Clara - A Viagem - V

CAPITULO V

A VIAGEM

A turma de André ficou por mais alguns minutos calados ali no alto da colina. Não sabiam o que fazer. Enquanto isso Clara tentava se explicar.

- Vamos continuar do jeito que estar Ulisses, eu não quero me envolver assim tão rápido, sabe no inicio eu queria, eu estava animada, eu já sabia que você iria me pedir isso, mas, é que não sei o que aconteceu... Eu quero, mas não agora.

- Tudo bem Clara, eu vou procurar te entender.

- Não fica chateado não Ulisses, quando eu for me apaixonar, tenho certeza que vai ser por você, você é um cara totalmente completo, um sonho de toda garota.

- Não fala assim.

- É sério!

- E ai Ulisses! – Disse André que acabara de descer a colina – Clara você não me disse que vinha pra cá.

- Eu te falei que tinha um compromisso, mas não falei qual era – respondeu Clara.

- Bom, pelo o visto não vai dar para banhar né? – Disse Jackson que acabava que de chegar com o resto da turma.

- Nós já estamos de saída né Clara? – perguntou Ulisses meio nervoso

- Não! Meus amigos acabaram de chegar, porque eu iria sair? – Respondeu Clara.

- Vamos, digam pra gente, vocês estão namorando né? Não queremos atrapalhar a intimidade de vocês – perguntou Anderson em suave ironia.

- Sim estamos! – Disse Ulisses em tom soberbo interrompendo a resposta de Clara que ia saindo.

- Ulisses!? – Disse Clara.

- Clara pode ficar com seus amigos, depois nós se falamos – deu um beijo na boca – Tchau pessoal, até mais.

Pairou um silêncio arrepiante, Anderson encarava Clara com um olhar de quem foca a visão para montanhas no horizonte tentando avistar um pássaro. Ulisses todo desajeitado subiu a colina e logo após sumiu, depois de um tempo Anderson falou calmamente impaciente.

- Eu nunca pensei que você fosse ser tão fácil assim Clara, ainda mais pra esse tal de Ulisses.

- Anderson me respeite, o meu caso com o Ulisses é só... Ah, Eu não tenho razão nenhuma pra te dar satisfação da minha vida. Pior foi você que estava no maior amasso com a Vanessa, eu vi muito bem! O Ulisses iria me levar para casa qundo vi no carro dele lá estavam vocês dois.

- Então você viu?

- Claro! Todo mundo viu. Vocês fizeram questão que todo mundo visse. Só porque eu estava saindo com o Ulisses, você sentiu inveja e foi arranjar uma namoradinha – Disse Clara meio nervosa.

- Você mudou completamente desde que conheceu aquele cara, começou lendo aquele livro, se vestiu diferente, anda sem tempo, pergunte ao André...

André foi abrindo a boca para dizer algo, mas, Carlinha lhe tocou e fez um gesto dizendo que eles precisavam ter aquela conversa. Clara levanta a voz com agressividade:

- O que é que você ta pensando Anderson? Eu não posso mudar? Eu não posso me apaixonar por ninguém? E desde quando você começou a bancar meu pai?

- Porque você se tornou egoísta, sempre saiamos juntos e agora estar dando prioridades para outras coisas – Anderson passou a responder no mesmo tom que Clara.

- Quer dizer agora que eu sou egoísta? Foi por acaso eu quem conheceu uns amiguinhos e não lhes disse nada? Desde o inicio eu falei do Ulisses pra vocês, tentei mostrar o tanto que ele é gente fina.

- Você realmente não me entende né Clara? O tanto que eu faço e você nem diz nada, percebe nada... Fala nada...

- Claro!

- Eu nem sei ao certo quando, onde ou como comecei... A gostar de...

- Ah que Anderson? A gostar de mim?

- Sim... você sabia?

- Óbvio, eu não sou burra né Anderson!

- E porque você sempre me tratou daquele jeito? Eu sempre fiz tudo...

- Você fez coisas de mais, mas o que eu queria que você tivesse feito, não fez. Anderson mulher se importa com ações, mas com palavras também. Quer saber, eu também gostei ou gosto de você... Sei lá... Mas eu não vou esperar por alguém que não fala nada! Quantas vezes ficamos a sós e você nunca dizia nada, quantas vezes eu banquei a boba e você nunca percebia, passado algum tempo eu comecei a achar que nós nunca daríamos certo e a partir desse ano eu mudei, procurei me afastar de você e esquecer um pouco essa fixação, foi quando conheci Ulisses, achei que minha vida iria mudar... É tão simples para você...

