Clara - Vivendo e aprendendo - XIV

CAPITULO XIV

Vivendo e Aprendendo

Já faltavam poucas horas para Clara sair dali do hospital, dona Clarice foi imediatamente alertada e começou a ir preparando a chegada da filha em casa, salgados e doçuras que só ela sabia fazer.

Foi um período difícil para os pais de Clara e seus amigos, o acidente de Clara abalou muito a vida de Anderson e a própria vida dela também, um romance que parecia que iria acontecer foi impedido por obra do destino ou quem sabe algo mais superior que isso.

O hospital também fez uma festinha de comemoração pelas melhoras da garota, pena que Geovane não apareceu e essa ausência fez nascer no rosto de Clara um sorriso com apenas cinquenta por cento dos dentes durante toda a comemoração. A partir desse momento as horas começaram a correr com pressa, Clara já havia se acostumado com o ritmo do hospital e feito amizade com algumas pessoas lá dentro, mas é óbvio que ela preferia ir para casa.

Anderson voltou a trabalhar normalmente, sem faltar como antes, mas seu desempenho nas atividades diminuiu muito, estava recebendo reclamações constantemente, pior do que o acidente de Clara era o leve desprezo dela pelo rapaz. Por muitas vezes Anderson ficava parado em sua varanda, com sua típica xícara de café tentando entender o porque de Clara estar tratando ele daquela forma, os pensamentos dizendo que Clara é a mulher da vida dele ia em confronto com os pensamentos que diziam que ela não era pra ele.

Todos foram convidados a ir para a festinha de recepção para Clara, Jackson e Carlinha ligaram avisando que não poderiam ir porque estavam no hospital, explicaram que a gravidez de Carlinha estava muito problemática e o médico pediu que ela ficasse internada por uma semana. Por fim, Anderson, Ulisses, André e Vanessa que foram para a casa de Clara.

O pai de Clara, com muita sorte conseguiu o dia de folga, foi pessoalmente buscar a filha no hospital. Era uma sexta feira fria, parece que o inverno havia chegado mais cedo naquele ano, uma neblina leve cobria a cidade e aquele frio fazia qualquer um querer um bom cobertor e um chocolate quente. Clara gostava do frio, fazia-lhe lembrar dos tempos de infância em que ficava na janela do seu quarto olhando a chuva cair ouvindo músicas que hoje a faz querer chorar, mas ela não dá espaço pra esses sentimentos. Nesse dia, o frio que sempre foi um elemento marcante da vida dela, marcava outra vez, sua estadia no hospital a fez amadurecer muito, mas precisamente a saída, quando ela pôs os pés na rua.

Apesar de Clara já se equilibrar perfeitamente sobre os pés, seu pai insistiu em segurar suas mãos e caminhar em passos lentos e curtos até o carro. Antes de entrar no carro ela se deparou com uma cena que a principio foi terrível para ela, o céu estava nublado e era impossível determinar a hora sem um relógio, mas pelo visto era o horário da saída de

Geovane. Ela parou de caminhar pelo o caminho de cimento que cortava parte do jardim do hospital e viu Geovane saindo, ele não a percebeu, mas ela o acompanhou com os olhos até ele chegar a um carro vermelho que estava parado, e nesse carro tinha uma mulher branca, cabelo preto, esperando por ele, depois de ter entrado no carro, ela apura a visão e percebe que ele dá um beijo nessa mulher, logo após os dois sorriam como se estivessem acabado de ouvir uma piada engraçada, a mulher dá a partida no carro e vai embora.

Clara franziu a testa, fechou um pouco os olhos, balançou a cabeça negativamente e olhou para os pés.

- Por um instante achei que ele fosse o Anderson... É o seu fisioterapeuta, certo? Disse o pai de Clara.

- Eu sou uma boba papai – disse a moça desoladamente.

- Não, você não é! Tem uma vida inteira pela frente e vai saber aproveitar ela. Ouça bem minha filha, se você está se chamando de boba é porque acaba de subir mais um degrau da sabedoria, acabou de aprender algo novo que com certeza lhe servirá no futuro.

