Clara - O beijo que nunca existiu - XIII

Capítulo 13

O beijo que nunca existiu

É tão chato ficar aqui nessa cama, não posso me levantar pra fazer nada, eu já nem sinto nada, com as sondas eu já me acostumei apesar de achar nojento . O tempo não passa, as cortinas sempre estão fechadas e esse ar frio resseca minha pele. Tantas vezes que eu pedi mais cobertores, mas nenhuma daquelas enfermeiras me ouve, elas só falam que eu preciso descansar, descansar e que eu nem deveria estar escrevendo... São bobos em pensar que eu ainda estou mal, só não saio daqui sozinha porque tem um monte de fios e mangueiras ligados em mim.

Eu gosto quando Guilhermina trás coisas pra eu comer, no estado que estou agora não to podendo comer normalmente, mas o doutor disse que logo eu vou voltar a comer de tudo. A comida do hospital é péssima, mas é bem melhor do que ficar o dia todo à base de soro.

Gosto de escrever. Tenho certeza que se não escrevesse, o tempo não passaria, e eu não quero ficar parada no tempo, depois que escrevo releio, é um jeito que achei pra passar mais rápido o tempo.

23 de Junho:

Ah, o psicólogo é ótimo, ri pra caramba com ele hoje, me senti tão bem, ele sabe de tudo um pouco, me surpreendi quando em meio a conversa descobri que ele já tinha lido Apaixonando Você Outra Vez, ele me explicou o sentido do livro e deu vontade de ler, ele disse que ia arrumar o livro pra eu ler e que eu ia gostar muito. Todo dia eu converso com ele, faz parte do meu tratamento, ele disse que sou dura na queda e que pelo visto não terei sequela alguma, rimos durante horas depois desse comentário.

Pobre da minha mãe fez um bolo delicioso de chocolate com recheio de brigadeiro e cobertura de creme de chocolate com chocolate granulado, ela queria que eu explodisse de gorda só pode, mas entendo que ela fez com o coração, morri de pena quando ouvi o médico dizer pra ela que eu não poderia comer aquilo ainda (risos). Minha mãe é única!

Nossa! Recebo milhares de mensagens do Anderson todo dia, talvez ele deva pensar que as mensagens que ele me manda me protegem de alguma coisa aqui no hospital, mas fazer o que né, são todas mensagens coladas de livros, e a internet é o limite, mas o pior de tudo isso é que são todas mensagens que eu já conheço... Se fosse ao menos mensagens que não conhecesse...

O médico quase que não me deixa ficar com meu celular, tive que abrir um sorriso enorme para poder convencer ele de que estou melhor, talvez as flores do Ulisses estejam me fazendo bem, semana passada foram tulipas, a enfermeira que me disse, essa semana foram margaridas... Nunca fui fã de flores, mas gosto do otimismo dele.

O Ulisses daria um belo namorado, afinal ele é bonito e faz tudo o que uma mulher gosta, eu sou mulher, mas eu sou uma mulher diferente, eu acho que eu deveria gostar dele, mas ele é complicado, não sei se quero ele pra mim. Já estivemos tão perto um do outro, se não aconteceu então não era para acontecer, mas é um caso a se pensar.

Se eu tivesse um namorado ele viria me visitar todo dia, eu gosto muito da minha mãe e dos meus amigos que me visitam, mas eu sinto falta de alguma coisa... Alguém...

A enfermeira está ao meu lado me mandando terminar de escrever pra eu poder descansar. O médico disse que eu posso escrever apenas trinta minutos por dia, é o jeito.

25 de junho

Não deu pra escrever ontem, estava cansada e fui dormir cedo, só posso escrever a noite e por pouco tempo, quis mesmo foi descansar. Fiz centenas de exames para os médicos acompanharem meu quadro, eu tenho certeza que estou ótima ainda mais depois de ontem. O médico disse que eu preciso fazer fisioterapia, e as sessões começaram hoje aqui no hospital, achei muito intensa, fiquei com o corpo todo dolorido, mas hoje estou bem melhor. A sorte é que o fisioterapeuta é muito divertido, tive sorte em pegar profissionais bem humorados, o tempo passa bem mais rápido.