- Clara, eu não sabia disso... Você sempre foi tão reservada qua nto a isso, agora que você falou, comecei a entender.

- Você só entende no ultimo momento, agora eu to sozinha, não consigo mas nem te olhar nos olhos direito, não consigo ter um relacionamento com outra pessoa, não consigo ser feliz... Mulheres sentem vontade de namorar desde os doze anos Anderson, vou fazer dezoito, você sabe o que são quase seis anos esperando – Clara começou a chorar – Eu não olhava para outro garoto, eu não me via com mais ninguém, eu cresci ao teu lado, eu não me achava em outro lugar – Clara se sentou no chão e começou a enxugar as lágrimas olhando para algum ponto no lago.

- Clara eu posso dizer o mesmo – Anderson chegou bem perto de Clara e se abaixou – Por alguma razão eu não tinha coragem, eu não tinha forças, eu não sabia me expressar, por muitas vezes eu comecei a falar mas, por alguma razão não saia nada.

- E eu me lembro de cada uma dessas vezes, de quando eu não sabia nadar e você me salvou, achei que você merecesse um beijo...

- Clara eu estou aqui, ainda dá tempo. Esse momento está sendo tão especial pra mim, ouvir isso de você me dá mais certeza de que você é a Clara que sempre foi e que eu sempre quis ter pra mim.

- Desculpa Anderson, agora não dá, não é que eu esteja rejeitando, até porque eu sei e sinto que serei feliz ao teu lado, mas é que eu não estou em condições de namorar ninguém agora, olha minha situação, o Ulisses é um cara quase perfeito, mas eu também disse pra ele que não estou disponível, entenda isso também.

- Ta certo, tudo bem, não vou insistir, você tem suas razões e eu tenho a vida toda para te esperar, como sempre te esperei – Anderson se levantou e andou rumo a colina.

Carlinha foi até onde Clara e ajudou a amiga levantar e tomou rumo a colina também. André, Jackson e Anderson iam na frente com uma distancia de trinta e cinco passos de Carlinha e Clara que estavam atrás. A viagem até a cidade foi demorada, todos davam passos extremamente lentos e ninguém dizia nenhuma palavra. Já na cidade, no cruzamento onde a turma se dividia todos disseram um simples tchau e Jackson falou baixinho para André: “Não ligue para ele, se for ligar que seja amanhã”. Depois de alguns passos Clara para, olha atrás e grita para Carlinha:

- Me liga Carlinha, por favor – e a amiga respondeu afirmativamente com a cabeça.

Carlinha não ligou para Clara no mesmo dia, mas no dia seguinte, depois do almoço o celular de Clara toca.

- Oi Carlinha, foi tão difícil.

- Eu sei que foi, mas você está se sentindo melhor né?

- Ah e como! Mas acho que não vamos ser como éramos antes.

- Claro que vai e você vai ser muito feliz com o Anderson né?

- Vou ?

- Claro, ou você está com a ideia estúpida de esquecer ele?

- Impossível esquecer ele Carlinha.

- Então, dá um tempo, esfria a cabeça, pensa na vida e no que você tem que fazer, estude pra sua recuperação de inglês que amanhã, fiquei sabendo... – Clara sorriu e ouviu o bater na porta do seu quarto.

- Ta certo amiga, agora eu tenho que desligar.

- Qualquer coisa me liga, tchau.

- Entra – Disse Clara.

- Oi minha filha, você ainda vai pra escola amanhã né?

- Infelizmente.

- Você não quer mesmo viajar nessas férias, estou te achando tão tristonha, precisa esfriar a cabeça.

- E mesmo, eu vou viajar mãe, pode preparar tudo e vai ser nessa quarta-feira.

Clara estava com o pensamento na cabeça de que fez a escolha certa em viajar, mandou um torpedo para Carlinha que a amiga acabou consentindo, mas teria que encarar Anderson na prova de inglês.

André não ligou pra Anderson fez melhor, foi até a casa dele e quando chegou ouviu gritos que dizia, “marginal, vagabundo, passa o dia inteiro fora de casa”. André tomou um susto, engoliu seco e gritou da porta da casa:

- Anderson, tudo bem? – o rapaz ouviu la no fundo, “Já estou indo”. Passado-se alguns minutos o rapaz aparece na porta.

