Clara - Soltando o Verbo - VIII

Capitulo VIII

SOLTANDO O VERBO

- Não senhor, do que se trata?

- As notas enviadas para o fisco V foram lançadas com a data diferente de quando foram emitidas e justamente notas de nossos melhores clientes.

- Está de fato com minha assinatura?

- Quer questionar comigo rapaz?

- Não, de maneira alguma, é que isso é algo tão simples.

- Tão simples que nenhum funcionário daqui errou antes.

- E quando foram lançadas?

- Há trinta e três dias.

- Mas nesse período eu ainda estava em estágio, como pode ser proveniente do fisco V sendo que nem existia ainda?

- Isso não vem ao caso, o que importa é que é sua assinatura. Sr Anderson não admitimos erros no departamento fiscal, não foi erro de sistema, sua assinatura prova tudo, peço, por favor, que vá falar com a senhorita Valdelice, ela fará os devidos procedimentos.

- Eu estou sendo demitido?

- A senhorita Valdelice, por favor, vá até lá.

Anderson estava sem entender absolutamente nada, sua consciência estava limpa, mas depois dessa conversa sua mente foi completamente tomada de nervosismo, medo e ansiedade. Pensava consigo, “mas como eu erraria uma data?”, “o que vou fazer se eu for demitido?”. O desespero estava invadindo sutilmente os pensamentos fazendo andar rápido e descompassado.

Chegando a sala de Valdelice:

- Boa tarde, alguma coisa de errado aconteceu no fisco V e fui orientado a vir aqui que a senhorita iria fazer os procedimentos.

- Sim, já estou a par da situação, sente-se. – disse Valdelice calmamente.

- Então, vou ser demitido é isso? – perguntou Anderson com voz trêmula.

- Eu conversei hoje pela manhã com o gerente do departamento contábil, por que eu também julguei ter sido um erro muito simples, o sistema mesmo acusaria na hora da transação.

- Sim...

- Os contabilistas detectaram que o erro não foi no lançamento, conseguiram corrigir ao escriturar. O erro foi de quem emitiu o malote para o departamento contábil, mas o protocolo também tem sua assinatura.

- Sim e disso eu me lembro, mas senhorita Valdelice eu devo dizer que quem separou os documentos para o malote foi o Jackson, eu só vim pegar no malote já para entregar.

- Suspeitei disso. Foi solicitado o fisco V três dias antes de sua efetividade, justamente há três dias o fisco V entrou no sistema da Metalvorada.

- Como pode então senhorita Valdelice?

- É permitido que os fiscos solicitem com antecedência algumas notas do corrente mês a quinze dias anteriores para adiantarem o trabalho, foi isso que Jackson fez, muito normal, pois tinha você para que o ajudasse, porém, não poderia repassar ainda para o departamento contábil... – a porta bate e Valdelice pede para entrar, era Jackson.

- Me chamou?

- Sim, sente-se. Estou aqui conversando com Anderson e procurando entender o que de fato ocorreu. Comece me explicando porque você adiantou as notas para o contábil, registrando ainda no fisco V e pedindo que o Anderson protocolasse o malote.

Jackson ficou vermelho e olhou para Anderson com uma cara de pavor, o rapaz respondeu olhando para baixo.

- O sistema estava inconstante, o fisco V estava mais acessível, quis acelerar o procedimento transferindo algumas transações do fisco II para o novo fisco, e pedi para o Anderson entregar, pois ele precisava aprender sobre os departamentos e a organização da empresa.

- Agiu errado, para qualquer eventualidade que fuja de sua rotina de trabalho sabe que deve consultar o chefe do departamento fiscal, o erro não continuaria, a contabilidade acabou corrigindo.

- Senhorita Valdelice o que vai acontecer? – perguntou Jackson.

- Nenhum de vocês dois serão demitidos, porém você terá uma advertência e sabe que com três advertências será demitido.

- Muito obrigado – respondeu Jackson com um sorriso triste no rosto.

O dia terminou e Anderson ainda não havia se mudado, teria que pegar carona com o Jackson como de costume, depois de saírem do departamento de relações humanas, ninguém disse nada para o outro. Já quase chegando em casa, Anderson começou:

- Eu não falei nada cara, a Valdelice foi investigar tudo.

- Eu sei, eu conheço ela.