Geovane trabalha muito bem, tem uma paciência comigo indescritível, ele disse que logo eu vou poder caminhar normalmente, eu fico ansiosa de mais para sair logo daqui, mas o psicólogo Jonas sempre conversa comigo, é incrível, sempre que converso com ele eu me acalmo.

Eu contava os segundos para as sessões de Geovane e Jonas, eram as únicas coisas que eram boas ali. O que eu odiava eram os banhos que eles faziam em mim, o banho mais nojento que já vi, até agora não me acostumei. Não vejo a hora de sair desse hospital para ir dar um belo mergulho no Rare.

Falando em Rare, ontem eu tive um sonho com o Rare tão lindo e ao mesmo tempo estranho, sonhei que o lago falava comigo e dizia: “Clara, estou esperando por você”. O André vivia dizendo que nós precisamos do lago e ele da gente, agora acho que estou começando a entender. Quero muito voltar para a superfície do Rare, mas não faço ideia de quando vai ser.

Tenho certeza que se o hospital fosse à beira do lago eu já estaria boa, quanto mais eu fico isolada nesse quarto, cada vez parece que piora minha situação, eu não nasci para viver presa. Quando eu sair daqui, vou fazer tudo o que eu tenho direito, meus amigos que se cuidem, quando eu voltar eu vou tirar o atraso.

O Anderson veio hoje me visitar, eu acho tão estranho quando ele vem sem o André, parece que agente não se completa, eu não tenho assuntos pra falar com ele. E o pior que eu acho é a cara dele me olhando, é como se eu fosse uma coitadinha, odeio isso. Ele me olha dentro dos olhos, não me lembro dele assim... Eu quase pedi pra ele ir embora, sorte minha foi que a enfermeira que mandou ele ir. Quando o André estar por perto tudo fica melhor. Sempre fomos nós três, ainda não estou completamente acostumada com a ideia de Vanessa estar no meio de nós, mas não vai ser tão difícil... Eu quero mesmo é sair desse hospital e aproveitar.

Todos eles devem estar se preparando para entrar em uma faculdade. Eu vou estudar engenharia, quero morar aqui mesmo na minha cidade e viver ao lado de alguém que me faça feliz. Preciso colocar minha vida em ordem, afinal eu já tenho dezoito anos, preciso começar a fazer alguma coisa por mim.

São tantas coisas que eu penso, não dá pra escrever tudo. Eu não escrevo praticamente nada, vou parar por aqui antes que a enfermeira encha meu saco. Ah... Amanhã vai ter uma sessão de fisioterapia no jardim do hospital, não vejo a hora de fazer. Geovane sempre tem uma surpresa pra mim, eu já fico ansiosa para o dia seguinte, tenho certeza que não estaria tão bem quanto estou hoje se não fosse ele.

26 de Junho

Até que enfim Carlinha veio me visitar, já estava cansada das mensagens dela no celular, já dar de ver um pouco da barriga dela, fiquei muito feliz quando soube que ela estava grávida. Ela me disse que não tinha mais tempo de se divertir como antes, que a gravidez dela é de risco e que precisa de muito repouso, entendo o lado dela e não sei porque não fiquei triste com isso. Jackson deve estar trabalhando muito, nunca fui de falar muito com ele, foram duas pessoas que apareceram na minha vida não porque eu quis, aprendi a gostar deles porque tornaram amigos dos meninos primeiro que eu. Mas vou deixar como estar, não sou obrigada a fazer manutenção de amizade com quem não tenho afinidade...

Eu estou aqui muito preocupada com o Rare, queria saber se pararam mesmo de jogar produtos químicos, quero ver com meus proprios olhos meu reflexo em suas águas. Pelos meus cálculos vou sair daqui em pleno inverno, eu devo estar merecendo... Mas o que foi que eu fiz de errado?