Ela olhou para o pai, sorriu, o abraçou e disse:

- Sim, obrigado papai.

Entraram no carro e foram imediatamente para casa, a garota não tinha ideia do que lhe esperava em casa, saiu do hospital com roupas bem simples e achava que quando chegasse em casa, iria comentar com sua mãe sobre o hospital e depois dormir.

Durante todo o trajeto até sua casa, Clara uma volta e meia pensava sobre Geovane, ela se sentiu usada e traída, olhava sem foco para o horizonte em sua direta e começou a pensar em cada sessão de fisioterapia e depois no beijo que ela acabara de assistir, parava de pensar, refletia e se sentia vitoriosa por não ter se entregado completamente a ele, mas logo depois de alguns minutos começava a lembrar de novo, e deixou escorrer uma lágrima fria de arrependimento e um pouco de raiva de si mesma.

Quando faltavam pouquíssimos raios de sol para sumir na escuridão do inicio da noite,

daquela sexta-feira fria, o pai e a filha chegam em casa, e ao entrar na sala, Clara se assusta com seus amigos todos na sala, ela sem manifestar alegria alguma com o corpo ficou parada, os lábios ficaram rígidos dando um sorriso leve sem exibir os dentes e dos olhos começaram a sair lágrimas continuamente. Sua mãe estava lá no cantinho da sala onde dá entrada para cozinha encostada na parede enxugando suas mãos em um pano de prato, foi a primeira que ela correu para dar o abraço mais caloroso e carinhoso possível.

- Finalmente minha filha, você está em casa e o melhor de tudo, sã e salva!

- Graças a Deus mamãe! – se vira para os amigos – E vocês? Eu dou trabalho de mais né?

Ela foi de imediato abraçar André, logo após foi Ulisses seguido de Vanessa, Anderson como sempre retraído, estava afastado um pouco olhando para Clara como quem idolatrava. Geralmente era Clara que cobrava de Anderson algumas atitudes, mas dessa vez foi o contrário. A moça olhou de relance para os olhos de Anderson, mas não conseguiu encará-lo, algo a bloqueava, ela sabia que era preciso falar com ele, mas ela não conseguia, virou para os amigos sorrindo e disse:

- Então pessoal. Vocês têm muitas coisas pra me contar não é?

Todos ficaram calados, sorrindo forçadamente, perceberam que ela não tinha abraçado, Anderson, tudo isso aconteceu muito rápido.

- E então Clara. Você não vai me abraçar? - Ela sorriu, virou-se e caminhou até Anderson, o abraçou levantando o queixo e encostando ao ombro do rapaz, aquele abraço não foi um abraço comum, ela iniciou o abraço sorrindo, mas do meio pro fim ela ficou séria, o impacto do abraço não se limitou somente ao campo físico, gerou em Clara um flashback de todos os abraços que ela já havia sentido naquele nível, tudo foi rápido de mais, as cenas ocorreram em dois segundos, e ela percebeu que todos os abraços que ela havia sentido tinha sido naqueles mesmos braços, foi tão intenso que ela nem chegou a lembrar do abraço de Geovane. A cena singular do salvamento no lago Rare veio à tona, uma cena aparentemente nova para Clara surge em sua mente, um grito de desespero chamando por alguém em alguma situação de perigo, uma leve aflição toma conta dela, mas automaticamente é neutralizada pelo o calor do abraço de Anderson, ela respira aliviada e afasta um pouco o queixo do seu ombro encostando agora a cabeça no seu peito.

O rapaz percebeu a angustia que externava da garota e abraçou um pouco mais forte. Depois de isso tudo ter acontecido em menos de seis segundos Clara volta à realidade e acha que fez besteira em ter abraçado ele por muito tempo, se afastou sem graça olhando para o chão, jogou uma pequena mecha de cabelo atrás da orelha, e tentou disfarçar.

- Mamãe o que foi que senhora preparou? Cadê o meu bolo de chocolate com recheio de brigadeiro e cobertura de creme de chocolate com chocolate granulado? – Todos riram.

