O dia que eu conhecer meu vizinho.
Era uma vez, porque assim começam as histórias sem nexo de realidade dois super amigos que compartilhavam tudo e jamais pensaram em se separar, planejando morarem lado a lado como vizinhos, com filhos e mulheres que seriam os melhores amigos tanto quanto eles e vivessem juntos para sempre formando uma grande família.
Porém sonhos juvenis nem sempre se realizam e uma garota acabou separando-os. O que ficou com a moça desistiu dos planos de riqueza com o amigo e acabou tendo uma filha inesperadamente, se casando e saindo da faculdade. O outro, com raiva, prosseguiu mais pela vingança do que pelo prazer e acabou milionário descobrindo avanços no campo da medicina, porém ele era sozinho até que apareceu com um filho misterioso.
Mas eu não fazia idéia que esse conto que não deu certo e parecia acabado há tantos anos voltaria para mudar de vez a minha vida, pois o cara que ganhou a garota se chama Alan e é meu pai, a moça já morreu, era minha mãe Lilian e do rapaz que ficou na faculdade eu não sábia nada, nem do seu nome e nem dessa história até contá-la.
Ela começou de verdade quando meu pai recebeu uma carta desse amigo que não falava com ele desde que eu nasci. Nela o homem o perdoava, lamentava a morte de minha mãe e o convidava a uma nova oportunidade de reviver os velhos planos. O velho remoçou de imediato e após me convencer (com uma chantagem básica) começamos os preparativos para a mudança, ficaríamos na casa vizinha, já comprada por ele e oferecida pra nós.
Na minha cidade, River Falls todo mundo me conhecia e gostava do meu jeito espevitado e irônico com qualquer assunto, a vida era boa e jamais me passou pela cabeça deixar meu espacinho de mundo nas montanhas para viver numa metrópole cheia de violência e gente falsa, pois era exatamente essa a imagem que eu tinha quando via na TV e os que viajavam contavam ao chegar. Tentei me fazer de alegre, vivendo o sonho com o querido Alan, mas por dentro estava ansiosa e morrendo de medo.
Antes de irmos fizeram uma festa pra nós. Uma quermesse com barraquinhas, danças, brinquedos, fogos e muitos comes e bebes. Eles erraram em fazê-la ou havia sido propositalmente por que depois disso, minha vontade era de fugir e ficar.
Juro que estava tentando curtir tudo, mas não dava, pois me lembrava que de manhã eu seria jogada aos leões porque meu pai tinha tido uma crise adolescente. O pior é que apoiei! Onde estava com a cabeça!
Pensava nisso quando me afastei da festa sem perceber, indo parar num local reservado, escuro no meio da mata fria de árvores assustadoras, me perguntando como cheguei alí. Foi aí que uma cigana saindo de sua charrete amuada numa caverna próxima me pegou pelo braço e me arrastou no susto pra dentro dela. Eu tentava fugir, mas a mulher era mais forte que parecia e torcia meu pulso com força. Achei que ela iria me levar embora como naquelas lendas antigas, porém ela me sentou e ofereceu um chá que por motivos de segurança achei melhor devolvê-lo a natureza. A mulher horrenda então pegou a minha mão, abriu e começou a ler, dizendo.
– Você não acredita no amor, mas a nova terra lhe dará a confiança necessária para conhecê-lo sem conhecer, vê-lo sem o ver e antes que o futuro chegue o presente o colocará em seu caminho. Menina, você é especial, pois poucos podem enxergar o futuro para escolher vivê-lo. – terminou a mulher, fechando minha mão e indo buscar um gambá e um punhal, achei que era para degolá-lo e não querendo ver aquela cena fugi pela floresta com todo o fôlego que tinha.
Demorei, mas encontrei de novo o caminho da quermesse e quando cheguei pude notar que todos procuravam a Pan doida. Voltei pronta para levar uma bronca daquelas, entretanto meu pai e o resto do povo se aliviaram com meu retorno e a noite deu-se por encerrada.
De manhã o inevitável aconteceu e só lembro-me da montanha ficando pra trás enquanto pegávamos a estrada rumo à cidade grande. Meus olhos ficaram fechados grande parte da viagem para não verterem água e abriram-se em frente a casa que nos foi prometida. Na frente dela estava o mui amigo causador de tudo, sorrindo de braços abertos ao ver meu pai.
– Alan! – gritou com a mesma vibração que devia ter antigamente.
Contudo eu pensava se na verdade o cara não queria era se vingar e montou esse circo por falta de coisa melhor pra fazer.
Percebi que a diferença entre as casas condiziam bem com nossos níveis sociais, pois nossa casa toda devia ser do tamanho do banheiro da casa dele. Meu pai não notou nada na empolgação, precisava ficar de olho nessa hipnose instantânea que Greg surtia nele. Teria sido assim no passado, me perguntava.
Talvez fosse coisa de família ou praga da cigana por eu não ter esperado a execução do bicho, o fato é que também achei rapidamente minha obsessão na casa ao lado.
Logo à noite, com o ascender das luzes e as sombras na janela, olhei para fora, bem pra longe da minha casinha e a visão estava diante de mim. Numa das janelas do casarão que eu chamava de castelo. Sua silhueta demarcava as formas que ganhavam perfeição por entre as cortinas que voavam no vento e pareciam trazê-lo mais pra perto. Achei de imediato que esse era o futuro e amá-lo é a escolha que fiz no presente.