- E ai André, meu tio todo dia chega em casa bêbado.

- E essas marcas no seu braço? Ele continua te batendo?

- É sempre a mesma coisa, mas to tranquilo ele já foi bem pior.

- Mesmo assim Anderson, você tem que fazer alguma coisa.

- Eu já estou fazendo...

- O que?

- Daqui uns dias tu vai ver. Mudando de assunto, eu to feliz, a Clara falou aquilo tudo pra mim, eu nem imaginava aquilo, foi tanta coisa, mesmo eu não estando com ela no final eu me sinto muito feliz.

- É, eu também me sentiria. Vai falar com ela amanhã?

- E eu vou ter cara para olhar ela amanhã?

- Não banque mais o idiota Anderson, num perde a garota não.

- Eu vou tentar.

Ulisses quis tentar ligar para Clara quatro ou cinco vezes, mas dona Clarice dizia que a filha estava no banho, tinha saído, estava dormindo a pedido da filha, a menina não queria em hipótese alguma falar com o rapaz.

Na segunda-feira, uma névoa densa cobria toda a cidade, o frio muito forte obrigou Clara e Anderson saírem bem empacotados de suas casas. Sem que o rapaz esperasse pela a menina, os dois passaram pelo o portão ao mesmo tempo e não disseram uma única palavra.

Chegaram exatamente na hora de fazer a prova, apenas os dois na sala e a professora, não disseram nada, Anderson terminou primeiro, saiu da sala e ficou do lado de fora criando coragem para falar com a menina. O resultado era imediato, Anderson passou e não fora diferente com Clara, quando a menina saiu da sala se deparou com Anderson olhando profundamente em seus olhos que disse:

- Oi Clara – A menina olhou para ele e disse, “Oi” e logo deu um passo como quem quer cortar a conversa, porém deu tempo de Anderson ver uma lágrima fria que escorria no seu rosto. Ela apressou os passos e foi rumo à saída. Aquela foi a ultima imagem que Anderson teve de Clara gravada em suas lembranças até que ela voltasse de viagem, para Clara foi diferente a ultima imagem dele foi quando ela saia de casa rumo à rodoviária e viu ele com sacolas de compras nas mãos.

Era Dezembro, e como não havia mais nada a estudar a não ser faculdade, Clara passou longos cinco meses fora de sua cidade natal, longe de Ulisses, longe de Anderson, longe de seus outros amigos e fez questão de cortar contato com todos eles, queria se ver livre de tudo por algum tempo, mas dentro de uma semana não resistiu ligou para Carlinha e André várias e várias vezes, Anderson, não teve coragem de ligar e nem ele também, mas em todas as ligações de Clara para seus amigos perguntava por ele, as vezes chorava mas se continha.

Por alguma razão Clara não quis se despedir de nenhum dos seus amigos antes de partir, todos ficaram sabendo por telefonemas com exceção de Anderson que recebeu um torpedo, torpedo esse que levou quase uma hora para Clara digitar. Naturalmente o restou da turma que ficou marcava programas para saírem, se divertirem, aproveitarem as férias. O lago Rare recebeu férias também, André e Anderson não se sentiam bem lá sem Clara, mas nesse período que ela estava longe a turma foi ainda umas três ou quatro vezes.

O casal de grupo e André já consideravam Anderson e Clara como namorados e uma vez ou outra brincavam disso com Anderson que o mesmo as vezes sorria, fantasiando e imaginando como seria. Os amigos faziam questão de dar a maior força para o rapaz, estavam crentes que quando Clara voltasse de viagem aceitaria Anderson como namorado tranquilamente e André e Carlinha quando falava com a menina por telefone faziam a mesma coisa também.

Dona Clarice se sentiu muito bem em sua filha ter viajado, pois sabia muito bem que sua filha não estava muito bem em seus relacionamentos, a mãe de Clara era já de idade e não se sentia bem ao falar desses assuntos com a filha, mas sabia de tudo que acontecia com ela. Clara em casa era muito transparente, sua mãe percebia tudo e quando dona Clarice queria saber de algo mais em quatro minutos conversando com a filha descobria tudo. Ulisses já não servia mais de auxilio, Carlinha havia ocupado esse espaço tornando assim uma linda e forte amizade entre ela e Clara. Ulisses já era adulto entendia perfeitamente que estava perdendo Clara, ligava várias vezes para o celular de Clara e quase sempre dava em caixa postal, quando não a menina atendia, dizia que o sinal tava fraco ou que a bateria estava acabando e evitava conversas com Ulisses. Nesse quesito Ulisses foi sutilmente enganado por Clara.

