Alucinações
Capitulo 01- Onde as alucinações começam...
Nesse local eu não posso enxergar muito, apenas vejo um quadro branco a minha frente, na verdade, se parece mais com uma parede.
Não me importo como cheguei aqui, nem como ficarei amanhã, pois percebo que ninguém é capaz de me ver, ninguém é capaz de me ajudar e me salvar desse lugar escuro e silencioso.
Tento me distrair de todas as formas possíveis, mas o que me resta a fazer aqui? A opção existente é essa única fonte de luz, esse branco em frente aos meus olhos.
Fico surpresa quando parece que vejo algo se mover. Fixo meus olhos no branco e penso que já estou tendo alucinações, mas não me importo, pois se isso for verdade, se estou mesmo tendo alucinações, farei delas minha distração.
E vejo o espetáculo começar.
E da mesma forma que eu via aquela parede clara eu via um céu claro, com nuvens brandas, onde o azul dominava. E como se tivesse uma câmera, e como se ela filmasse cada cantinho daquele imenso céu.
Depois ela ia focando mais abaixo, e então eu via uma avenida, carros parando e jovens descendo deles, se despediam das pessoas que estavam dentro dos automóveis e seguiam para um portão branco, este que pouco aparecia, pois estava quase todo aberto, podendo se ver uma mínima parte. E os adolescentes continuavam a andar e entravam por um portão menor.
E a câmera continuava, do lado direito, estava um palco, não muito alto, nem muito grande, apenas um simples palco. E Logo à frente eu olhava e ficava alegre, pois havia um grande pátio, com meninos e meninas se cumprimentando, sorrindo, e sendo felizes.
Em um momento a câmera focou um menino que me chamou a atenção. Ele tinha um celular na mão e logo o colocou próximo ao ouvido, estava rodeado por outros meninos que prestavam atenção na conversa que estava acontecendo. Ele dizia, “Parabéns você acaba de ganhar um prêmio, ingressos para o show do Strike”. Fiquei curiosa para ouvir o restante, mas a câmera foi em direção a uma menina, e eu prestei atenção no sorriso dela, e depois em sua expressão de desconfiada. Ela levantou da cadeira e pediu permissão para sair da sala de aula. Fiquei mais intrigada ainda quando ela foi em direção da sala do menino que estava com o celular. Ela apenas o chamou, disse algo e retornou para sua sala. Após uns minutos, recebeu outra ligação e um sorriso apareceu novamente em seu rosto.
Ao término da aula ela saiu apressada de sua classe, foi em direção a sala que tinha ido anteriormente, e falando bem alto chamou um garoto, Gabriel. Reparei que era o menino do celular, o que ela havia visitado antes. Ele veio até a porta, então ela disse com grande alegria que tinha ganhado ingressos para o show do strike. Gabriel não respondeu, apenas a olhou e sorriu. Em exato momento Júlia não entendeu a falta de animação dele, mas no próximo segundo ela ficou desconfiada, e em outro disse simples palavras ao menino em sua frente “Te dou dez segundos para correr, 10, 9, 8...” e Gabriel sai pelo pátio a correr, sorrindo e brincando. Na sala, Camila, Brenda, Lucas e Felipe, dão risadas do acontecimento. Como também Pedro, quando informado de tudo.
Olho aquela cena e sei que o que cada um viveu até agora não importa. Se já se conheciam há muito tempo, eu não sei. O que percebi, é que esse foi um dia que viveram em um ano divertido de primeiro colegial. E que não sabem o que esperam por eles nos próximos anos de suas vidas.
E então minha câmera imaginária foca eles, e também cada cantinho daquela escola, as salas, o pátio, o palco, os alunos. E depois ela sobe, mostrando de longe o que está acontecendo. E por ultimo, mira novamente o céu azul, e eu fico satisfeita de ter visto esses momentos, sejam eles alucinações ou não.
Capitulo 02- O escuro
E vejo branco de novo. Continuo a olhar para a cor, mas nada acontece. Eu não desisto, tento me concentrar para continuar vendo, mas nada muda. Tento olhar para outros lugares, mas nos outros locais a cor passa a ser preta, passa a ser o escuro.
O que desejo é ter mais alucinações. Pois eu quero fugir, entretanto, isso me parece impossível.
Volto meu olhar para a parede branca e espero as cenas começarem. Se passa muito tempo, eu não sei quanto, pois não a como contá-lo.
Não quero perder nada, assim, não posso piscar. Mas meus olhos doem e sei que meu esforço é inútil, pois a parede continua branca e as lágrimas já começaram a escorrer pelo meu rosto. Então choro, são lágrimas silenciosas, como o local onde estou. Um lugar frio, um lugar solitário.