Ah, logo me vem na memória, eu fiz muitas besteiras na minha ultima viagem a São Francisco, eu não tinha nada que ter beijado aquele garoto do cursinho... Mas eu estava com tanta vontade de beijar alguém, eu queria saber como isso funcionava, eu já tinha quase dezoito anos completos e nunca tinha beijado ninguém, aquilo tava me matando... Culpa do André, ele não quis me beijar naquela vez que eu pedi... Mas é melhor assim, quem sabe nossa amizade tinha ficado diferente... Eu poderia ter pedido um beijo do Anderson, mas o Anderson é estranho de mais, esquisito, é meu amigo de infância e eu o amo, mas se eu não o conhecesse acho que não faria amizade com ele.

O fato é que eu beijei, e foi um estranho e se sinto um pouco de culpa ainda hoje é porque tem algo de errado e pra falar a verdade eu nem gostei daquele beijo, foi nojento, eu sei que descrever um beijo é coisa de uma adolescente sem experiência, mas é exatamente isso que sou. Vou aproveitar isso de novo que há em mim e consumir somente com a pessoa que vou viver o resto da minha vida, não vale a pena a eu usar as minhas melhores cartas para alguns caras que nem valham a pena, vou escolher bem a pessoa que quero pra mim para então assim me abrir completamente e viver aquilo que os outros chama de amor.

É, eu sei que isso é um risco que corro... Aliás, todos correm esse risco.

Hoje foi um dia em que refleti muito em minha vida, principalmente a vida amorosa é por isso que estou aqui toda melosa escrevendo isso tudo, não tenho ideia do porque... Ah, meu dia hoje na fisioterapia, fiquei tão perdida refletindo sobre esse meu lado romântico que quase não deu pra contar... Além de o Geovane ter me surpreendido como sempre, me levando para tomar banho de piscina, em nossas conversas descobri que nós já nos conhecíamos... Foi ele quem fez uma massagem em mim quando eu torci o tornozelo em uma partida de volei lá em São Francisco, e me lembrei também que eu tinha sentido uma leve atração, eu lembro que eu achava ele muito parecido com alguém que eu amava, mas não consigo me lembrar quem era essa pessoa... Ulisses não pode ser, porque me lembro claramente como foi o fim de tudo. È por isso que eu já tinha uma ligação com ele desde o início, agente se deu tão bem que parece que nos conhecemos de muito tempo... O Geovane apesar de ser um cara um pouco mais velho do que eu, teria coragem de investir minha vida a favor para poder viver algo intenso. Nunca se sabe o dia de amanhã...

27 de junho

Meu dia hoje foi difícil pra caramba, o Jonas me fez umas perguntas chatas. Eu não me lembro de nada do que fiz no dia que sofri o acidente e ele insistia em me fazer mais e mais perguntas, teve uma hora que pensei que fosse desmaiar, ele disse que eu precisava superar isso pra poder me restabelecer, nesse dia eu só me lembro que eu pintei meu cabelo para a cor natural... Jonas disse que um dia ainda vou lembrar, é só ter paciência.

Se não fosse essas perguntas chatas do Jonas meu dia teria sido perfeito. Geovane trouxe flores pra mim e sem nenhuma sessão conversamos por mais de uma hora, falamos de tudo um pouco, até de Milena. O que falar dele? Ele é um cara perfeito só isso... Vestido de branco, moreno, o sorriso, o modo de falar acanhado é tão fofo! Em todos os momentos sempre foi prestativo comigo, eu acho que ele deve beijar bem. Sou tão infantil falando tudo isso, mas é que eu nunca namorei, preciso viver essas coisas todas com alguém o mais rápido possível, é arriscado até eu enlouquecer, sair por ai fazendo absurdos... Mas eu vou me controlar, imagino que o arrependimento de fazer algo sem pensar é bem maior do que o prazer momentâneo que vou viver, resumindo tudo, é uma troca inviável. É melhor ser feliz, e bem melhor do que ser feliz é ser feliz sem perder tempo, porque o passado só condena depois atrapalhando até a presente felicidade. Geovane... Geovane... Geovane... Ah Geovane...

