Coitado do beija-flor!
O beija-flor pousou suavemente no galho seco. A uns 20 metros dali os moleques Bruno, Valmir e Hélio com seus bodoques engatilhados, aguardavam que algum pássaro de maior porte sentasse no abacateiro para mandar a bala certeira. O pouso da pequena ave quebrou a ansiedade pela espera da vítima da vez.
Nesse intervalo de espera, Bruno - do grupo o de melhor pontaria - surgiu com a inusitada história: segundo ele, para uma pessoa adquirir boa pontaria era necessário atirar num beija-flor. E, assim que este caísse moribundo, o atirador deveria imediatamente abri-lo ao meio para, em seguida, engolir o coração da minúscula ave ainda quentinho, com sangue e tudo o mais.
– Foi assim que fiquei bom de pontaria – disse.
Coitado do beija-flor! Maldita hora fora pousar naquele galho. Não havia mais o que discutir. A vítima da vez estava ali, na frente deles, com seu destino já traçado. Ela estava ali toda serelepe praticando o seu prazeroso asseio corporal, ora levantando as delicadas asas e catando algum corpo estranho, ora contente soltando agudos pios.
Hélio e Valmir, ávidos em se equiparar à pontaria de Bruno, tomaram posição de ataque. Esticaram os seus bodoques ao máximo de suas capacidades e: pimba! Coube a Valmir mandar o inocente e inofensivo animalzinho para o andar de cima. Com o impacto da bodocada se ouviu um melancólico pio de despedida e um monte de penas da minúscula ave voou pelos ares. Esse ignóbil ato foi o cúmulo da insensatez humana, convenhamos.
Como naquela época (anos 50) pouco ou quase nada se falava de consciência ecológica, passarinhos eram caçados tanto por crianças quanto por adultos. E os três peraltas tinham apenas uma vaga lembrança do padre falando na missa que maltratar animais era pecado. Porém, o dito pelo padre na homilia entrava por um ouvido e saia pelo outro.
A ave se estrebuchou no chão até o apagamento definitivo. Valmir tomou emprestado o canivete de Bruno. E, sem perda de tempo, pegou o minúsculo pássaro, abrindo-lhe ao meio. Retirou o coração e engoliu ainda quentinho, com sangue e tudo. Seguiu à risca o ritual proposto pelo amigo Bruno.
Concluído o desprezível ato, fez cara de consternado. Porém o mal já estava feito.
Décadas se passaram, ficando comprovado que aquele rito macabro não lhe trouxe nenhuma valia. Ele continuou ruim de pontaria e com uma história nada edificante para contar aos seus.
Ainda bem que atualmente as crianças respeitam o direito à vida da flora e da fauna. Ainda bem!