E desisto, fecho meus olhos e não penso em nada, só vejo o escuro, o escuro das minhas lágrimas, o escuro desse lugar.
Capitulo 03 - Imaginações
Depois de um tempo indefinido, pensando no nada, abro novamente meus olhos. Mas logo sou convencida a fechá-los de novo. Pois percebi que está tudo como antes, está tudo igual, ainda existe o escuro e ainda existe a parede branca, sem nada, apenas branca. Mas se eu pudesse, faria essa parede se transformar em um grande telão novamente, e faria que minha câmera imaginária voltasse, e essa filmaria outra vez aqueles alunos do colegial.
Entretanto, não seriam as mesmas cenas. Teria que ser diferente. Eles não poderiam estar novamente no primeiro colegial. Estariam no começo do próximo ano, a escola estaria passando por reformas, pois o governo teria mandado verba para aumentar o número de salas e deixar melhor a aparência daquela instituição.
Eu veria o sorriso nos rostos deles, e isso teria um motivo. Esse poderia ser o jeito errado da Camila falar as palavras, como “pranta” ou “probrema”. Ou poderiam estar rindo, porque Júlia teria falado para o Gabriel que ele iria voar de tão magro que está.
Nesse ano viveriam os dias com grande agitação. Como no meio de uma música animada, que tem por melodia “tuntz, tuntz, tuntz”, como no meio de um beijo, onde seu coração está a mil por hora. E estariam assim porque se localizariam no meio do colegial. E o meio é assim, é agitado, é alegre, pois ele tenta chamar a atenção, mas só nos lembramos das duas extremidades. E agora eu me pergunto, estou em uma delas? No começo ou no fim? Ou seria apenas o meio?
Acho esse questionamento irrelevante agora, pois quero me concentrar somente nessa atuação que estou inventando. Esta que tem que ser especial, esses alunos precisam ser especiais, pois eu preciso de algo que me tire dessa angustia, dessa tristeza em que eu me encontro.
Penso que seria confortante, se ao contrário de mim, eles tivessem uma vida com várias atividades, e que tivesses objetivos a serem concluídos. Não é necessário que esses objetivos sejam difíceis, podem ser como de uma pessoa normal, como entrar em uma universidade. Isso, será isso, eles deveriam querer entrar em uma universidade.
Entretanto, eu quero algo a mais, talvez eles poderiam também criar algo novo na sua escola, um grêmio estudantil talvez, gostei dessa idéia, com o Grêmio eles poderiam ajudar a escola, e esse poderia ter o nome de SuperAção, pois como eu já disse, esses estudantes precisam ser especiais para fazer com que eu me distraia o máximo possível.
Para conseguir ingressar na universidade eles teriam que estudar muito, penso que o conveniente seria a rotina de aulas da escola pela manhã, um cursinho preparatório a tarde, e talvez um grupo de estudos a noite. Imagino que talvez isso possa ser demais para eles, acho que não poderia existir uma pessoa que agüentaria tanto estudo. Tenho que pensar em uma solução.
Já sei, o cursinho preparatório só seria três vezes na semana, e a noite além do grupo de estudos eles poderiam ter também as reuniões do grêmio estudantil, porém essas reuniões deveriam ser amenas, com o objetivo de distraí-los do grande foco.
E assim, eu crio os meus personagens, eles são espetaculares, fortes, confiantes. Eles viveriam esse ano de segundo colegial com bastantes risadas, emoções, como também, passaram os dias com grandes desafios, que eu mesma criei, mas isso foi necessário, porque a vida não tem graça sem desafios. Resumindo, eles iriam desfrutar de dias felizes.
E agora eu posso abrir os olhos.
Capitulo 04 – Interpretações
Surpresa...Surpresa...
Inquietação..Inquietação...
Eu pensei que tinha criado tudo com meus pensamentos, com os olhos fechados. Mas percebo que o que eu fiz foi ser a minha câmara imaginária, como aquela primeira vez. E eu sei disso, sim eu sei disso. Pois agora estou com os olhos completamente abertos, e as cenas ainda continuam. Continuam no mesmo lugar de antes, mostrando os mesmos estudantes felizes e corajosos.
E agora estão comemorando, pois o segundo ano se passou, e também o terceiro. Se passaram na faculdade ? Sim, eles passaram, esse é um dos motivos para estarem felizes. Mas também existem outros.
A comemoração acaba, os estudantes vão cada um para sua casa. E minha câmera imaginária capta um detalhe e vai atrás do mesmo.
Qual é esse detalhe?
Uma lágrima.
Então eu sigo a dona dessa lágrima e minha vontade é descobrir o motivo dela. Mesmo sabendo que isso é impossível, pois eu somente posso ver o que acontece e interpretar o que eles estão sentindo através de suas ações. Fico triste com isso, pois queria ajudá-la, mas eu não posso, não posso ajudá-la. Pelo menos, foi isso que eu achava.