Não dormi, nem comi esperando que as horas passassem para conhecê-lo, ver finalmente o seu rosto e tirar toda a neura da minha cabeça. Podia ser coincidência, encanto, psicose, mas o fato é que estava ligada ao dono da sombra na janela. Corri para frente do castelo de manhã e vendo que ninguém se aproximava apertei a campainha. Perguntei pelo rapaz da casa e a empregada me disse que já havia saído para a escola. Nesse momento Greg chegou e eu aproveitei para perguntar se tinha uma foto do filho que ele disse se chamar Dylan. Inventei uma história sobre a união das famílias, mas ele respondeu que sua mudança ainda não tinha chegado.
Definitivamente só podia ser o destino conspirando contra, afinal o pai não tinha nenhuma foto do filho, nem na carteira? E por onde ele saiu?
Fiquei esperando o dia todo de espreita na janela, porém nada dele entrar, e a noite lá estava o vulto nas cortinas. Como era possível?
Estava apaixonada por uma sombra e a promessa de um futuro ditado por uma cigana que esfaqueia animais indefesos. Se fosse uma música ou série certamente eu seria a bobalhona da história. Decidi que dessa vez o pegaria e acabaria com a cisma. Deixei tudo pronto e fui dormir com o despertador ligado para as cinco da manhã, não sei o que aconteceu, pois já era seis quando acordei, nem o relógio era a favor da minha luta.
Corri para frente do castelo onde me disseram que Dylan havia saído naquele momento para uma viagem de férias de verão e só voltaria em dois meses. Ao ouvir isso, não pensei, simplesmente peguei uma bicicleta que estava encostada na varanda e desci a rua disposta a achar a marina de onde sairia a balsa para a tal viajem. Não sabia como, mas perguntaria até achar o lugar, eu podia conviver com meu pai adolescente, com o fato de morar no estábulo ao lado de um castelo e até de estar bem longe de River Falls, mas jamais conseguiria ficar sem conhecer esse garoto, imaginando seu rosto impossível por dois meses inteiros enquanto ele relaxava em alguma ilha de mauricinho e eu enlouquecia.
Era o último ano do ensino médio e o que seria o ano da minha vida estava condenado a se transformar num pesadelo obsessivo. Perguntei e segui caminhos por uma cidade louca que não conhecia, me virei de um jeito que talvez jamais volte a me virar, tamanha era a força de vontade quando finalmente avistei a marina no final da rua. Desci com tudo até lá, abandonando a bicicleta no meio da passarela e correndo rumo a uma balsa que partia, e apesar de estar sem fôlego, cheguei bem perto, porém ela se distanciou e foi impossível alcançá-la. Um homem que anotava coisas atentamente em seu papel olhou pra mim e disse.
– Perdeu a balsa senhorita? Daqui umas horas têm outra!
Puxando o ar olhei pra ele e respondi triste.
– Não como aquela!
– O quê aquela leva de especial? – perguntou o homem curioso.
– Talvez o amor da minha vida!
– Talvez? Como assim, está passando bem senhorita? – impressiona-se.
– É complicado! – respondi.
O homem, rindo da minha imaturidade então perguntou ficando sério a seguir.
– E quem seria ele ou ela? Nada contra!
Pensei um pouco para responder, pois havia esquecido o nome de tanto afobamento.
– É Dylan! – gritei, finalmente lembrando.
O senhor, voltando a rir com meu esquecimento comentou.
– O senhor Dylan! Bom garoto, inteligente! Não digo que é bonito porque não noto nessas coisas, mas pode ser adequado! – terminou.
– E como o senhor sabe? – quis saber.
– É que eu sou o diretor do Colégio São Pitombas que está levando os alunos de férias! Vim desejar-lhes boa viajem! E a senhorita? Qual seu nome?
– É Pâmela, mas pode me chamar de Pan. Me mudei para casa ao lado do Dylan!
– Nesse caso seja bem vinda ao São Pitombas! – cumprimentou o diretor.
– Como assim? Ainda não encontrei um colégio nessa cidade, quanto mais um caro como esse! – comentei surpresa.
– Não se preocupe! Seu pai e Greg acertaram tudo comigo, você começa no próximo semestre! A propósito, Dylan é aquele que está com o boné vermelho na ponta da balsa! Vão ter bastante tempo para se conhecer quando voltar. – mostrou ele.
Olhei com esforço e curiosidade para onde o diretor apontava, mas só consegui ver um pontinho vermelho se mexendo para todo o lado, mais uma vez havia falhado e agora além de passar os próximos meses pensando como ele seria também estava com medo dessa nova escola cheia de riquinhos. O mais estranho é que não encontrei fotos nas redes sociais e ele quase não tinha nada, as vezes duvidei da sua existência, juntamente com sua escola e toda essa história que não se encaixava.
O fato é que ainda hoje acordo febril no meio da noite após um pesadelo pior que outro, noite após noite sempre com a mesma pergunta e a única imagem que prova sua existência.
– Afinal, quem é você Dylan?