Jackson havia sido contratado por uma grande usina e ocupou um grande cargo na empresa trazendo assim a alegria de Carlinha e abrindo os horizontes dos dois, por conta do trabalho acabou se afastando mais do grupo, tomou postura mais madura e adquiriu um ar de compromisso e seriedade.

Carlinha, André e Anderson se matricularam em um cursinho pré-vestibular, não tanto por causa do curso e mais pelo o motivo de estarem juntos, com Clara viajando e Jackson muito ocupado no trabalho, o trio dinâmico tem agora nova formação. Se davam bem tanto quanto quando Clara estava no meio e uns chegaram até falar que Carlinha ficou no lugar de Clara.

No primeiro dia, para a surpresa de todos, Vanessa estava lá, mais linda que antes, esbanjava beleza aos montes e fez que nem conhecia os meninos. Na hora do intervalo Anderson foi falar com ela:

- Oi Vanessa, tudo bom?

- Ah... Oi Anderson, tudo ótimo e você? Ai que bom que tenho conhecidos aqui.

- É sempre bom. Vanessa, nós nunca mais falamos depois daquele dia, eu queria dizer que...

- Anderson já passou, não se preocupe, seremos amigos.

E foi o que aconteceu, Vanessa acabou se juntando ao trio, todos se tornaram grandes amigos, em uma ocasião Vanessa também conheceu o Rare, um episódio extremamente estranho e inexplicável que vou relatar nos próximos capítulos. Foram seis meses muitíssimo divertidos para os quatro e romântico para dois dali. Seis meses de curso, período de rápidas mudanças e a maturidade já era mais visível.

Certa vez, Ulisses foi falar com dona Clarice.

- Por favor dona Clarice, é muito importante pra mim.

- Mas ela pediu que eu não eu não desse pra ninguém o telefone ou endereço.

- Não vou ir atrás dela, só quero apenas mandar um presente, só isso dona Clarice, tenho certeza que sua filha não vai se chatear.

- Tudo bem, espere vou anotar o endereço.

E saiu Ulisses feliz, saltitante da casa de Clara, pensou consigo. “Clara vai adorar esse presente”. Foi diretamente ao correio, já havia preparado uma embalagem toda personalizada para o tal presente, só precisava pôr o destinatário e selar.

Quando Clara recebe de dona Aurora, sua tia, o pacote, toma um susto ao ver o remetente e começa a rasgar o embrulho de uma maneira quase desesperadora. Era um pacote pequeno enrolado num papel de presente vermelho, não havia cartão algum no primeiro embrulho, o segundo embrulho escondia o terceiro que escondia o quarto e depois de cinco embrulhos finalmente Clara viu um livro no meio de pétalas de rosas amassadas, o livro estava de costas e quando virou para ver a capa leu em voz alta e trêmula: “Apaixonando você outra vez”. O coração da garota passou a bater ligeiramente forte, pela a capa e pelo nome do livro deu para entender que era a continuação do livro que ela havia pegado emprestado ano passado na biblioteca da escola. Não foi nada difícil para Clara entender as intenções de Ulisses.

Anderson nem imaginava que Ulisses ainda estava investindo em Clara, havia se esquecido completamente do episódio e estava na fraca esperança que ainda seria feliz com ela, praticamente todo dia, quanto não toda hora, pensava no que ela tinha dito pra ele em frente ao lago naquele dia, foi algo muito marcante para Anderson, as palavras de Clara foi um susto para todos que estavam ali.

Foi numa noite de sexta feira, quando Anderson chegou em casa, achou que fosse morrer, seu tio sabia que ele chegava tarde porque fazia curso, mas não gostava da ideia, ele simplesmente estava com fome e não tinha nada preparado para comer. E começou os insultos.

- Seu marginal vagabundo, não faz nada dessa vida – Disse de forma agressiva o tio do rapaz.

- Mas tio, eu estava no curso, é horário noturno e eu disse pro senhor que ia chegar tarde.

- Curso esse que sou eu quem paga – deu um gole numa garrafa de vinho que segurava – Cale boca, você não tem direito de falar nada.