Capitulo 5 – descobrindo o interior de uma pessoa
Não sei dizer como realmente aconteceu, não sei dizer com realmente acontece, a única coisa que eu sei, é que eu posso sentir o que ela também senti e posso descobrir tudo a respeito dela, exatamente tudo.
No começo eu não entendi direito, como se fosse uma bagunça de impossível de arrumar, ou um código impossível de decifrar, mas aos poucos fui entendendo. Aos poucos fui me rendendo e juntamente aprendendo.
Digo que era como se fosse um código porque os pensamentos dela estavam realmente uma bagunça. Ela pensava em várias coisas ao mesmo tempo, todas complicadas de se entender. A primeira que eu consegui compreender me deixou triste e ao mesmo tempo forte.
O código era bem simples afinal, e com ele eu consegui ver algumas cenas, como se ela tivesse me contanto uma história. Uma que parecia um conto de fadas.
Capitulo 06 – Perguntas
Uma história que parece um conto de fadas? Isso realmente existe? Estou aqui na escuridão e vendo uma parede brilhar e contar-me uma história.
Eu devo acreditar nisso? Devo acreditar nessa minha distração ? Não saber o que sou ou o que devo fazer me incomoda, me deixa triste, angustiada. Penso se não seria melhor morrer do que ficar assim, sem saber de nada e nem de ninguém.
Qual é meu nome? Onde estou? Como cheguei aqui? Como sairei daqui?
Será que é realmente certo eu ficar tendo alucinações do que viver a realidade? Mesmo ela sendo cruel, é uma covardia eu me refugiar em cenas que nem sei se são verdadeiras.
Pois eu acho que é impossível ver pessoas se movendo e histórias acontecendo a minha frente. Como também acho impossível, eu ser como parte do elenco, e poder ver o interior dos atores.
O que estou dizendo ? O que estou fazendo? Essa personagem das minhas alucinações está contando uma história, uma história de contos de fadas. Porque escuta-la ? E por que não escuta-la, já que estou aqui, e sou muito covarde para encarar a realidade.
Eu entendi, devo continuar sofrendo essas alucinações, pois elas me deixam viva, e talvez isso seja encarar a realidade, porque talvez essas alucinações me ajudem achar a chave da porta que me tranca aqui. Ou ao menos, achar a porta que me guarda aqui.
Por isso, eu irei escuta-la, pois eu não tenho escolha, eu sou obrigada a ver o que se passa em sua vida.
E isso não parece ser necessário só para mim, mas também para ela. Porém, eu não entendo o porque disso.
CAPÍTULO 07– São os sentimentos
Eu fiquei alguns minutos tentando entender o conto de fadas, e no final eu não consegui chegar a uma conclusão coerente. Júlia, tentou me contar a história de um espetáculo que aconteceu à pouco tempo, um espetáculo chamado Colegial, eu apenas vivi novamente todas as minhas alucinações.
Ela estava chorando pelo o que eu já tinha visto antes? Pelo o que na minha imaginação ela viveu? Eu não entendo, eu não entendo mesmo.
Acho melhor não tentar me aprofundar nessa questão.Pois, já estou ficando cansada, a minha câmera não se move, e a única ação que Júlia consegue fazer é chorar.
Por isso, quero dormir, dormir e esquecer. Tentar amenizar essa dor que estou sentindo.
Tento pensar que Júlia vai ficar bem, e a qualquer momento vai sorrir. Mas sei que se eu abrir os olhos ela ainda estará lá, chorando.
Vendo Júlia assim penso na facilidade que as pessoas encontram quando dizem siga em frente e esqueça o passado. Entretanto, quando você é o protagonista que precisa ter forças para continuar a vida, tudo se torna complexo e doloroso.
Quando seu corpo não quer mais se mover, apenas ficar parado. Quando nem mesmo as lágrimas querem escorrer pelo seu rosto, pois estão cansadas de presenciar a cena de tristeza.
Em momentos assim, o relógio torna-se um herói, pois se os seus ponteiros voltassem, a felicidade do passado retornaria, e assim o sorriso novamente faria parte da sua rotina.
Entretanto, o relógio não volta, e se transforma no verdadeiro vilão. Em uma história em que o herói é inexistente.
Me identifico com minha personagem, pois parece que ela se sente da mesma forma que eu, em um lugar escuro, sombrio, onde só me resta sonhar, imaginar, e me esconder da realidade aqui presente.
Todavia, as pessoas se enganam, e eu, como um ser comum, cometi outro erro. Pois quando abro os olhos vejo Júlia. Ela ainda esta parada, mas seus olhos filmam com a minha câmera o que há ao redor dela. Ela repara em cada detalhe, as plantas do jardim, os pássaros, o céu, como se estive tentando guardar tudo em sua memória.