Dona Clarice foi preparar as bandejas para servir os convidados e seu marido foi conferir se o quarto da filha estava preparado.

André voltou a ser o brincalhão de antes, a ocasião despertou nele uma nova alegria e as recordações de seu passado cooperaram pra que isso tivesse acontecido, em quando comia e se divertia contando piadas e se lembrando de fatos, começou a conversar com Ulisses como se fossem amigos, Vanessa como era tímida apenas ouvia e sorria. Clara estava do lado da turma com o semblante sério e sem entender o efeito daquele abraço. Estava ali com seus amigos, mas não estava prestando atenção em absolutamente nada.

Anderson estava na outra extremidade da sala, o sofá maior estava sendo ocupado pela a maioria ele acabou ficando no menor sozinho, dona Clarice foi servir o rapaz com muita felicidade, enquanto entregava um pratinho e um copo de refrigerante ela cochichou para Anderson.

- Não se preocupe meu filho, lembra que o médico disse que ela poderia ter problemas de memória? Ela deve estar confusa, o médico disse que isso também poderia acontecer, tenha paciência com ela, logo ela vai voltar normal – Clara percebe que sua mãe está falando dela e apura os ouvidos para tentar entender - O psicólogo que acompanhava ela me disse que ela se esqueceu completamente do dia do acidente e que é melhor não forçar, deixar ela se lembrar por si só.

- Tudo bem dona Clarice, eu vou procurar entender – disse Anderson.

Anderson acabou pegando uma cadeira e se sentou junto aos seus amigos para conversar e rir também, Clara contou poucas coisas do que viveu lá no hospital e logo ela encerrou tudo.

- Pessoal, eu preciso descansar agora. O médico disse que eu preciso de repouso prolongado ainda. Eu tenho certeza que vocês entendem.

- Claro, Clara – disse André e logo sorriu – Tudo bem, se você não quer mais a nossa presença.

- Larga de ser bobo André – disse Clara jogando uma almofada do sofá na cabeça de André.

- Tudo bem Clara, ficamos todos muito felizes pela sua volta, esperamos que você se restabeleça completamente. Obrigado dona Clarice pelo o convite, deixo um abraço ao seu esposo, e sempre que precisar sabe onde me encontrar – disse Ulisses.

- Obrigada Ulisses, obrigada mesmo – deu um abraço no amigo e logo após ele saiu.

- Dona Clarice, eu quero levar um pedaço desse X-chocolate triplo que a senhora faz. – disse André.

Ele acabou levando uma fatia do bolo pra casa, Vanessa se despediu de Clara sem nenhuma sombra de ciúmes, intriga ou nada do tipo, já eram verdadeiramente amigas.

A sala ficou silenciosa depois que todos saíram. Clara ficou sentada no sofá com os cotovelos sobre os joelhos olhando para o chão pensando em tudo o que havia acontecido naquele dia. Logo após subiu, tomou um banho, trocou de roupa e sentou na cama, olhou pela a janela e viu que o vidro estava embaçado devido ao frio que estava fazendo.

Seus pensamentos voltaram todos de uma vez, ela já tinha aceitado o fato de Geovane ter a enganado, mas ainda não tinha superado, estava ainda muito recente esse episódio, e muito mais recente ainda era o abraço de Anderson que foi uma coisa incomparável. Clara começou a se esforçar pra tentar lembrar o que tinha acontecido no dia do seu acidente, pelo o que ouviu sua mãe falar deve ser algo importante, algo que venha responder o porquê dela está confusa daquele jeito. Ela de repente começou a se sentir culpada em ter tratado Anderson daquela forma no inicio, ela começou entender que de alguma maneira ele trazia um bem enorme pra ela, e como num estalo ela se lembrou de que foi ele quem havia a salvado há muito tempo atrás, quando ela estava se afogando no lago.

Aquele misto de pensamentos começou fazer Clara chorar.

- Clara, eu vim ver... Mas você está chorando minha filha! – disse Clarice espantada que havia entrado pela porta que já estava aberta.