- Sou eu quem paga tudo aqui, você só me serve pra dar despesas, eu só gasto contigo seu vagabundo – e continuou Sr. Tito – Eu agora cheguei com fome em casa e não tem nada pra comer aqui nesse chiqueiro, nem a casa você serve pra arrumar.

- Tio, mas eu deixei tudo arrumado antes de ir...

- Cale a boca, você não pode falar nada.

E Anderson apanha mais outra vez de seu tio, o rapaz nem tenta se defender porque já sabe que não iria conseguir, seu tio ja era mestre de obras, mas havia trabalhado muitos anos de pedreiro e adquiriu uma força considerável. Seu tio não estava de sinto, já havia preparado uma corda e Anderson levou umas boas dezessete lapadas em suas costas, ombros, pescoço e pernas, no final seu tio gritou no seu ouvido dizendo que ele era um vagabundo e mordeu a orelha do rapaz com tanta força que escorreu sangue pelo o seu pescoço e concluiu dizendo:

- Isso aqui moleque é para você lembrar que sou eu quem manda aqui, que põe tudo dentro de casa, que pago suas coisas, que te dou tudo.

O rapaz ficou ali jogado no chão da sala, em cima de um carpete que cobria o chão a uns dois passos da entrada da cozinha, a luz da sala estava apagada, somente a luz da cozinha estava acesa. Chorou por alguns minutos, se levantou e foi tomar banho, pois ele achava que o banho ajudava a esquecer um pouco, depois do banho se deitou e dormiu.

Ele havia se acostumado com essa vida, acreditava que essa era a sua sorte e procurava entender da melhor forma possível – se é que existia – tudo isso que vivia. Antes de dormir pensou que isso tudo estaria acabando, logo estaria numa faculdade e depois conseguiria um bom emprego, se casaria, compraria uma casa e seria feliz longe de seu tio.

Por mais que Anderson estivesse acostumado com as surras que levava regularmente do seu tio, duas coisas havia marcado muito aquela noite a primeira era a mordida na orelha e a segunda foram as palavras, ser chamado de marginal, moleque e verme era normal pra ele, cresceu ouvindo isso, mas ser chamado de vagabundo e que só servia para dar despesas começou a soar diferente para Anderson, de certa forma começou a magoar.

No dia seguinte acordou bem cedo, arrumou toda a casa, foi a feira comprou o que precisava, passou em um posto de saúde para fazer um curativo na orelha, chegando lá perguntaram para Anderson o que tinha acontecido, ele respondeu que estava brincando com uma criança que acabou se descuidando, óbvio que ninguém do posto médico acreditou, as enfermeiras acreditaram que fosse briga de vale-tudo. Com a orelha feita um curativo voltou para a casa e preparou o café da manhã para seu tio, trocou a roupa por uma mais formal e saiu de casa rumo à siderúrgica Metalvorada onde Jackson trabalhava, ficava quase fora da cidade, pegou um ônibus e em uma hora chegou.

- Por favor, queria falar com o Jackson – Disse Anderson a recepcionista.

- Seu nome por gentileza.

- Anderson.

Enquanto o rapaz aguardava olhava para o piso todo de mármore, as portas de vidro fumê, sentia o clima refrigerado, olhou para cima e notou que o prédio era vastamente aberto no centro e ao redor possuía várias salas distribuídas em vários andares, ao tentar conferir os andares foi interrompido pela a recepcionista.

- Senhor Anderson, o senhor Jackson está lhe esperando, por favor siga para o terceiro andar usando o elevador B, a segunda porta a esquerda é a sala dele.

- Tudo bem, obrigado – Disse Anderson.

O percurso até sala de Jackson foi enorme, para Anderson deveria ter durado uns vinte minutos quando na verdade durou quatro. Ele não cansava de olhar e olhar. No terceiro andar localizou a segunda porta da esquerda parou e olhou para a porta que tinha escrito, “Fisco II – Jackson B. Maltez” enquanto o rapaz tentava entender o que significava fisco, Jackson o viu pelo vidro fumê da porta e foi chamar Anderson.

- E ai Anderson, tudo bom? Aonde foi que eu errei? As únicas pessoas que entram por essa porta é pra me dizer aonde eu errei.

- Não – Disse Anderson sorrindo – Você não errou em nada.

- O que foi isso em sua orelha?