E voltaram ao silencio tudo de novo, Carlinha já nem questionava mais o silencio dos dois, no fundo estava feliz que Anderson sairia da casa dela, não por ele, mas sim por Jackson que já estava chato de mais. No final foi tudo um mal entendido que gerou um susto súbito nos dois, porém em pouco tempo voltaram ao tratamento de antes, que não sei dizer se isso é uma coisa boa.

Os dois rapazes não estavam se dando bem, o clima na casa estava tenso e monótono, mas faltavam apenas dois dias para o sábado e enfim Anderson se mudar para seu apartamento.

-

Foi impressionante como tudo mudou depois da viagem de Clara e a morte do tio de Anderson. Ela talvez não tivesse ideia da situação que Anderson estava passando, da mudança brusca que André adquiriu, mas ela com certeza não parou no tempo, conheceu novas pessoas, novas histórias que deram a garota experiência e desenvolvimento.

A viagem repentina da garota surpreendeu a todos, especialmente Anderson, depois de um episódio tão esperado que no final não ocorreu as mil maravilhas o rapaz sem dúvidas sairia muito marcado, mas como paciência e tranquilidade reina na personalidade de Anderson de uma maneira que chega a incomodar, não deixou transparecer tanto o impacto que a conversa no lago e a viagem súbita lhe causou.

A última pessoa que a garota viu antes de sair foi um rapaz alto, moreno pardo com o corpo normal bem distribuído que caminhava em passos largos e lentos com as mãos no bolso e olhando ora pra frente, ora para o chão. Um flash de tudo o que ela sentia, e dos acontecimentos começou a passar diante dos seus olhos, a dor da saudade já estava oprimindo de uma maneira que lhe fez encher os olhos de lágrimas e olhando pela a janela do ônibus, sussurrou baixinho, “Anderson”.

O ônibus fazia uma curva para a direita deixando o rapaz fugir dos olhos de Clara. A dor da distancia já lhe invadia e isso mexeu de uma forma que só ela mesma para descrever.

-

Não gosto de contar meus segredos, as coisas que sinto. Se eu sofro ou choro é problema meu, também não gosto de pedir ajuda pra ninguém, mas esse caso do Anderson foi algo que mexeu de mais comigo, ultrapassou os meus limites me fazendo sentir realmente mulher entendendo também o quanto eu preciso dele. O que eu sinto e a intensidade do sentimento só cabem a ele. Confesso que o livro que o Ulisses me indicou na biblioteca me ajudou bastante, mas não me resgatou de uma vida isolada coisa nenhuma e nem contribuiu para acelerar, digamos que meu amadurecimento. Ao Anderson devo tudo.

Eu já estava com o dedo no gatilho e se alguém apertou esse alguém foi o Anderson, o que ele me fez esperar, o nervosismo e atenção durante anos que me fez quem sabe ser o que sou, mas eu já estava em meu limite, se ele não me falasse o que sentia por mim eu falaria o que sentia para ele, agora sabe lá Deus quando.

A última vez que o vi foi quando o ônibus cruzava a cidade para sair dela, ele estava caminhando com umas sacolas nas mãos, vindo do supermercado talvez, mas a imagem que tenho dele guardada em meus pensamentos foi de quando ele se abaixou ao meu lado e me disse que esperaria o tempo que fosse para ficar comigo, essa foi de acabar com qualquer garota, eu mesma nem se fala, penso nisso toda noite. Estou me disciplinando dia após dia porque o fato de saber que vou voltar só aumenta a cada dia minha saudade e quando eu o ver não faço ideia de como vai ser minha reação e muito menos a dele, por isso é bom se prevenir psicologicamente.

Quando cheguei aqui em São Francisco me esqueci parcialmente de tudo, a cidade era enorme, tantos lugares lindos, e minha prima me disse que me levaria em todos eles, um por um, eu queria mesmo era ficar em casa, mas eu sabia que sair era o melhor a fazer. Em uma dessas saídas passei por um outdoor e vi um anuncio de um curso de revisão do ensino médio, indicado para vestibulandos, durava apenas quatro meses, não pensei duas vezes e acabei fazendo. A vida aqui é muito diferente, a diversão da maioria é sair para dançar e comer, eu como sou uma moça disciplinada acabei focando nos estudos, um pouco.

