Uma nova esperança [3]

NÃO JULGUE O LIVRO PELA CAPA

O jantar transcorreu tranqüilo e incomodamente silencioso, ele tentava conversar sobre o café, a lavoura, a criação do gado mas eu não lhe dava chances de prosseguir. Usei de todas as ironias e procurei deixar bem clara minha repulsa mas o homem era inabalável! Nada o tirava do sério, sempre com a postura ereta e um bom humor que me soava um tanto quanto sarcástico até que ele desistiu da prosa e ficou me olhando como se eu fosse um pedaço de carne, o que não deixou de ser uma esperança, afinal talvez ele também quisesse me vender como seus bois e eu me veria, enfim, livre daquele tipo.

Socorro nos serviu um manjar de sobremesa, era mesmo um manjar dos deuses, aquela foi a melhor comida que provei em toda minha vida, uma pena ter sido em uma companhia tão amarga.

Quando terminamos de comer ele me conduziu a uma saleta e me serviu uma pequena dose de vinho do porto, eu nem tive tempo de reagir, ele me conduzia de um modo tão leve que mais parecia uma dança. Aquele lugar era especialmente bonito, a madeira envernizada brilhava a ponto de ofuscar os olhos, uma simples e encantadora decoração eram perfeitas para um espaço tão pequeno, havia apenas um quadro na parede, era enorme, árvores, cavalos um lago ao fundo e homens de armadura lutando.

-Fascinante, não? Minha esposa o fez há muitos anos, são dela grande parte dos quadros que estão na casa.

-Ora, então o senhor é casado? E o que pensa sua esposa a respeito de o senhor me comprar para te servir e te entreter? Ou ela também é sua prisioneira?

-Não volte a falar de minha esposa! Aceitei suas desfeitas mas ao nome e a memória dela não admito! -a cólera brilhava no rosto de Acácio ao dizer isso, não disse nada, até senti um pouco de pena pois ele parecia realmente entristecido, muito mais do que nervoso-

-Socorro! -ordenou ele- leve-a para seu quarto, ela precisa descansar. -ele nem se virou, apenas falou e bebeu mais ou pouco de vinho.

-Menina, o que houve? O patrão estava furioso! O que você fez?

-Eu? Nada, apenas perguntei se também mantinha sua esposa como prisioneira e se ela sabia das intenções que ele tinha comigo?

-Meu santo Antônio nascido em Pádua e coroado em Lisboa! Você não fez isso?

-Claro que sim, Socorro! E pretendo pedir que ela me ajude a fugir daqui, imagino que ela não queira que eu sirva seu marido da forma como ele quer -mas antes que eu pudesse continuar fui interrompida por Socorro-

-Vamos para o seu quarto, menina, você precisa saber de algumas coisas muito importantes. -o tom de voz de socorro me preocupou, foi muito seco. Ela se sentou comigo na cama, pegou minha mão e me disse com muita calma:

-Menina, nunca, nunca mais fale na esposa do senhor Acácio. Ela morreu há oito anos, depois de dois anos de uma doença gravíssima no coração, ele a levou para o estrangeiro e ficaram fora um ano, foram á capital, seu Acácio quase perdeu tudo que tinha pagando o tratamento da dona Isabel. Depois que ela se foi ele mergulhou em uma tristeza tão profunda que cortava o coração vê-lo naquele estado. Nicácio foi quem cuidou de toda a fazenda pois ele mal saiu do quarto por dois anos. Todos nós sentimos muito a perda da dona Isabel, ela era uma pessoa maravilhosa e seu Acácio a amava do fundo do coração, por vezes cheguei a pensar que ele não se recuperaria mas um homem tão bom quanto ele merece ser feliz. Depois que o choque passou ele retomou ás rédeas da fazenda que passou a produzir cada vez mais,

Ele mergulhou no trabalho e faz muito pouco tempo que voltou a fazer a barba e pentear os cabelos. Menina, eu lhe tenho um grande apreço mas não aceito que fale da dona Isabel pois ela nos ajudou muito, nos ensinou a ler e escrever e dela foi a iniciativa de nos alforriar. Este é um assunto proibido de se tratar com seu Acácio e eu lhe imploro em nome do que você mais ama nessa vida não o faça sofrer se valendo da ausência dela, não use um homem bom que tudo que faz é tentar te ajudar para descontar a raiva que tem do mundo, sei que você não foi tratada com carinho e amor mas agora as coisas mudaram, você tem um lar, uma família e estamos de braços abertos para te receber mas esse é um limite que jamais será rompido. Conto com sua colaboração?

-Meu estômago estava revirado, eu jamais senti tanta culpa e vergonha na vida, as lágrimas escorriam pelo meu rosto e um sentimento que eu não entendia muito bem latejava em meu peito.-

-Me perdoe, Socorro, não quis lhe fazer sofrer, por favor, me perdoe.

-Acalme-se, por favor. Não quero que você sofra por isso também, só te peço que não se valha disso agora que sabe.

-Está bem, não voltarei a fazer.

-Agora durma, amanhã vamos comprar roupas novas para você, ordens do patrão.

-Socorro, essas roupas que estão no armário... são dela?

-Socorro apenas concordou com a cabeça, me deu um beijo de boa noite e se foi. Sozinha com meus pensamentos não pude deixar de sentir remorso pelo que fiz, tentei dormir algumas vezes mas não conseguia apesar de me sentir tão cansada então resolvi andar um pouco. A enorme casa estava escura, peguei um candelabro e caminhei meio sem rumo. Voltei ao andar de baixo, fui a cozinha tomar um copo de água e quando voltava para meu quarto percebi uma luz acesa, fui ver o que era quando me dei conta de que a luz vinha da saleta onde estive mais cedo e ofendi Acácio, a porta estava aberta e ele estava com os olhos inchados e vermelhos tentei sair sem que ele me visse mas já era tarde.-

Aimée Legendre
Enviado por Aimée Legendre em 17/07/2011
Reeditado em 18/07/2011
Código do texto: T3101526
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.