o morcego gigante

Próximo a serra do Aruana existe uma caverna bem no alto, lugar onde antigamente havia muitos ossos de animais inclusive de gente. Em uma maloca que tinha ali perto todos viviam bem, até o dia quando começaram a desaparecer os cães da maloca... Era um mistério como esses bichos desapareciam, todos pensavam que era uma enorme "Kaukushi" (onça)que estava comendo os bichos.

Certa noite um curumim saiu no terreiro da maloca para urinar. Quando estava bem distraído mijando no canto da casa, ouviu um "arremeraka" cão choramingar, no instante que se virou, viu um enorme morcego pegar o cão magrelo que estava ali roendo um pedaço de couro velho... O vento produzido pelas asas do morcego mexeu com o cabelo do curumim e a palha das casas. O cão deixou cair o pedaço de couro que roía e desapareceu choramingando naquela escuridão. Com muito medo o caboquinho foi correndo contar para o seu pai que era o tuxaua da maloca.

De manhã o tuxaua chamou Pereira que era pajé e lhe contou o que o menino viu a noite. Perreira foi pegar galhos de Erêbatana uma arvore do lavrado com poderes mágicos “ foi bater folha com os espíritos" (ritual ancestral dos xamãs) para entrar em contato com os espíritos... soprou tabaco e Incorporou o espírito do kaikushi, da pedra que fala e da Maikan. Esses espíritos lhes apontaram uma solução, o pessoal ali teria que enviar alguém para o sacrifício, alguém para o morcego levar, antes que acabassem os cães da maloca e o monstro começasse a pegar as crianças... È claro, todos ficaram assustados com aquela solução.

No meio de um grande bate-boca uma vovó bem velhinha se ofereceu para o tal sacrifício, todos, sem exceção apoiaram a iniciativa da vovó, ser levada e devorada pelo morcego gigante... Resolveram que a colocariam no terreiro da maloca e lhe dariam uma pequena cabaça com “Cunani” (veneno) quando o morcego a levasse para sua toca, ela tomaria o veneno o morcego a devoraria e ambos morreriam envenenados. Tudo acertado resolveram botar a coisa pra funcionar.

O menino que havia visto o morcego pegar o cão, sabendo do sacrifício da vovó resolveu avisar o único neto da velhinha que estava Na pega de cavalos lavradeiros (animais introduzidos em Roraima a mais de 200 anos) ele estava para as bandas do Maruai região das serras um pouco longe dali.

O curumim montou em um lavradeiro saiu na disparada até chegar onde o neto da velha se encontrava. Seu nome era Damião, um cabôco muito valente, quando ele soube do ocorrido disse: Esse bicho não vai comer minha go´go não... Pulou em seu lavradeiro e veio galopando no pelo, parecia um centauro (ser da mitologia grega, meio homem meio cavalo) na maloca ele chegou já de tardinha foi direto conversar com a vovó. A velha estava irredutível, ela disse que ele não podia ir contra os sonhos do pajé no qual os espíritos ancestrais disseram que alguém tinha que se sacrificar pelas crianças. Disse também já ter vivido muito estava cansada e queria se encontrar com os parentes que já se foram...

O jovem resolveu então não contrariar sua vó, mas prometeu a si, iria tentar matar o tal morcego gigante.

Para isso começou com os preparativos, antes do anoitecer, foi num lago próximo e arrancou umas varas de flecheira, depois amolou bem sua faca feita de osso da canela de veado (na época não tinha faca de metal), quebrou ossos secos para fazer as pontas das flechas e as envenenou com Cunani-coera (veneno Velho) muito perigoso...

Deixou seu lavradeiro descansando na sombra de um caimbé grosso... Ficou esperando a noite cair, pegou um galho de murici (arvore arbustiva do lavrado) botou para queimar, quando uma parte virou brasa, ele pegou o galho e amarrou o pedaço que não tinha queimado com uma corda feita de fibra de olho de buritizeiro, depois com a outra ponta da corda foi bem devagarzinho e atou na canela da vovozinha que estava cochilando sentada no terreiro.

Depois disso ele esperou... Esperou... Esperou... Até adormecer, sentado no canto de uma das casas da maloca, com a cabeça sob os joelhos. Acordou no meio da noite com o grito da velhinha sendo carregado pelo morcego, o vento das asas do morcego fez o seu cabelo mexer, ele percebeu que o bicho realmente era grande. Sem pestanejar o cabôco pulou no lombo do seu lavradeiro desceu-lhe o rebenque (chicote) o bicho deu uma relinchada e saiu na disparada na direção que o seu dono aprumava, seguindo a brasa do murici que lá no alto soltava faísca, demonstrando ser um ótimo sinalizador.

Galopando no meio daquela escuridão o cabôco Damião passava por dentro de igarapé seco, por baixo de Caimbé, Paricarãna, manga braba, Aroera, (arvores típicas do lavrado) não queria nem saber, seguia a brasa sem piscar, sem se importar com as lapadas de galhos que levava pela cara. Com o cavalo já perdendo a força chegou ao pé da serra.

À brasa desapareceu no alto da serra, o cabôco largou seu cavalo acreditando que o morcego havia entrado em um buraco, então começou a subir rápido pelas pedras, deu muitas tropeçadas perdendo algumas unhas do pé, não sentia dor, estava de sangue quente.

Quando atingiu a boca da caverna só enxergou a brasa no chão, ouvia bem os gritos de sua vó. O morcego atacava à velhinha mordendo-lhe a cabeça, ela se protegia erguendo sobre a cabeça seus fracos bracinhos. Damião precisou ter sangue frio e esperar alguns segundos até seus olhos se acostumarem com a escuridão e com a pouca luz que a brasa emitia.

Ele então tencionou o arco, deu um passo para frente, nesse momento sentiu seus pés esmagarem algo, fez um barulho seco, era a pequena cabaça com veneno que a vovó havia deixado cair, nesse momento do barulho da cabaça sendo esmagado, o morcego volta sua atenção para o cabôco, em uma ação instintiva voou em direção a saída, o jovem dispara sua seta atingindo uma das asas do animal.

O impacto da flecha fez com que o animal atingido viesse pra cima do Damião, esse por reflexo se agarrou com o bicho, os dois rolaram numa briga infernal, o morcego dava-lhe mordidas e arranhões com suas enormes garras enquanto o jovem cabôco descia-lhe o osso afiado (facada), depois de muita luta o morcego não resistiu e morreu, o jovem ficou bastante ferido, mesmo assim conseguiu resgatar sua vó, colocou-a nas costas, decepou uma das asas do morcego e trouxe como troféu, quando chegou à maloca virou herói, e a serra ficou conhecida como a serra do morcego gigante, segundo os mais antigos em cima dela tem uma gruta cheia de ossos de vários animais inclusive gente...

Baseada na Lenda da Zarabatana cooptada pelo saudoso prof. Dorval de Magalhães.

Lulajungle
Enviado por Lulajungle em 07/05/2011
Reeditado em 17/05/2015
Código do texto: T2955940
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.