- É mamãe, to.

A mãe da moça se senta na cama e começa a perguntar:

- Mas o que foi minha filha que te deixou assim?

- Ah mãe, tantas coisas, eu mal acabo de acordar de um coma e parece que tudo o que não fiz durante todos os três meses em que eu fiquei em off aconteceu tudo agora no ultimo mês.

- Não é questão de curiosidade e sim preocupação, não gosto de te ver triste minha filha, conte pra mim o que está acontecendo, quem sabe eu posso lhe ajudar.

Aquele convite de sua mãe foi algo extremamente novo, dona Clarice até então jamais havia falado com sua filha desses assuntos, é natural que Clara tenha encarado estranhamente, mas antes dela dizer qualquer palavra a mãe, ela acabou se lembrando da frase que seu pai lhe dissera no estacionamento do hospital, “Se você se sentiu boba é porque acabou de aprender algo novo”, ela pensou consigo que ela ficaria em uma situação embaraçosa em falar isso com sua mãe, mas que com certeza aprenderia algo. Ela não disse nada, a primeira frase foi de dona Clarice que continuou.

- É o Anderson, né filha?

- Ah mamãe, eu não sei como começar. Ele mexe comigo de uma maneira muito forte, sei lá, os gestos, os olhares, são todos tão insinuantes, eu fico meio perdida.

- Minha filha, o Anderson sempre gostou de você, não é de hoje que eu percebo isso. - Sim mamãe, eu sei que há alguma coisa, mas eu não sei por que penso coisas dele, ele é meu amigo desde infância, gosto muito dele por isso, mas ao mesmo tempo eu sinto que tenho que me afastar dele, pra ele não misturar os sentimentos e achar que eu gosto dele.

- E você não gosta dele? – perguntou Clarice friamente.

- Claro que não né mamãe! Ele é meu amigo!

- O Anderson ia te visitar praticamente todo dia quando você estava em coma, ouso falar que ele ficou até mais preocupado do que eu, ficou abatido, angustiado, nervoso, não trabalhava mais direito, tudo por você.

- Mas como ele pode ter ficado nesse estado? Apenas gostar não é o suficiente, mamãe me fala, eu tive alguma coisa com ele que eu me esqueci?

- Filha, vocês nunca tiveram nada por uma razão chamada de tempo, um tende para o outro, mas eu vou ser sincera, antes do acidente vocês estavam mais ligados do que nunca!

- Tudo bem, eu posso ter me esquecido de algumas coisas, o psicólogo me falou que isso é normal, mas porque eu iria esquecer justamente um amor? Os livros e os filmes não falam que o amor é pra sempre? Então porque eu me esqueci disso?

- Para tudo há uma razão, às vezes por ansiedade acabamos antecipando o tempo das coisas e elas acontecem no tempo errado...

- Sim mamãe disso eu sei, mas eu não antecipei nada, tanto é que eu to fugindo.

- Você não deixou eu terminar de falar, se nós atrasarmos as coisas elas também acontecem na hora errada, minha filha para pra pensar, pra que tratar o Anderson assim? Que benefícios isso ia te trazer? E pensa bem nos malefícios que você trouxe a ele! Não gosta de uma coisa ou tem medo de gostar que você vá tratar com desprezo, to falando de pessoas Clara, to falando do Anderson!

- Ah mamãe! – Clara deitou a cabeça no colo de sua mãe e continuou a chorar.

- Eu não sei o que fazer! – continuou a garota.

- Minha filha, isso é uma coisa que só você pode decidir, o que você não pode é continuar essa implicância com ele.

- Mãe eu não quero namorar ele!

- Não estou dizendo isso, faça o que sua mente julga ser bom, perfeito e agradável, lhe garanto que é o melhor, talvez o Anderson não seja pra você, nesse caso não siga o coração e sim a sua consciência, com o tempo você irá aprender a diferenciar uma coisa da outra.

- Tudo bem, vou me esforçar.

- Certo minha filha, agora descanse, você precisa!