É igual aqueles filmes românticos em os personagens principais dizem que nasceram um para o outro e quando se conhecem falam que sempre o conheceu mais não lembrava onde... Da mesma forma vejo Geovane, é como se eu conhecesse ele há muito tempo atrás... Mas acho que não, acho que ele se parece com alguém que já conheço, só não sei quem. É isso! O Geovane me trás lembranças de alguém... Talvez eu esteja entendendo errado, talvez ele seja o homem da minha vida, eu não consigo resistir, ele tem um sorriso doce, o rosto de de criança e quando ele faz as massagens, tem as mãos tão grandes! Se ele continuar assim eu não vou saber responder pelos os meus atos. Talvez eu esteja exagerando, quem sabe a batida na cabeça tenha afetado meus neurônios. Vou superar tudo isso!

01 de Julho

Não é todo dia que dá vontade de escrever, nesses últimos dias preferi gastar o meu tempo antes de dormir refletindo na vida. Pensei hoje no que seria de mim sem o Lago Rare, eu sei, é apenas um lago... Mas quando penso em mim e no Anderson e o André automaticamente me lembra do lago, tem horas que penso que ele estar perto de mim. Mas mesmo sentindo isso me dá uma saudade enorme de estar às suas margens novamente, passar o dia todo, o final de semana todo! Mesmo depois de casada, com meus filhos ainda quero ir ao lago.

Minha mãe comprou tantas roupas novas pra mim, ela me disse que andou conversando com o médico e disse que logo eu vou sair daqui. Eu já estava me acostumando com a ideia de ver Geovane todo dia, o que me resta é aproveitar cada minuto.

02 de Julho

André, Vanessa e Anderson vieram hoje me visitar, eles vem me visitar quase todo dia, mas hoje foi um dia diferente pra todos nós. André veio me contar que tinha conseguido um emprego na Fluominas, fiquei tão feliz e Vanessa também estava radiante, me contaram que vai só esperar ele se estruturar na empresa pra comprar um carro e financiar uma casa, fico muito feliz, meus amigos estão se dando bem na vida e pelo visto estão ganhando super bem. Quando eu sair daqui eu quero conseguir um emprego assim também.

Eles tiveram sorte e chegarem bem na hora quando eu estava terminando minha sessão com o Geovane, aproveitei a oportunidade e esse momento precisa de detalhes:

- Gente, esse aqui é o Geovane, meu fisiterapeuta – percebi que ele estava nervoso e apertei em sua mão bem firme pra ver se ele se sentia melhor. Eu já havia falado muitas vezes para ele de meus amigos e do lago e até fiz um convite, chamando-o para conhecer o Lago Rare.

- Geovane esse é o André, Vanessa e Anderson!

- Prazer Geovane! – disse André com os olhos bem abertos olhando para as mãos dos dois que estavam apertadas.

Eu percebi que meus amigos não foram com a cara do meu amigo, fiquei triste por isso, não sei o que eles viram nele, mas em outra oportunidade vou cobrar isso deles. Uma coisa que eu não entendi até agora foi que logo após eu ter apresentado Geovane, o Anderson saiu do quarto sem ao menos se despedir, coisa feia! Isso é falta de educação. Nunca pensei que o Anderson fosse fazer isso. Vou conversar com eles na próxima vez que eles vierem, por isso escrevi, não quero me esquecer de nenhum detalhe.

08 de Julho

Eu já estou me sentindo completamente bem. Não sei porque o médico não me dá logo alta. As sessões com o psicólogo já acabaram, infelizmente tenho só mais três sessões com o Geovane... Ele disse que vai me ligar de vez em quando pra gente relembrar os bons momentos aqui do hospital.