- A filha de um vizinho, estava brincando e ela mordeu, eu me descuidei, mas isso não é nada.

- Que coisa. Entre, sente-se, tu teve sorte, eu hoje estou em um dia tranquilo, às vezes não posso nem receber as pessoas aqui só de tanto trabalho que tem pra fazer.

- É justamente isso Jackson que vim falar com você. Trabalho.

- Você veio atrás de emprego, é isso?

- Exatamente, vou fazer vinte anos e preciso trabalhar.

- Sei como é. Cadê seu currículo?

- Ah eu esqueci, me desculpe.

- Não se preocupe, vamos fazer um agora.

Jackson foi perguntando alguns dados para Anderson e foi criando ali o primeiro currículo do rapaz, depois de alguns minutos Jackson imprime ali mesmo e pede para Anderson assinar.

- Agora sim você ir por ai procurando emprego. Olha Anderson, não vou te prometer nada, eu não sou o dono da Metalvorada e nem chefe do RH, o que eu posso fazer é encaminhar teu currículo e anexar uma recomendação minha nele.

- Tudo bem Jackson, você já fez de mais até.

- Agora não é querendo ser grosso, mas eu to cheio de coisas pra fazer aqui, a não ser que tu queira ficar ai sentado.

- Não se preocupe, já estou indo e mais uma vez obrigado.

André saiu dali meio triste, pegou o ônibus para casa e começou a refletir na vida, na necessidade que ela estava tendo de ter um emprego. Sua orelha doeu muito no caminho e fez sentiu muita raiva do seu tio, naturalmente, a atitude do tio tinha sido selvagem.

Chegando em seu bairro foi diretamente ao posto médico trocar o curativo, logo em seguida foi a escola pegar seus documentos de conclusão de ensino médio e lá aproveitou para pedir uma coisa.

- Eu queria falar com diretora Suellen, por favor – Disse Anderson a secretária.

- Dona Suellen tem um aluno querendo falar com a senhora – falou a secretaria ao telefone.

- Pode entrar por aquela porta – continuou a secretária falando e apontando para a esquerda. Entrando na sala a diretora logo o reconheceu.

- Bom dia Anderson, tudo bom?

- Sim diretora, graças a Deus.

- Diga, o que veio fazer aqui?

- Diretora sabe o Ulisses que trabalha aqui?

- Sim, sei, prossiga.

- Ele terminou os estudos e no ano seguinte começou logo a trabalhar aqui. Como a senhora sabe eu terminei os estudos agora e eu estou em casa livre o dia todo e é importante que as pessoas tenham alguma ocupação e...

- E você quer trabalhar não é isso? – Disse a diretora interrompendo.

- Exatamente diretora.

- Você tem muita sorte Anderson, eu abri uma vaga de estágio hoje, a diretoria da escola mudou o cargo do Ulisses e precisamos de alguém pra ficar no lugar dele e então abrimos uma vaga para que a pessoa possa aprender e futuramente estar efetivando contrato. E eu vejo em você tudo para dar certo.

-- Claro, e quando posso começar?

- Vou pedir que você aguarde, eu sou diretora mas todo assunto é passado pelo o conselho da escola, tenho seu telefone aqui em seus registros te ligo ainda essa semana informando algo.

- Tudo bem diretora, vou aguardar, muito obrigado por tudo, tchau.

Anderson foi para casa desmotivado, estava achando que não conseguiria emprego em lugar nenhum e a ideia de ter que trabalhar no mesmo ambiente que Ulisses nem passou pela a sua cabeça, mas depois de já ter pedido o emprego não podia voltar atrás.

Aquela semana foi muito demorada para Anderson, ele teve sorte que nessa semana seu tio havia iniciado uma obra de reforma em uma empresa e parou de beber, evidentemente parou de bater no pobre rapaz.

Já fazia dois meses que Clara tinha viajado e para os seus amigos tinha passado uma eternidade, Carlinha sentia uma saudade que a fazia chorar, Anderson não parava de falar dela em momento algum e André sempre fazia piadas sobre Anderson e seu casamento com Clara. No cursinho pré-vestibular que faziam a noite era uma brincadeira sem fim, dava mais trabalho para os professores do que quando era no ensino médio, assim disse professora Aline que foi a única professora dos meninos que dava aulas ali no cursinho.

Laercio Miranda
Enviado por Laercio Miranda em 12/05/2011
Código do texto: T2965695
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