Clara se levantou olhou bem a mãe e disse:

- Obrigado mamãe por tudo!

- Por nada minha filha, eu sei que minha idade já está avançada, não posso ir ao Lago Rare com você, mas eu ainda sei conversar – disse sorrindo dona Clarice.

Foi uma conversa e tanto, dona Clarice finalmente conquistou Clara da maneira que sempre quis, ela esperou o tempo certo, talvez se ela tivesse conversando com ela desde o inicio a conversa não teria tido o efeito que teve hoje, mesmo usando a mesmas palavras, para tudo há uma razão, só existe o frio pra saber o quão importante o calor é.

Clara ficou por ali ainda acordada, olhando pela a janela o movimento parado da rua e refletindo nas palavras que sua mãe lhe dissera, apagou as luzes e deitou.

No meio da noite Clara teve um sonho, nada de imagens, era apenas uma voz que lhe dizia:

“Estou esperando você aqui, eu posso lhe ajudar a entender isso tudo.”

Clara acordou de repente, olhou para o relógio e viu que eram quatro da manhã ainda, não entendeu nada do sonho, voltou a dormir com aquela dúvida na cabeça, “quem me disse isso?”. E por mais duas ou três vezes ele sonhou com a mesma voz dizendo a mesma coisa.

No dia seguinte, ela acorda cedo e se sente muito feliz em abrir os olhos e poder ver seu quarto, a janela do seu quarto, seu guarda roupa...

Já em baixo pra tomar café, sua mãe lhe pergunta:

- Minha filha vai fazer o que hoje nesse sábado? Eu acho bom você ficar em casa, esse frio pode te fazer mal, acho que você devia descansar mais.

- Mamãe eu passei foram quatro meses descansando, vou dar apenas uma volta pela cidade, caminhar um pouco e fazer umas compras, papai deixou um envelope com um dinheiro dentro e um recado dizendo pra eu gastar com o que quiser.

Ela tomou café, saiu de casa e foi bater perna na cidade...

-

Para Anderson as coisas também não foram tão fáceis, a ideia de Clara tê-lo esquecido não lhe saia da cabeça, e junto com várias xícaras de café lhe roubou boa parte do sono, sorte é que geralmente aos sábados ele não trabalhava, as vezes ele ia quando tinha muito serviço. E nesse sábado, foi um dia diferente, tudo lhe acusava. O medo de perder Clara estava perturbando o rapaz de uma maneira brusca, Anderson já não parava pra refletir, não tinha mais nem coragem de pensar, tudo o que ele planejava se inclinava ao fracasso, seu caminhar estava desolado, o semblante caído, olhos fundos de perder sono e um histórico romântico nada romântico.

Em meio a esse turbilhão de pensamentos e sentimentos ele já nem sabia o que fazer, sua casa que antes era impecável, estava agora completamente largada e sem cuidados algum, tudo estava dependendo de uma única reposta. Depois do banho frio matutino, ele de toalha ainda no banheiro olha para o espelho e começa a dizer coisas ruins de si mesmo, se diminuindo dizendo que não era capaz, se culpando por ser daquela forma. Esse discurso extremamente pessoal fora interrompido por umas batidas na porta. Ao abrir a porta era Ulisses.

- Bom dia Anderson – disse o visitante já entrando na casa e se sentando em uma poltrona por ali.

- Posso saber o que você veio fazer aqui em minha casa essas horas?

- Eu vim em missão de paz, aliás, Anderson eu vim com diplomacia.

- Do que você está falando?

- Eu to falando que eu quero por fim nessa intriga boba entre nós, não tem sentido, se eu tive chances com Clara, foi há muito tempo atrás, então não vejo porque de não sermos grandes amigos, mas antes de você fazer qualquer comentário, vá para o seu quarto e ponha uma roupa.

Anderson fez como o Ulisses pediu e voltou para a sala para continuar a ouvir o que Ulisses tinha a falar.

- Eu vou ser sincero contigo Ulisses, eu não estou acostumado com essa sua benevolência.

