Um amor maior que a vida (Cap. 5)
O PEDIDO
Santiago não se equivocou, aquela visão era assustadora, Beatriz não reconheceu o marido, se recusou até o último instante a aceitar que era ele, permaneceu parada a uns cinco ou seis passos de distância da cama sem saber como reagir, o filme de sua vida passava claramente por sua mente, a infância, a perda dos pais, os anos em que vivera na Rússia, os cursos que fizera ao redor do mundo, seu piano de calda, o som do violino de César que a despertava na maioria das manhãs com a doce “Allemande” de Rameau, a viagem á Grécia que gostaria de refazer, o jantar que prepararia.
“não misturarei tomatinhos ao cury com coq au vin, preciso pedir ao caderousse um bom vinho, esqueci de abastecer a adega, rosbife com batatas fritas e suflê de queijo para as crianças está bom.” pensava fugindo da situação até que a enfermeira interrompesse.
-Senhora -disse encostando no ombro de Beatriz- ele está muito fraco, a pancada na cabeça faz com que suas idéias sejam incoerentes, não se assuste.
Beatriz não tinha forças para responder, estava sem dúvida, mais machucada que o marido, caminhou até sua cama, segurou em sua mão, mas ele não reagia ao toque, então ela se aproximou e tentou se fazer ouvir.
-Meu amor, você pode me escutar?
-Bia -disse com a voz rouca- você precisa chamar a Laura, eu preciso...preciso...Laura, aonde ela está?
-Vou chamá-la, disse a enfermeira e saiu.
-Me perdoe, Bia, Thiago...
-Thiago está bem, disse beatriz reprimindo sua dor.
-Vocês precisam me perdoar, por favor, acredite em mim, sempre foi mais forte que eu, eu não conseguia controlar -mas suas forças estavam a esgotar-se- meu amor por vocês, foi... verdadeiro -um barulho vindo das máquinas ligadas em seu corpo interrompe a despedida sofrida, Santiago aparece e desliga as máquinas, verifica algumas coisas no paciente e antes que ele saia César diz:
-Fique perto deles... -o médico concorda com a cabeça e deixa-os a sós novamente.
-Bia... Me perdoe? Preciso disso...
-Não há o que perdoar, você me deu amor, alegria, um filho, um lar, o lar que perdi depois que minha mãe se foi, você é meu porto seguro.
Mas, é claro, não sei o quê, mas perdôo, eu te amo, e te amarei para sempre.
Laura chega acompanhada da enfermeira, dá um pequeno grito ao ver César daquela maneira.
-Bia, preciso falar com ela um instante, sozinho.
Antes que Beatriz reagisse ao estranho pedido a enfermeira conduziu-a até Santiago que esperava ao lado da porta, instintivamente ela pôs sua cabeça no ombro dele, sem conseguir entender o que se passava, porque deixar o marido sozinho com sua melhor amiga em seus últimos instantes? Mas lhe faltavam forças para protestar, reagir, ou para qualquer outra coisa.
Novamente pensava em seu piano alemão, seu pai lhe dera em seu aniversário de 8 anos, tinha um grande valor sentimental, era como se cada nota cantasse um trecho de sua vida, tantas lembranças, tantos momentos inesquecíveis...
O mais estranho era esse conforto que Santiago lhe transmitia, “nunca suportei-o!” -pensava envolvida em seu abraço, mas naquele momento o único lugar onde parecia haver um chão era perto dele, talvez por sua capacidade de consolar sem palavras que só fazem ferir e não trazem nenhuma paz ou alívio, por um instante chegou a pensar no que teria sido de sua vida se tivesse aceitado a proposta para desistir de César e casar-se com ele. “ora, que devaneio sem sentido!”-pensou repreendendo-se. Laura saiu e lançou um olhar pior que a censura que a própria Beatriz se impôs ao cogitar uma relação com Santiago.
-Bia! Disse em um tom repreensivo, ele está cada vez pior, acho que deveria ficar com ele.
-O que ele queria com você?
-Pedir para deixar tudo em ordem para você, não contou sobre Thiago? E também pediu para que te cuidasse, como você sempre fez comigo, vá, ele precisa que esteja com ele.
Ao entrar na sala só houve tempo para umas poucas palavras
-Eu te... te... -balbuciou César, que não teve tempo para completar sua frase.
-Doutor! Exclamou Irínia.
Santiago entrou, tirou Beatriz de lá, conduziu-a á uma pequena sala mostrando-lhe um divã onde ela desabou, seus olhos não se fechavam, olhavam para um ponto fixo, sua boca estava aberta e seu corpo congelado, tentando fingir que nada acontecera.
-Bia, disse ele sentando-se ao seu lado, não existiam chances de ele...
Mas ela interrompeu-o, erguendo o braço direito, sem dizer qualquer palavra, sentiu o calor das mãos de Santiago confortando as suas, em as mais preciosas palavras de conforto foram ditas em meio áquele silêncio.
[continua]