Mirele, minha prima mais velha, com estatura baixinha, jeito ousado, cabelos pretos compridos, olhos apertados e uma voz rouca, aprontava quase todo dia comigo, em uma vez que nós saímos para uma pizzaria ela ligou para um amigo dela sem que eu soubesse, já estávamos sentadas esperando a pizza e ela disse que iria ao banheiro e eu fiquei esperando, quando não, vejo um cara enorme, branco, loiro dos olhos azuis e se senta à mesa, eu como sempre, acabei gaguejando dizendo boa noite. Não foi muito difícil perceber que ele tava afim de mim, mas percebi também que ele queria só um passatempo, Mirele voltou e ficamos conversando, o cara que se chamava Diogo acabou se oferecendo para pagar a conta, eu não estava suportando o papo, daí disse para ele que tinha pele de tomate em seus dentes e ele foi correndo para o banheiro, foi quando eu peguei Mirele pelo o braço e fomos embora de lá, nunca mais o vimos depois disso e nem ele nunca mais falou com minha prima.

Mirele não iria aguentar se não fossemos ao cinema ver “Eclipse”, conseguimos ingressos apenas para a sessão das onze, chegamos em casa quase as duas da manhã, dona Clarice nem sonha com um negócio desses, sorte nossa que tia Aurora já estava dormindo se não, era capaz dela ter ligado para minha mãe ali naquele exato momento. No dia seguinte acordei quase as dez de manhã, tia Aurora é tranquila de mais, não disse nenhuma palavra deve ser por isso que a Mirele é tão solta. Quando chego à sala ela me dá um embrulho, em meio de tanto papel que quase fiquei com raiva, quando fui ver era um livro e quando viro vi que era “Apaixonando você outra vez”, sorri pela a perseverança do Ulisses, se ele não tivesse me ensinado tanta coisa talvez fosse mais fácil para ele me conquistar, não vi nenhum cartão, não tinha nada escrito e nem precisava, já conhecia ele ao ponto de entender o efeito que ele queria que o presente me causasse. Quando ele me disse que o livro “Apaixonando você” era um livro escrito para ele não entendi, nem mesmo depois de ter terminado o livro, hoje eu entendo, era pura necessidade e carência, só que ele era esperto, ele sabia o que tava fazendo. O segundo livro li e não achei a menor graça para o azar dele.

Eu acho que tinha começado a gostar do Ulisses, sorte minha que o Anderson veio e atiçou meus sentimentos, aquela confusão toda que aconteceu na ultima vez que fui ao lago vejo hoje que fez bem pra mim, se eu não tivesse ficado confusa talvez estaria nos braços do Ulisses hoje e sabe que nem sei... Eu gosto do Anderson tenho um sentimento especial por ele, tão forte que nem sei explicar... Mas o Ulisses, eu não queria perdê-lo, ele é um poço de conhecimento e eu fico sempre surpreendida ao seu lado, literalmente boba. Quando eu voltar vou tentar conciliar o máximo minha vida para ter os dois perto de mim.

Eu fiz de tudo para a Mirele fazer o cursinho comigo, mas acabei indo sozinha, a escola lá era lotada, gente de todo tipo, foi difícil pra mim no início, as meninas quando não eram muito metidas eram donas de casa, tinha lésbicas, drogados, emos, pra falar a verdade não tinha ninguém normal, quer dizer, ninguém parecido comigo. Os professores não ensinavam nada, a escola praticamente era um ponto de encontro para beber, fumar e se prostituir, eu mesma não via a menor graça, gastar dinheiro à toa e passar a o dia seguinte inoperante e às vezes até com remorso... Não combina comigo.

Eu recebia cantadas de todos os tipos, sinceramente eu não sabia que eu tinha todo esse glamour, mas prefiro acreditar que era por eu ser diferente, tinha umas que eram ridículas e tinha outras que me fizeram ofegar e teve uma vez que eu pensei que fosse cair.

