NATALIA

Do outro lado da quadra, observo-a com sua patota.
Todas falam e riem em alto e bom som, mas é ela que se destaca.
É a mais bonita e só ela consegue ficar maravilhosa com o uniforme que usamos: A saia é perfeitamente curta e sua blusa incrivelmente justa, favorecendo seu corpo.
E eu sou feia pra cacete! Nunca teria uma chance com ela.

Da arquibancada, todos os dias, observo sem discrição o modo como ela gesticula, sua risada, seus cacoetes, seu jogar de cabelos... É, uma conquistadora de marca maior!
Fumo meu cigarro e fico ali... admirando.
Ela percebe, mas está acostumada, afinal, é do tipo que todos os garotos querem ter e como todas as garotas querem ser.
De repente, passa um filme em minha cabeça. Fico imaginando situações com nós duas, planejando, fantasiando...
Acho besteira, mas não posso evitar. Às vezes parece que ela não quer disfarçar, nem fingir que não me vê...
Jogo o cigarro em um dos degraus da arquibancada e o apago com minha sapatilha preta.
Num ímpeto, levanto.
Começa a ventar.
Atravesso a quadra.
Pra minha surpresa, ela vem em minha direção.
Paramos bem no meio da quadra, num sol escaldante de meio-dia, numa distância de trinta centímetros.
O vento para.
Fico muda.
Ela é quem quebra o silêncio:
- Achei que nunca viria. Me diga, por que me olha tanto?
- Não sei. Não consigo evitar. Te incomodo?
- De forma alguma. Adoro ser vista.
- E desejada? Essa idéia te incomoda?
- Não mesmo. Mas você vai fazer algo a respeito ou vai ficar só na vontade? (morde os lábios)
- Posso?
- Não peça. Faça!
- Mas... mas eu não sei como fazer...

De repente vieram nuvens e mais vento.
Sem dizer mais nada, ela passa o dedo suave e vagarosamente contornando meus lábios entreabertos.
Depois olha nos meus olhos por cinco segundos que, acredite, foram os mais longos da minha vida! Então segura meu rabo de cavalo e enrola entre sua mão, o que me dá arrepios.
Fico gelada. Imóvel. Uma pedra.
Ela se aproxima para um beijo.
Começa a chover.
E, como por milagre, os pingos de água me encorajam.
Decidida, agarro os cabelos dourados dela. Trago pra perto de mim e a beijo loucamente... ela está com um gosto levemente adocicado de tutti-frutti de um chiclete quase sem sabor.
Nossas fardas e sapatilhas começam a ensopar... E aquilo era mesmo uma delícia!
Nunca vou esquecer das suas mãos frias no meu rosto molhado, na minha cintura... Nem do seu beijo agressivo e suave que me fazia buscar mais e mais em sua boca. Era inebriante...

Paramos por dez segundos, fechando com um selinho.
Olhamos ao nosso redor e... todos nos fitavam boquiabertos!
Nos olhamos. Ela deu uma gargalhada gostosa naquele sorriso mais lindo e cativador do mundo!
Olhamos para nós mesmas, estávamos completamente ensopadas, mas quem disse que ligávamos? Estávamos felizes!
Sorrimos uma para a outra e nos beijamos de novo e desta vez ainda mais intenso.

Os alunos continuaram nos olhando embasbacados.
Finalmente algo tinha acontecido naquela escola.
E naquela maravilhosa tarde de junho de 1985, a chuva continuou caindo por muito tempo...
E eu senti que o último ano escolar ia ser o mais incrível da minha vida!

 
Anatai
Enviado por Anatai em 21/09/2011
Reeditado em 14/10/2023
Código do texto: T3232967
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.