O dia que eu conhecer meu vizinho. Parte 2.
Música – Nature Boy – Moulin Rouge – Tradução
Existiu um garoto
Um garoto muito estranho, encantado
Dizem que ele pensava muito longe, muito longe
Além da terra e do mar
Um pouco tímido e com olhos tristes
Mas muito sábio ele era
E então um dia
Um mágico dia, ele passou no meu caminho
E enquanto conversávamos sobre muitas coisas
Tolos e reis
Ele me disse isso:
A coisa mais importante que você irá aprender é amar, e em troca amado ser.
Mais um dia começou, mais um em que abri meus olhos e percebi que o mundo não acabou. Sempre achei que se findaria enquanto durmo, para mim ou para todos. O dia em que continuaria dormindo, deitado inerte com os lábios frios sobre a cama esperando por uma princesa que não viria, pois contos de fada não existem.
A cada dia fica pior agüentar a vida mentirosa onde nem meu nome é realmente meu. Dylan, um nome dado por Greg, o monstro insensível ao qual eu chamo de pai. Diferente das outras crianças, quando perguntei de onde eu vim recebi a seguinte resposta.
– Você veio de gente irresponsável que aumenta uma estatística vergonhosa e afunda esse país gerando gente fraca. Sorte sua ter os olhos, os cabelos e trejeitos do tipo de filho que teria com Lílian, sua mãe adotiva.
Típica resposta de um cientista mesquinho que só liga para suas experiências. Um cara louco que adotou uma criança por achar que seria parecida com um filho que ele teria com uma mulher morta que sequer foi sua de verdade, pois se casou com o seu melhor amigo e foi embora. Talvez não tenha suportado perder o amigo, a amada e resolveu descontar num ser indefeso sempre contando como ela era especial e como Alan a roubou sem consideração pela amizade.
Mas não é que agora Greg inventou que nos mudaríamos, e cá estamos nós do outro lado da cidade numa casa enorme, logo ele que odeia esbanjar, o dono da praticidade ostentando um lugar que dá pra se perder dentro. O cara anda feliz e justificou que era porque tinha feito as pazes com Alan. Ele e a filha viriam morar na casa ao lado da nossa, comprada exclusivamente pra eles. Algo não cheirava bem, a casa era muito menor que a nossa. “Papai Querido” nunca deu ponto sem nó, deve ter acontecido um acidente muito sério com ele no laboratório pra mudá-lo desse jeito. Eu temo por esses coitados que não sabem onde estão se metendo.
O pior foi que Greg praticamente me obrigou a fazer companhia pra filhinha caipira do Alan, acho que se chama Pan. Imagine só, uma virgenzinha inocente atrapalhando meus planos de sobrevivência nessa selva cruel onde vivem as feras mais sórdidas tentando matar umas as outras diariamente. Ela não durará nem cinco minutos, mas sinceramente não é problema meu!
Já tenho trabalho demais para extrair Greg da minha mente e não enlouquecer com seus jogos psicológicos. Seria a vitória pra ele. Ir ao São Pitombas e fazer uma personagem convincente, interessante o bastante para que todos comprem e queiram mais dele no próximo dia.
Porém não será fácil ignorá-la, pois percebi que ela está lá fora me olhando nesse momento, como fez nas outras noites e dias desde que chegou aqui. Pareço uma fixação para a garota que não é de se jogar fora, mas vinda de alguma coisa Falls será muito feio quando ela cair e eu não quero estar por perto quando isso acontecer. Não quero ver nem ter nada a ver com isso, só que quando se relacionam com Greg isso é tudo que se pode ganhar.
Eu quase sinto o perfume trazido no vento, o toque de suas mãos, o olhar se aprofundando, deleitando-se sobre mim, me despindo numa curiosidade insana, amargurada, quem sabe apaixonada. Tudo é tão louco, como posso sentir isso? É melhor parar por aqui.
Ainda bem que não há fotos na casa, pois a mudança não chegou, peguei as poucas que tenho e o exemplo de pai não tem nenhuma. Na internet será impossível, apaguei todas. Nunca fui fotogênico e agora estou tirando vantagem disso. Inacreditável, a vida nos faz se gabar de cada coisa!
Sempre que vou ao colégio Pan está me esperando na janela de seu quarto, espiando vigilante. Tem sido uma maratona me safar dessa menina saindo cada vez mais cedo, pelos fundos, pulando o muro, brigando com Greg para não fazer o jogo dele. Finalmente arranjei uma solução um pouco duradora para o problema, estou indo viajar com a turma do colégio e só voltarei daqui a dois meses. Por incrível que pareça não há movimentos na janela, é a minha hora, é agora ou nunca.
Desci a rua em disparado e peguei um táxi rumo à marina de onde a balsa sairia, as pessoas não chegavam logo e amanhecia depressa, logo ela viria, sabia que viria, podia sentir e definitivamente essa sensação me assustava. Algo aconteceu, pois mesmo demorando conseguimos partir sem sua presença. Estaria tranqüilo sem Pan nem Greg por um tempo, porém enfrentava minha personagem de ban-ban-ban do colégio e seria por mais tempo. Afinal não se pode ter tudo, não é?
Enquanto a balsa se afastava minha curiosidade aguçava pensando porque ela não veio? Estava tão acostumado a tê-la me perseguindo esses dias que estranhamente sentia falta. Logo a resposta apareceu, montada numa bicicleta, esbaforida conversando com o diretor. Foi tudo que vi. Depois perdi o foco com a distância. Voltei meus olhos para a balsa e concentrei-me no papel a interpretar. Eram tantos garotos e garotas na platéia, porém tenho uma vantagem. Eles acham que podem me descrever como a um sorvete, enquanto eu mesmo me pergunto todos os dias.
– Quem é você Dylan?