- É bom ver que os cursos da Metalvorada fizeram bem ao seu vocabulário. Anderson eu me sinto no dever de ajudar na união de vocês dois.

- E porque você ta querendo agora me ajudar?

- Poxa Anderson, para com isso! Somos adultos, você pode ouvir tudo o que eu tenho pra falar civilizadamente? Ai depois é você quem decide, as escolhas quem faz somos nós mesmos.

- Beleza, mas o que é foi? Não percebe? A Clara esqueceu completamente de mim, vê agora a forma como ela me trata, ela nunca foi assim!

- E aquele abraço de cinema, mais quente que um beijo foi algo tão simples assim pra você? Aquilo ali estava totalmente explicito sob absurdos holofotes, parece que só você não percebe.

- Olha Ulisses eu já fiz o que pude!

- Você faz tudo errado Anderson! Tenta não fazer nada, deixa o tempo cuidar disso tudo, sem stress, sem preocupações, faça o seu trabalho bem feito, arrume bem a sua casa, coma bem, saia com seus amigos, não deixa essa paixão te dominar e te derrotar! Não seja escravo do amor, amor é mais que isso, supera qualquer barreira e prevalece sobre tudo, inclusive os nossos erros. Amar também é saber esperar, e as atitudes da esperança produz novos efeitos...

Ulisses se levantou e se sentou no mesmo sofá que Anderson, colocou a mão em seu ombro e disse:

- Anderson, eu não tenho amigos, por alguma maneira muito estranha que não consigo explicar. Apesar da distancia enorme de mim e vocês eu considero vocês como meus amigos apesar do abismo enorme que ainda existe.

- Quem diria Ulisses, tudo bem, por mim tudo bem, podemos ser amigos tranquilo, mas não entre em assuntos tão delicados assim novamente, pra mim tu ainda é um estranho, só consigo falar dessa forma só com o André, quem sabe com o tempo...

- Tudo bem, eu entendo perfeitamente... Agora eu preciso ir – deu um tapinha amistoso no ombro de Anderson e foi embora.

Anderson nem precisou refletir no que Ulisses havia falado pra ele, estava extremamente óbvio, deixar se levar por completo há uma paixão quase sempre não é bom. Outra pessoa talvez não tivesse a mesma paciência de Anderson em receber alguém em casa e esse alguém dizer que tudo esta errado.

Logo após a saída de Ulisses, Anderson arrumou toda a sua casa, saiu para fazer umas compras, preparou um almoço delicioso e comeu sozinho e nem por isso se sentiu sozinho. À tarde ele dormiu um pouco acordando as dezesseis e trinta, fez um lanche rápido e se sentou na varanda com a velha xícara de café nas mãos. Já dava o ar de uma nova pessoa, o antigo Anderson antes de Clara ter se acidentado parecia estar de volta, sereno, tranquilo, prudente e atencioso. O que resta saber é se isso tudo permaneceria intacto na presença de Clara.

A ideia de pensar um pouco mais em si fez um efeito extraordinário para Anderson, o controle que ele tinha sobre os seus sentimentos na época da escola tinha voltado, porém agora com mais bagagem, pois tudo o que ele viveu até então era pura experiência e que o ajudaria a encarar problemas futuros com mais sabedoria.

E nesse momento de bem estar nada melhor que o Rare pra ampliar o fator gerador. Anderson não pensou duas vezes, quando a ideia surgiu foi logo de imediato à caminho do Rare. Resolveu não chamar ninguém, queria ficar sozinho, talvez quem sabe nem mergulharia apenas olharia para o lago.

Anderson não caminhava, ele praticamente corria como se sua alma estivesse sedenta pelas águas do lago, ele só queria estar ali às suas margens mais uma vez. E no ritmo que ele ia não demoraria muito tempo, só o fato de ir para o lago neutralizava qualquer problema ou pensamento ruim, nesse caso de Anderson que ele já estava bem sentimentalmente falando, o prazer juntamente com o lago seria algo maior, em suas palavras talvez fosse mais fácil de entender.