O cara tinha chegado pra mim e disse, “você me deixa ao menos sequer ficar ao seu lado? garanto que não vou incomodar”, eu não disse absolutamente nada, o rapaz tinha cara de um doente que tinha acabado de receber alta. Ele continuou dizendo, “Essa cidade é enorme, não deixa esse encontro aqui ser casual, amizade de filas de banco ou de viagens em ônibus”, confesso, eu sorri nessa hora, percebi que não importa a cantada e sim a forma que ela é expressa. Ele insistiu, “Me deixa dormir em paz comigo hoje, aceita, por favor, pelo menos um suco”, ele parecia que ia chorar, pensei comigo que seria indelicado não aceitar, acabei aceitando. Logo após a aula, quando eu ia saindo vi que ele já estava me esperando do lado de fora, caminhamos até uma sorveteria ali perto, eu fiquei calada o tempo todo, não tinha nada pra falar com ele mesmo, depois de algum tempo ele desembestou a falar e falar, eu sem pena, só pedia sorvetes e mais sorvetes e só ouvindo o que ele tinha a dizer, falava sobre casamentos, filmes, novelas, livros, romances aquilo tudo me deixava tão incomodada, o cara vivia numa crise de carência congênita constante (nem sei o que eu disse), mas era sem dúvidas algo fora do normal, até que ele era bonitinho, branco baixo, cabelos pretos e lisos penteados de lado, usava uma jaqueta de couro marrom e uma camisa branca por debaixo, usava óculos à frente de olhos verdes e o sorriso lamentavelmente bobo. Terminei meu quarto ou quinto sorvete e chamei-o pra dar uma volta, ele não parava de falar, nesse momento eu usei da paciência do Anderson que acabei absorvendo depois de tanto tempo de convívio. Vou narrar de maneira objetiva o que de fato aconteceu.

- Diego tu tem balas? – perguntei a ele.

- Sim tenho, não vivo sem balas até porque nunca se sabe...

- Me dá uma – interrompi o pobre. O cara me olhou com um sorriso enorme e me perguntou:

- Pra que?

- Anda, me dá uma bala, você fala de mais cara – eu já tava inquieta, botei a bala na boca e fiquei olhando para o outro lado da rua, estávamos em frente a um colégio infantil, o chão era de paralelepípedo e tinha um playground que ficava ao ar livre, perguntei para ele.

- Você gosta muito de romances né Diego, admira essa coisa da paixão, do beijo, de duas pessoas, legal isso – me aproximei dele devagar e peguei nas mãos dele, eram geladas e tremiam, ele me olhava com cara de cachorro pedindo comida, pra encerrar logo aquele assunto eu do nada dei um beijo estalado no cara, que ficou de boca aberta sem responder nada ao meu beijo, achei horrível e perguntei para ele:

- O que foi, não gostou? – ele mudou de olhar e me beijou, colocando uma mão pela minha nuca com a ponta dos dedos entre os meus cabelos e a outra mão passou deslizando pela a minha cintura, o cara tava doido e eu deixei isso continuar por mais algum tempo, afinal eu também estava gostando.

Logo depois de um minuto ele mesmo parou e ficou me olhando, respirava somente pela a boca e parecia como se estivesse corrido quatrocentos metros, ele precisava de água com açúcar, fiquei espantada, eu nunca imaginei que isso pudesse acontecer com alguém, o fiz sentar num banquinho que tinha ali em frente à escola. Depois de algum tempo ele olhou pra mim e perguntou:

- Clara, eu sei, é só uma vez né?

- Sim, foi só essa vez – respondi. Tipo, eu quis fazer uma caridade, ele era tão fã dessas coisas relacionadas à romance quanto o André em “Dragon Ball Z” quando era criança.

Saímos de lá, caminhamos um pouco até eu chegar a um ponto de táxi, ele foi embora e eu tomei o rumo de casa, não trocamos nem celular nem MSN, já no final cheguei a pensar que ele não havia gostado de tão sério e calado que ficou. Até chegar em casa pensei comigo se tinha feito a coisa certa, será que aquele rapaz vai ficar bem, ele pareceu tão abalado depois do beijo, depois bateu um peso na consciência, mas já tinha acontecido, não podia fazer mais nada, só não faria de novo.

Quando cheguei em casa contei para Mirele, mesmo ela sendo do jeito que é disse que eu tinha feito mal, disse que não podemos confiar nas pessoas e que eu tive muita sorte de não ter acontecido o pior, mas que foi engraçado foi.

Passaram-se algumas semanas.

Eu tinha terminado de ver um filme e foi só eu passar pelo o telefone na sala ele toca, quando atendi era a Carlinha, fiquei tão feliz em falar com ela, em saber que o André tava namorando a Vanessa, ela é uma garota legal, mas talvez eu não me dê com ela quando eu voltar. Eu nunca imaginaria que ouviria a voz do Anderson aquele dia, foi uma surpresa e tanto, até achei que fui insensível de mais com ele, mas só depois que fui deitar que percebi que tinha feito a coisa certa, talvez eu nem fui insensível, talvez eu nem demonstrei que gostava dele, talvez ele nem gostasse mais de mim... Eu fiquei confusa de mais, mas passou.

