Menina dos Olhos
Lá vai ela, mais uma vez para seu mundo de sonhos. Vejo-a enconlher-se em um canto, fechando os olhos. Em algum lugar, dentro dela, alguém ainda se importa. Pode ser qualquer um, desde que seja real e que a veja ali. Há pessoas a seu redor, contudo, elas não tem consciência de sua presença. Não quando ela é apenas mais uma menina preenchendo o vazio. Não quando ela não sabe para onde seguir. Quando nem sequer vê a si mesma ali, chorando silenciosamente. O que ela não sabe, é que eu a vejo há muito tempo. Sento-me aqui, onde ela não pode ver, e observo-a acordar, distribuir sorrisos, acolher-se na solidão e proclamar para si mesma palavras de conforto para que ela possa manter aquele sorriso por tempo suficiente para fazer os outros felizes. Eles sorriem enquanto ela está ali agora, chorando.
Conheço bem seus traços, por isso posso dizer que, por trás de seus olhos, ela esconde a ausência. Embora não seja uma boa fingidora, quando sorri, ninguém parece perceber a dor estampada em sua face. Ninguém exceto eu. Sei que ela não me vê, nem mesmo sabe que existo, mas não consigo deixar de sentir raiva por querer que ela seja feliz enquanto os outros passam por ela sem notar sua existência e valor. Quando a vejo ali, como faço agora, ela me preenche e me faz querer poder abraçá-la e fazer com que ela veja que nunca esteve sozinha. Enquanto ela esperava, eu estive aqui. Todas as vezes que sorria ou chorava, se questionava ou aceitava, aqui estive eu, apenas observando e desejando que um dia, ela pudesse me ver, como eu a vejo lá.
Agora, ela enxuga parte das lágrimas de seu rosto e olha para as pessoas conversando e rindo a sua volta. Sei que ela se sente mal, porque não conseguem decifrar o que ela tenta mostrar. Sei disso simplesmente porque ela forçou um sorriso e olhou para baixo. Veja, não há nada de muito complicado em suas feições, posso ver como ela se sente como vejo através de um tecido transparente, mesmo sabendo que, em muitos aspectos, ela pode ser bem "inovadora". Tenho como exemplo o fato de que quando ela gosta mesmo de alguém, o despreza, ou pelo menos tenta fazer isso com a maior precisão possível. Não um desprezar ruim, porque não há maldade em parte alguma dentro dela, mesmo nos momentos em que deveria existir. Ela despreza como se fosse uma brincadeira, e na maior parte dos casos, as pessoas sabem disso.
Fazem alguns meses, mas sei que é por isso que ela está assim. Quando é para pensar em alguém que a tenha feito se sentir viva, sei que é nele que ela pensa. Mas com a lembrança, vem a dor. Não o conheci, mas também nunca desejei que isso acontecesse. Desde o primeiro sorriso bobo que ela deu, eu soube que terminaria assim. Ainda é difícil para ela pensar no que aconteceu, mas há grande chance de que ela nunca o faça. É verdade que sofre, mas ela não costuma se sentir assim. Na verdade, antes de aquilo acontecer, ela era a pessoa mais forte que um dia conheci. Infelizmente, ela não gostaria de saber disso, porque desde o princípio ela quis continuar assim, mas houve um tempo em que ela teve que ceder. Lembro-me como se fosse ontem daqueles dias. Tão bons pra ela, mas agonizantes para mim.
A menina dos olhos, acabou de se levantar. Carrega uma expressão leve enquanto anda por entre a multidão. Todos a vêem sorrindo, mas o que vejo são as lágrimas que caíram há pouco tempo, terminando de secar. Sem dizer uma única palavra, como sempre, caminha sem chamar muito a atenção dos que apenas o externo podem ver. O que eu vejo, todavia, é extremamente chamativo. Há coisas nela que muitos nunca ousariam tentar fazer, mas ela parece não perceber. Há algo que cativa a todos que conseguem enxergar parte do que vejo, e esse algo a pertence. É apenas uma questão de tempo até que eles finalmente possam ver. Apenas sinto muito por vê-la sozinha como está. Sinto muito por sentar aqui todos os dias e observar tudo o que vejo sem nada poder fazer. Não sou reconhecido pela dona daqueles olhos, agora tão tristes e desamparados, mas sempre soube que assim deveria ser. Ela não me conhece, nem mesmo sabe que existo, mas isso é irrelevante quando sei que ela é alguém especial. E mesmo sem que ela possa saber disso, sei que em um futuro próximo alguém a terá nos braços e verá tudo o que vejo, com apenas uma diferença: aqueles olhos, tão doces, serão exclusivamente seus.