-

Não sei explicar, eu cresci aqui nesse lago, como as pessoas não conhecem o lago, ficou meio que exclusivamente meu, de Clara e André, apesar de termos encontrado Jackson, Carlinha, Vanessa visitou depois com a turma... Aprendemos a ter um pouco de ciúme.

Se um dia eu não puder mais vir aqui não vou mais ser a mesma pessoa e tenho coragem de falar isso por André e Clara. Pra mim o lago é um ponto de esconderijo secreto, para André é um ponto de diversão, para Clara é alguma coisa muito diferente que eu nem sei explicar, sobrenatural talvez... Talvez muitos que ouvir um relato desse tipo vindo de mim, Clara ou André vai dizer que somos doidos, que não temos nada o que fazer, vai dizer que existem águas maiores e melhores que simplesmente um lago. Talvez muitos nem teriam o trabalho de descrever, se aproveitam de belezas, do bem estar, do prazer físico, sem ter a curiosidade de como aquilo tudo funciona, como aquelas máquinas naturais podem produzir bem estar pra seres humanos como nós, as vezes as pessoas não param pra pensar no autor disso, ou se é preciso fazer manutenção, ou se é preciso pedir permissão pra usar, as vezes saem e não diz um obrigado que seja. Mas obrigado a quem? Nada existe por acaso, tudo tem uma razão, nada acontece do nada. Apuro as minhas melhores palavras para tentar descrever a importância disso tudo, mas não consigo, todos vão dizer que eu sou um bobo, que perco o meu tempo... Descobri que a felicidade eu tenho, não preciso recorrer a outros recursos e nem tenho curiosidade de conhecer. Se eu tivesse Clara comigo seria o homem mais feliz do mundo, mas aprendi que se ela não for pra mim do que adianta tudo o que vivi? Joguei uma boa parte da minha vida fora, tentando reconstituir algo que talvez nem é pra mim.

Se for pra ser será.

-

Os pensamentos de Anderson só focavam isso, e quanto mais ele pensava nessas coisas admirando a beleza do Rare ao mesmo tempo, ele sentiu o desejo de escrever sobre isso, mas não o fez, estava perdido de mais, quase que embriagado, era muito mais que a beleza, o lago estava muito mais lindo aquele dia, ele exalava um cheiro novo, era uma nova atmosfera, o sol se pondo e aquele clima frio chegando bem devagar eram os responsáveis pela realidade ímpar e abstrata criada ali naquele momento regidas por algo bem maior. Em meio a essa viagem, seus pensamentos são trazidos de volta a lucidez humana por um som de quebrar de galhos, ele imediatamente se vira, nem é preciso apurar a visão pra reconhecer aquela estatura, a mais doce já vista por ele, era simplesmente Clara descendo o pequeno morro.

- Clara! O que você ta fazendo aqui?

- Eu é que te pergunto... Eu só vim ver o lago e já estou de saída. Depois agente se ver... Tchau.

Clara vira de costas e começa a subir o morro, Anderson pensou imediatamente que não seria capaz de dizer quaisquer palavras que fossem que a fizessem permanecer e em uma voz trêmula ele tentou.

- Clara!

A moça ouviu, um flashback da conversa que teve com sua mãe na ultima noite veio em sua mente de repente, mas o nervosismo não a deixou agir com naturalidade e acabou agindo por impulso.

- Não Anderson, tenho que ir, já são cinco da tarde, daqui a pouco o sol vai se pôr e eu não posso demorar – disse Clara sem se virar, com uma voz vaga.

- Clara! – Soou uma voz que sem dúvida alguma não era a de Anderson, que fez as pernas de Clara paralisar, as pupilas dilatarem e o corpo enrijecer, perdeu quase todas as forças inclusive a da fala, não conseguiu ao menos se virar para saber de onde vinha aquela voz.

A mente ainda trabalhava e depois de alguns segundos percebeu que era a mesma voz que lhe falara no sonho.

Laercio Miranda
Enviado por Laercio Miranda em 01/07/2011
Reeditado em 02/07/2011
Código do texto: T3069583
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