As coisas estavam mudando depressa de mais, tinha acontecido tantas coisas nos últimos meses, eu percebi na voz dos meus amigos que eles estavam diferentes, é normal, mas eu acho que isso deveria acontecer um pouco mais devagar, antes agente gostava de brincar e de uma hora pra outra paramos de brincar e começamos a sair. Tá, tudo bem, eu sei, eu fui uma das que mais mudou, falando em mudança, quando eu mudei a forma de me vestir no final do terceiro ano não foi porque o Ulisses me incentivou, ou por causa do livro que li como diz o André. Eu sempre gostei de vestidos, sandálias, o cor-de-rosa, o problema é que eu sempre tive medo e eu pensava que se eu usasse essas coisas os meninos não fossem mais querer brincar comigo, ou ficar perto de mim, por isso vivi entre calças e tênis por longos anos em minha vida, mas também não me arrependo.

Minha tia disse que eu tinha mudado muito, eu falei pra ela que só ela não mudava, dona Aurora era parecidíssima com minha mãe, até na chatice, mas eu gosto muito dela. Enquanto Mirele estava no trabalho a casa ficava chata, minha outra prima mais nova, Doralice, chamada de Dorinha, era caladona e não tinha a menor graça conversar com ela, sorte minha que meu curso era a tarde e a noite eu e Mirele aproveitávamos.

Já faltam menos de um mês para o meu curso acabar e eu voltar pra minha terra natal, era um domingo quente, o sol tava rachando lábios e eu me imaginei na beira do Rare olhando para forma grande, oval e estreita, devia estar uma maravilha, Mirele toca nos meus ombros me fazendo acordar pra curtir o domingo, descemos e no meio do café ela teve a brilhante ideia de me chamar pra jogar vôlei, eu fui na boa, não tinha nada a perder mesmo.

Chegando ao clube onde ela jogava fui apresentada as meninas do time oposto e do meu, eram só mulheres e Mirele passava as coordenadas para nós, ela foi me dando algumas dicas básicas para poder jogar, ficamos conversando ali mais um pouco, definindo estratégias e formação no campo de areia, alongamos e tomamos posição. O jogo começou e eu parecia uma barata tonta perdida naquele campo, quando a bola chegava a mim eu rebatia e jogava pra cima, aliás foi isso que Mirele me instruiu. O jogo foi rolando, eu aqui e acolá errava mas sempre tinha alguém pra corrigir meu erro, o primeiro set foi deles, e eu me sentia péssima, achei que estava atrapalhando, mas mo segundo set foi diferente, ganhamos com uma diferença de nove pontos.

Parece que a areia do chão estava mais quente, tinha algumas pessoas vendo agente jogar e eu comecei a ficar nervosa, as meninas estavam suadas, ofegantes de tanta pressão. Já estava no terceiro set e eu já estava exausta, mas nós estávamos ganhando, foi dado um tempo, placar era de dezessete a onze e Mirele deu novas instruções, esquecer o cansaço e aumentar a velocidade do jogo, eu tava quase pedindo uma máscara de oxigênio, mas continuei jogando, nem pensava em parar, eu estava era gostando daquilo.

No time oposto tinha uma negra enorme, a mulher era bruta, meio selvagem e não parava de marcar em cima de mim, eu não fui com a cara dela e ela percebeu isso. Em uma jogada essa negra de nome Juscyarlie pensou que fosse fazer ponto na minha área, eu joguei meu corpo com tudo, com as mãos posicionadas e rebati no meu limite, mas acabou indo para fora, foi triste e mais triste ainda é que deu um mau jeito em meu pescoço e uma contusão em meu cotovelo, o jogo parou, não tinha ninguém para me substituir e acabou ficando por isso mesmo, decidimos que teria um próximo jogo no domingo seguinte.

Passamos em uma farmácia e comprei uns géis de massagem, eu estava toda dura. Quando chegamos em casa Mirele deve a pior ideia de todas, chamou um cara vizinho dela para fazer uma massagem em mim, o rapaz era massagista profissional e depois percebi que foi uma ótima ideia. Ele veio, conversou comigo e pediu que ficasse de bruços na cama e começou a passar um gel frio nos meus ombros e começou a massagear, confesso que engoli vários gemidos no início, mas depois acostumei. E ele massageava, massageava e eu viajava, acabei dormindo de tanta... Nem sei como explicar. Devo ter dormindo uns cinco minutos no máximo e quando abri os olhos vi um moreno de olhos castanhos claros e estava sentado na cadeira ao lado da cama olhando pra mim, eu levei um susto e falei. “Anderson”, e ele disse:

- Não, não sou Anderson, meu nome é Geovane.

