2° capitulo. Tudo. Pronome indefinido.
-Eu vi senhor André...
Descendo a rua escura de nossa casa, meu tio disse. Como já tínhamos passado da casa de Jarbas os únicos na rua, além de nós, era um casal de namorados felizes a alguns passos atrás.
-Viu o que? Naquele momento estava distante com meus pensamentos, mas mesmo não prestando muita atenção eu sabia do que ele falava.
- Os seus olhares para a menina.
A menina. Gabriella era seu nome. Tinha escutado a mãe chamar logo depois de ter nos mostrado o que queria no cômodo branco e vazio. Depois daquele “momento” na sala, não tinha mais a encontrado. Uns vinte minutos após começarmos a lixar a parede esquerda, ela saiu dizendo ir se encontrar com uma tal Rafa.
Passei o dia com aquela garota na cabeça. Não sabia o porquê. Talvez pelos olhos verdes ou o cabelo preto. Quem sabe o pequeno piercing no nariz ou o jeito de sentar inocente. Eu não conseguia entender. Ela tinha algo que prendia a minha atenção, aquele jeito de menina mas ao mesmo tempo mulher... E agora você me pergunta como seu disso se não trocamos nenhuma palavra e ficamos apenas alguns minutos no mesmo cômodo. Eu não sabia. Era uma coisa que eu sentia, uma coisa que somente Gabriela transmitia.
-Olhares tio?! Eu nem se quer percebi a garota... Encarando a grade verde de um portão, falei com descaso. Aquilo era estranho demais para compartilhar com qualquer pessoa.
-Sei, sei. Mesmo sem olhá-lo, sabia que não tinha acreditado. Mais de 20 anos de convivência e tio Julio não caia mais nas minhas mentiras. –Só não se meta em problemas André.
Eu sabia que ele estava certo. Mas na verdade eu não queria nada com aquela menina. Minhas responsabilidades e preocupações já eram grandes o suficiente para aquilo. Pensei em dizer isso, mas ele já tinha mudado de assunto antes de eu abrir a boca.
-O que achou do trabalho hoje?
-Nada que possa matar ainda. Nos dois rimos e eu completei. –Me lembrei da época em que eu ia de ajudante com você e o p...
Não completei a frase. Mesmo tendo passado um ano, tio Julio ainda não estava conformado. Como já estávamos na frente de nosso portão, peguei a chave em minha bolsa.
-Amanhã no mesmo horário? Disse dando passagem para ele passar.
Ele segurou meu ombro e sorriu.
-Mesma hora e mesmo lugar. Boa noite André.
Enquanto passava o cadeado no portão o vi dando a volta na casa. Tio Julio dividia o lote conosco. Morava em quatro cômodos nos fundos, como não era casado e nem tinha a pretensão de fazê-lo, a casa era perfeita. “Sou moço tão novo. Casar pra quê?” Dizia ele sempre que era questionado sobre um casamento.
Eu não entendia essa versão a casamento de meu tio. Será que em um daqueles frios de madrugada ele nunca procurava um pé quente para encostar? Eu mesmo sendo menino e carregando o peso que homem tem que ser grosso, me perguntava sempre que esse era o foco da conversa. Tinha tido duas namoradas em minha vida e com a última cheguei realmente a planejar casamento. Patrícia era ela. Era uma daquelas mulheres feita sob medida, nos dávamos muito bem. Até descobrir que ele me traiu cinco dos sete meses que ficamos juntos.
“Idiota” Eu ria da minha própria ingenuidade trancando a porta. “Talvez tio Julio estivesse mesmo certo com todo esse pavor de casamento”. Coloquei minha mochila em um canto e fui direto para o banho. Estava quebrado e a única coisa que meu corpo pedia era cama.
- André. Minha mãe entrou no quarto pouco depois de eu vestir a calça e me preparar para dormir. Como foi o trabalho filho?
-Foi bom mãe. Nada de anormal.
Enquanto ela se aproximava da cama eu olhei aquela mulher. Com pouco mais de 45 anos minha mãe conservava os longos e lisos cabelos castanhos. Os olhos pretos eram contornados por algumas rugas, mas nada impedia que continuassem com um brilho, que desde menino eu gostava de parar e observar.
-Você tem certeza que pretende continuar trabalhando com seu tio, Drico? Ela falou com a voz mansa. –Você podia voltar pra faculdade. E você tem o curso de inglês...
-Mãe eu já disse que não tem como eu fazer isso agora. Ela tinha começado com o assunto novamente. Minha mãe não aceitava o fato de eu ter trancado a faculdade para trabalhar. Ao contrario do meu pai, ela acreditava em um futuro melhor com base nos estudos. – E quando eu arrumar um emprego onde o cursinho de inglês valha, eu prometo que troco.
Sorri e fui retribuído com um abraço.
-Tudo bem Drico. Eu confio em você.
Ela saiu andando e antes de chegar à porta eu a chamei.
- Mãe só mais uma coisa. Não me chama mais de Drico.
Com um dos sorrisos mais doces ela respondeu.
-Pode deixar Senhor André Camargo. Ela segurou a porta. Boa noite filho.
-Boa noite mãe. Enquanto via as luzes da sala e cozinha sendo apagadas, me virei tentando dormir. E quando finalmente meu corpo se entregou, um par de grandes olhos verdes invadiu meus sonhos.