Gilbert ama a ladra que roubou seu coração.
Era uma vez, por que assim começam as histórias um tanto surreais, um jovem chamado Gilbert que desafiou sua família para ir ao distante reino de Samoa enquanto deveria assumir a loja de antiguidades do pai.
Quando perguntado do porquê de tanta insistência e teimosia ele respondia não saber de fato a razão, apenas sentia que deveria ir depressa encontrar algo que mudaria sua vida para sempre.
O pai acabou permitindo, mas com a condição de que ele ficasse apenas por um ano e se até lá não descobrisse essa coisa tão importante devia voltar e assumir a loja sem reclamar. O homem lhe deu como treinamento uma estatueta de gesso em forma de bailarina e pediu para que Gilbert cuidasse dela com a sua vida, já que “La Balerina” era o bem mais precioso que possuíam. O garoto concordou com as condições e uma semana depois lá estava ele no centro da Praça de Samoa observando o sol de Monet sob sua cabeça, ladeado de belas e românticas construções vitorianas que de tanta claridade quase podiam ser tidas como justificativa para Gilbert estar ali.
Hospedou-se no hotel Real, o mais alto e famoso de todo reino de Samoa. Do último andar, dava para ver os prédios menores e seus telhados pomposos e coloridos que aguçavam a imaginação de qualquer pessoa. Gilbert escolheu um desses quartos para ficar, um enorme com sacada, portas e cortinas esvoaçantes que convidavam aos sonhos. O rapaz aceitou o convite e passava horas e horas nela, olhando para os infinitos sobrados e pontos da cidade. La Balerina lhe servia de companhia apoiada em uma mesinha. Assim se passaram dias e meses sem que nada de especial acontecesse, porém uma noite após confessar suas descrenças a pequena amiga acabou indo dormir apagando de desânimo do jeito que caiu na cama.
Ele não percebeu que os telhados andavam mais agitados do que de costume naquela noite, alguém vagava ligeira e sorrateira por eles, pulando de um para o outro, feito pluma levada com a brisa. A criatura possuía formas conhecidas, elegantes, trejeitos de diva misturados aos de um animal. Foi assim que ela entrou e se aproximou de Gilbert sem se fazer notar, calma e arisca observou o quarto todo e já que não poderia carregar o maior bem que encontrou resolveu ficar com a Balerina. Quando já estava partindo, Gilbert semiacordado viu a figura misteriosa fugindo pela noite e só então num susto enorme percebeu que sua amiga confidente havia sido roubada.
O prazo já estava acabando e ele não poderia voltar para casa sem a Balerina ou sua irresponsabilidade estaria comprovada. O que faria então? Perguntava-se em pensamento. Decidiu que não podia deixar como estava, iria esperar o quanto fosse necessário até que a criatura do furto perambulasse novamente pelos parapeitos e lhe obrigaria a devolver a estatueta.
Como prometido, Gilbert permanecia na sacada, agora solitário e atento. Não nas belezas do lugar, mas na esperança da sorrateira aparecer de surpresa e ele pegá-la de jeito. Pensou tanto nela, começou a esquadrinhar suas curvas, imaginar o rosto disforme na escuridão como o mais perfeito que uma mulher poderia ter, pensava sentir seu cheiro deixando o rastro de desafio na lua cheia. Gilbert precisava estar com ela, saber seu nome, seus gostos. Precisava segui-la pelos arabescos, viver um pouco da emoção que ela sentia.
Numa noite, já cansado de esperar, o rapaz dormiu apoiado na mureta da sacada. Minutos depois sentiu algo acima de sua cabeça, olhou para cima e tomou outro susto ao perceber que a criatura da outra noite lhe observava com olhar doce e de ponta-cabeça. Mas assim que ele se mexeu ela saltou como uma gata treinada de sete vidas para o telhado vizinho. Gilbert a seguiu realizando os sonhos que teve, porém chegou uma hora que alcançá-la pelo reino de Samoa tornou-se impossível. Apenas parou ofegante e debruçou sobre seus joelhos apoiando as mãos.
A moça percebendo que ele não podia segui-la voltou calmamente pé ante pé, vendo-o de um modo profundo e particular. Gilbert ergueu a cabeça e então finalmente pode vê-la sob as frestas de luz que escoavam da lua. Ela era realmente do jeito que ele havia imaginado, uma encantadora garota branca como cera de bochechas coradas, olhos verdes e cabelos vermelho fogo que jamais viu outra igual. Uma boca carnuda roubando o vermelho dos cabelos completava a descrição. Ela se aproximou firme e num rompante do tempo roubou-lhe um beijo aterrador, daqueles que costumam parar a vida na Terra só para dar atenção exclusiva ao acontecido. Foram segundos que duraram uma vida toda, tanto que o rapaz emudeceu e a deixou partir sem perguntar se ela estava com a Balerina ou ainda qual era seu nome.
Não havia mais nada a ser feito, na manhã seguinte Gilbert deixou o reino de Samoa e voltou para casa. Sem dúvida havia achado a coisa especial que foi procurar, porém havia perdido duas coisas preciosas que lhe fariam muita falta em casa. Aquela ladra de cabelos vermelhos não roubou apenas a Balerina, havia roubado também seu coração.
Uma festa estava acontecendo quando o garoto chegou. Finalmente ele assumiria a loja da família e faria o gosto do pai já que um ano se passou e ele não tinha explicação convincente que dissesse o contrário. Porém ele sabia que decepcionaria profundamente o homem quanto contasse sobre a estatueta. E depressa esse momento chegou. Pedindo a atenção de todos, o pai lhe entregou depois de um emocionado discurso a chave da loja e pediu para ver sua divina Balerina que voltou ao lar. Gilbert ia abrir a boca quando alguém entrou na loja fazendo barulho na sineta da porta.
– Ela está aqui! – alguém responde lá do fundo atraindo todas as atenções.
Ele mal podia acreditar no que seus olhos estavam vendo. Era a ladra dos telhados, a gata que roubou os pertences de sua vida e parecia estar devolvendo pelo menos um deles.
– Amor, porque você não contou para o seu pai que La Balerina estava comigo? – perguntou sorridente.
– Bem, é que não tive a oportunidade e... – resmungou enquanto ela prosseguiu.
– A estatueta está comigo sim, mas não briguem com o Gilbert. Me dar ela pra que cuidasse pra vocês é coisa de homem apaixonado!
– O quê? – ele gritou seguindo o espanto de todos.
– Tudo bem! Eu vou contar e tenho certeza que eles não se importarão quando souberem dos motivos. Acontece que Gilbert me deu a estátua para que eu a trouxesse como prova de confiança e amor.
Nesse momento os familiares se derreteram.
– OOOhhhhh!!!!!
– Pronto está feito! – disse a moça recolocando a estatueta em seu local de costume na loja. – Não vai me agradecer meu amor? – perguntou serelepe.
– Ah! É claro que sim minha querida... – hesitou.
– Meu filho você não sabe o nome da sua namorada? – perguntou o pai desdenhando.
– É claro que ele sabe só está nervoso! Vou refrescar a sua memória. – e aproximando os lábios de sua orelha pronunciou. – Nina! – beijando-o do mesmo modo anterior em seguida.
As pessoas presentes então comemoraram e o pai finalmente compreendeu que o filho teve absoluto êxito em sua viagem. Gilbert também sabia disso e era o homem mais feliz do mundo.