Hoje o Anderson veio sozinho me visitar de novo, eu sou meio bruta, acabei tratando ele friamente, por uma coincidência extremamente absurda. Na hora que ele entrou eu estava dando um abraço em Geovane por já sentir a falta um do outro devido ao fim das sessões de fisioterapia. Ele achou que eu estivesse namorando mesmo o fisioterapeuta, me disse umas coisas que fiquei sem graça, sorte minha que Geovane ainda interveio para me defender, ele tava usando palavras duras. Mas não houve nada de mais, Geovane saiu e eu fiquei sozinha com Anderson, eu não quis explicar nada pra ele, até porque ele não merece satisfação da minha vida. Ele me pediu desculpas de ter agido daquele jeito e começou a perguntar como eu estava. Ele acha que não posso ser amiga de mais ninguém, pelo menos é isso que dá de perceber...

Ele ficou muito tempo olhando para baixo sem dizer nada, eu já tava pra mandar ele ir embora, até que ele disse:

- Clara, você não se lembra de nada mesmo no dia do seu acidente?

Eu respondi: Não.

- O psicólogo já te contou o que aconteceu?

Eu disse que ele só iria me contar mais na frente, ele acredita que lembrar desses fatos agora podem me fazer mal.

- Tudo bem, um dia você vai entender o que realmente aconteceu nesse dia.

Terminando de dizer isso foi embora, e eu fiquei a pensar no que ele tinha dito durante muito tempo e até agora não faço ideia do que seja, e pra falar a verdade tenho medo do que possa ser. Quando ele saiu tive a impressão de que foi Geovane que saiu e logo percebi de imediato que ele parece muito com Geovane. Mas isso é o de menos... Não é possível que o doutor não esteja vendo que já estou ótima, logo sairei desse hospital.

11 de Julho

Hoje foi o melhor dia que já vivi dentro desse hospital, quer dizer... Depois do dia que eu acordei. Pra começar o dia, Geovane veio me acordar com um café da manhã repleto de coisas deliciosas e um buquê de flores do campo. Não sei como ele acertou que gosto desse perfume, aliás, eu nem sabia que gostava de flores do campo, acabei aprendendo a gostar. Ele disse que a ultima sessão seria inesquecível, e de fato foi a maior e melhor sessão. Eu devo estar parecendo uma boba escrevendo isso, ainda bem que não tem ninguém me vendo, porque notariam meu sorriso esquisito escrevendo essas coisas.

Ele disse que eu já estava perfeitamente bem a ponto de correr em uma maratona, fiquei entusiasmada pra fazer isso mesmo! Ele sentou na beirada da cama e ficou me olhando enquanto eu tomava café, o que eu percebi de interessante nele, é que ele não me olha dentro dos olhos igual o Anderson, ele sabe olhar pra mim, ele deve saber que não gosto quando estou sendo encarada. Em quanto nós estávamos conversando e nos divertindo com tantas coisas ele olhou pra mim com um sorriso tão doce que me fez sorrir mais ainda e acabei tossindo um farelo de pão, foi frustrante, mas ao mesmo tempo muito engraçado, foi motivo pra rirmos horas e horas, e a única cena que não sai da minha cabeça era aquela, a janela parcialmente aberta com pouca luz e ele bem cedo no meu quarto trouxe uma nova roupagem ao o ambiente. Ele veio sem estar vestido de branco, roupas normais, ele tem um sorriso branco, os olhos são castanhos, o cabelo preto e liso mal penteado para o lado, um leve cheiro de colônia amadeirada tomou conta do meu quarto, pelo o visto não fazia mais de vinte minutos que ele havia tomado um banho. Quando eu abri os olhos eu já vi o seu sorriso discreto e doce em minha frente, me fazendo ficar vermelha de vergonha, afinal eu tava naquela cama há dias, despenteada, sem nem ao menos ter lavado o rosto. Eu parei por alguns momentos e vi que aquela cena não era minha, quer dizer, eu não merecia aquilo, parecia coisa de cinema... De mais pra mim.