O cara era a cópia do Anderson eu fiquei encabulada, aparência física, os gestos e até a forma de sorrir muitíssimas parecidas com as de Anderson, confesso que meu coração palpitou, e até gaguejei – como sempre – eu me senti atraída por ele instantaneamente, não pela massagem e sim pela a semelhança absurda com Anderson.

Ele perguntou se eu estava relaxada e se as dores tinham aliviado, eu torci meu pescoço, movimentei os cotovelos e vi que podia mexê-los, mas ainda estavam doendo um pouco e ele disse que eu precisava de outra massagem no dia seguinte.

Logo que ele saiu do quarto Mirele entra e me encontra com cara de boba e diz:

- Não me fala que tu gostou do Geovane, fala sério!

- Ele parece tanto com o Anderson Mirele, me deu uma saudade tão grande dele.

- Isso não tem cara de saudade não, conheço muito bem essas coisas. Ele disse que vai vir aqui de novo, disse que você precisa de outra sessão.

Realmente eu precisava e não via a hora dele vir, tinha ficado tão feliz, mas não quis admitir pra mim mesma que poderia estar sendo atraída por ele, isso era impossível pra mim naquelas alturas. Não sei se estava pensando errado, mas parecia que ele tinha sentido algo por mim... Porque ele ficou lá sentado me assistindo dormir? Pensei que talvez quem sabe ele deve ser tímido igual o Anderson, mas eu não atiçaria nada até porque já faltavam poucos dias pra eu ir embora.

No dia seguinte lá estava em meu quarto fazendo a massagem de novo, me esforcei ao máximo para não dormir e aproveitei cada instante, as mãos do cara eram perfeitas e eu precisava daquilo também né... Terminada a massagem ele disse q não podia ficar, mas pediu meu celular e eu acabei dando, depois disso nunca mais o vi, mas ouvia sua voz de vez em quando, ele ligava pra mim toda semana e eu sabia que aquilo não ia prestar me deixei levar pela saudade, mas ele sempre me tratou com amizade, nada mais, além disso. Se eu fechar os olhos ainda hoje posso sentir suas mãos, foi meio que sobrenatural, tenho guardada a imagem daquele cara vestido de branco, moreno cor de mel com cheiro de menta, olhos castanhos, sorriso branco, sobrancelhas espessas e um cavanhaque em formação. É evidente que não me apaixonei por ele, são apenas boas recordações.

Faltavam apenas dois dias para eu ir embora e Mirele deu uma crise de ciúmes, não quis falar comigo mais, tia Aurora disse que era porque ela ia ficar sozinha de novo e por pena da filha me fez um convite de morar com ela, mas eu precisava voltar. Resolvi umas coisas do cursinho, comprei presentes pra dona Clarice, Carlinha, André e para o Anderson também.

Eu ia viajar as cinco da tarde, estava com uma dor terrível no peito, mas meu coração se abriu mais no horário de almoço, Mirele me pediu desculpas e prometemos uma a outra que nunca iríamos mudar na forma de ser porque na aparência ela fez uma coisa terrível com meu cabelo, pintou cor-de-rosa uma mecha entre os cabelos do centro da minha cabeça e a frente ela pintou de vermelho e me deu uma bota de presente, isso tudo no horário de almoço dela, ela disse que era pra eu chegar daquele jeito. Uma hora da tarde ela foi trabalhar com o rosto inchado de chorar, deu tanta pena e eu sou tão insensível que nem chorei, queria ter chorado. Ulisses liga pra casa da minha tia um pouco mais tarde e minha tia tem a brilhante ideia de falar pra ele que eu voltava hoje, não pude fazer nada, eu ia fazer surpresa para os meus amigos de novo, mas agora pelo menos eu teria alguém pra me esperar na rodoviária.

Despedi-me de tia Aurora e tomei rumo à rodoviária com nove malas, sofri muito. Eu vou chegar a Andolba por volta das nove da noite, não sei qual vai ser a reação do Ulisses quando me ver de cabelo pintado e muito menos da minha mãe, dos meus amigos e do Anderson, não sei se fiz uma coisa legal, a Mirele também me colocou na perdição.

Em minha próxima viagem voltarei a escrever, minha chegada só alguém que ver de fora pode descrever.

Laercio Miranda
Enviado por Laercio Miranda em 19/05/2011
Código do texto: T2980512
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