Ela seca seus olhos e abre um grande sorriso.
Por que a cada segundo que passa eu me sinto mais confusa em relação a Júlia ?
Ela se levanta e fala para sua mãe que já está de saída, pois está atrasada. Ela sai pela rua, e encontra algumas pessoas que eu não havia visto nas minhas alucinações anteriores. Eles conversam, brincam, cantam.
Chegam em frente a um salão, entram e organizam o espaço, fazendo um círculo com as cadeiras ali presentes. Quando o tempo vai passando outras pessoas vão chegando, e enquanto isso acontece, Júlia e aqueles outros meninos ensaiam um música.
Em determinado momento Júlia se afasta, ela vai em direção a uma mesa para pegar algumas folhas. Ela as lê, e percebo que ela está ansiosa. Em um instante, seus olhos se desviam das folhas e vão em direção á aqueles que estão ensaiando a música, ela fixa seus olhos naquelas pessoas, e abre novamente um grande sorriso. Um grande e lindo sorriso.
E aquele simples gesto, aquele simples sorriso, e aquele olhar brilhante em direção a aquelas pessoas me fez entender.
CAPITULO 8 – E assim eu me descubro
Hoje, eu estive perdida, pois o mundo está também perdido.Entretanto, depois de tanto tempo aqui presa eu entendi. Aquelas alucinações eram apenas lembranças da minha personagem chamada Júlia, ela apenas estava se lembrando de como Camila, Gabriel, Brenda, Lucas, Felipe e Pedro são especiais para ela.
Aquela lágrima vista anteriormente tem o nome de saudade, saudade de momentos vividos da maneira mais linda possível. E aquele sorriso apenas significava que tudo valeu a pena, e que tudo foi perfeito inexplicável, tudo foi mágico.
Hoje, ela olha para aqueles meninos, e tenta guardar tudo em sua memória, para que depois ela possa se lembrar e chorar de saudades.
Percebo que a vida de Júlia é formada por peças de um grande quebra cabeça. Um quebra cabeça diferente, pois não existe nada de complexo ou difícil. Tudo é fácil, tudo é simples e tudo se encaixa perfeitamente.
Hoje, eu vivi a minha loucura, e talvez agora ela tenha chegado ao seu ponto máximo, mas como a vida pode ter graça sem loucura? Como eu iria escapar desse local horrível sem a loucura?
Não há como viver em um mundo sem utilizar da ousadia, e a minha atitude em meio as ações atuais, foi a loucura, e me orgulho disso.
Através da loucura reparei que não estou em uma sala escura com uma parede branca. Na realidade, esse lugar não possui paredes. Ele não possui nada. O que há nele sou eu, apenas eu, e ninguém mais pode estar aqui.
Aqui eu sou estática e me transformo, e isso ocorre a cada segundo que passa, onde o segundo não existe, pois aqui não existe tempo.
A minha vida se resume a alucinações, as alucinações vindas de Júlia, as alucinações vindas de todas as pessoas que querem viver na loucura. Por isso, vivo entre pessoas especiais, pessoas que aceitam o desafio de viverem a loucura junto a mim. Vivo quando alguém faz de um momento algo inacreditável, ando no meio de pessoas que sabem que necessitam de mim, e entre pessoas que ainda vão perceber isso. O importante, é que vivo, apenas isso, eu vivo.
O difícil é eu conseguir convencer você disso. Pois agora você sabe, é necessário da loucura para poder me enxergar, para poder me conhecer. Porque como eu já disse, o mundo está perdido, o mundo está per- di- do. E para ele, eu não preciso fazer parte da sua vida, para ele eu posso ficar em uma sala escura, e ficar triste, ficar só, e por isso eu sou louca, e tento trazer você também a loucura.
Peço que se você chegar a me conhecer um dia, que não desista de mim, não me abandone, por favor, eu preciso de você para não viver em uma sala escura, em uma sala onde eu não encontre você. Mas já aviso, se isso acontecer, eu tentarei seguir em frente, tentarei ficar louca e te alcançar novamente, para que você nunca fique triste, para que você me tenha por perto. E eu farei isso, só para você ver que eu existo.
Talvez agora seja você o confuso. Hoje eu vivi a história de Júlia, e através de suas atitudes, de suas lágrimas e de seus sorrisos, eu descobri novamente quem sou.
E digo a você que talvez amanhã eu esteja vivendo a sua história, conhecendo o que você conhece, chorando o que você chora e sorrindo o que você sorri. E quando, em meio sua vida turbulenta você descobrir que uma doce calmaria agitada está com você eu te direi meu nome. E você então saberá que não pode viver sem a chamada amizade.