Nesse dia tomei banho sozinha, mesmo com trajes do hospital tentei me arrumar o máximo possível, afinal era a última sessão, tinha que ser algo diferente. Fomos à sala de fisioterapia e fui fazer o meus exercícios como de costume, ele me interrompeu e disse que hoje seria diferente, fiquei espantada, eu não fazia ideia do que poderia ser. Era bem cedo, não havia ninguém na sala a não sermos nós dois, a sala era enorme, tinha uns utensílios de ginástica espalhado pelo o chão e um círculo de madeira grande no chão. Ele ligou o som e me levou pra lá. Eu não acreditei, minhas pernas tremeram ao mesmo tempo em que minha pele arrepiou e também quando o coração acelerou. Ele ia dançar comigo!

Não identifiquei o ritmo da música, mas era algo suave, doce, leve e dava uma sensação de estar flutuando, me senti tão humilde nas roupas do hospital, mas logo quando ele sorriu pra mim e eu me esqueci de tudo. Ele me segurou e começou a fazer passos lentos a fim de que meus pés acompanhassem os dele, não chegou a me abraçar, mas chegou bem perto e disse ao meu ouvido, “A dança melhora o equilíbrio, atiça os pensamentos e une as pessoas”.

Eu fiquei ali com ele, não exatamente dançando, se eu fechasse os olhos poderia dizer que estava flutuando, foi uma sensação indescritível, enquanto eu me perdia em meus pensamentos eu pisei no pé dele sem querer, eu fiquei com vergonha, mas ele me acalmou na mesma hora, disse aos meus ouvidos, “Às vezes pra alcançarmos a felicidade precisamos até mesmo correr o risco de vida”. Foi claro o suficiente, ele virou o rosto pra mim, olhou nos meus olhos por um segundo e me beijou. Eu senti que algo estranho dilacerava toda a paisagem linda e perfeita que minha mente tinha criado, era como se eu já conhecesse o beijo dele, e pareceu que o beijo anterior é melhor do que o dele, mas eu só beijei um garoto em São Francisco que por sinal foi horrível, como posso então achar que o beijo anterior foi melhor sendo que ele nem existiu?

Eu estava traindo alguém, mas eu não sabia quem, o beijo anterior que eu me referia estava me esperando em algum lugar, mas eu não sabia onde, percebi na mesma hora que Geovane foi um alguém intermediário que mudou meu rumo. Essa tempestade de sentimentos fez minha cabeça esquentar e doer. Não deu outra, o empurrei e sai correndo direto para o meu quarto do hospital, as enfermeiras perceberam minha agitação e vieram atrás de mim, toda a equipe médica achou que eu tinha surtado. Eles queriam me aplicar alguma coisa que me fizesse dormir, eu gritei chorando pedindo pra falar com Jonas, o pobre psicólogo nem estava em seu horário de trabalho, mas veio falar comigo.

Pedi pra conversar com ele a sós, expliquei pra ele tudo o que tinha acontecido e deixei bem claro que eu não estava doida, ele graças a Deus me entendeu e explicou para os outros.

Apesar do que aconteceu, agora, mais calma, refletindo em tudo que aconteceu hoje, posso dizer com certeza que foi o melhor dia que passei aqui nesse hospital, porque eu vi coisas lindas, senti coisas que nunca tinha sentido, talvez não por Geovane, talvez eu esteja interpretando errado. Parece que o Geovane é um espelho... Eu não entendo é nada.

Eu fiquei tão abalada com isso tudo que nem dei tanto crédito para a notícia principal. O médico chamou minha mãe e disse que eu terei alta amanhã pela tarde, talvez a alegria faa efeito apenas amanhã, porque hoje já esgotou minha cota de sentimentos fortes. Quando chegar em casa tem tanta coisa pra fazer, preciso comer bem, minha pele e meu cabelo ficaram acabados, estou muito magra... E obviamente, o Rare!

Espero que Geovane venha aqui ainda, precisamos conversar sobre o dia de hoje, eu devo uma explicação pra ele. Eu já nem tenho mais paciência para escrever, daqui a dois dias verei meus amigos, farei tudo o que era pra ter feito nesse tempo que fiquei aqui no hospital que não vou ter tempo de escrever. Numa visão por fora será mais fácil entender.

Laercio Miranda
Enviado por Laercio Miranda em 25/06/2011
Código do texto: T3056827
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