Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.
E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.
Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer - e vive a esmo
Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo."
(Vinicius de Moraes)